Aram Aharonian com o ex-presidente Hugo Chávez |
“É
totalmente lógico que a direita tenha sua linha editorial e sua agenda
informativa. Seria lógico também que a comunicação popular tivesse sua própria agenda,
mas muitas vezes, por essa insistência em se manter colonizados ou por
comodismo, se acredita que o adequado é se opor ao que diz o inimigo. Ou seja,
referindo-se sempre à temática pautada pela direita, ajustando-se à sua agenda.
E numa posição defensiva e não, como se deveria, ativa, própria, propositiva,
didática, participativa”.
Aram Aharonian, presidente da Fundação para a Integração Latino-americana (FILA), opina sobre o papel dos meios de comunicação na América Latina e Caribe, sobre as TVs Telesur e CNN e sobre o portal Nodal (Notícias da América Latina e Caribe).
Por Raúl Argemí, no portal Nodal, de 03/03/2014 (a entrevista vai aqui dividida em três partes)
Jornalista provado em todas as frentes, Aram Aharonian nasceu
em Montevidéu, onde estudou Direito e Diplomacia, ao tempo em que começava a
trabalhar em jornais, semanários e revistas. Em 1973 teve que dar o passo de muitos
latino-americanos e encarar a escola do exílio, radicando-se na Argentina, onde,
além de ser correspondente de meios de comunicação, coordenou o jornal Noticias –
fechado pelo governo de Isabel Martínez de Perón – e foi chefe de redação
de La Voz.
Também se pode destacar em sua história pessoal haver
sido correspondente de Prensa Latina, a agência cubana de notícias que fundaram,
para romper o bloqueio informativo, Jorge Ricardo Massetti e Rodolfo Walsh, com
a participação de intelectuais latino-americanos como Gabriel García Márquez,
do México, e Julio Cortázar, de Paris.
Aram Aharonian, seguramente influenciado pela experiência
de Prensa Latina, e já radicado em Caracas, Venezuela, levou avante o projeto duma
televisão plurinacional, com pontos de vista e vozes independentes das grandes
corporações, que se concretizou em Telesur (TV Telesul), que começou a emitir seu
sinal em 2005.
Desligou-se da Telesur com críticas após alguns anos de
tensões internas. A história desse meio e sua experiência como jornalista
comprometido são a base deste encontro com Miradas al Sur, que nos
leva pelas alternativas de poder, as redes sociais, a independência e a
política.
– Você assinalou que hoje, para se dar um
golpe de Estado, são mais eficientes os grandes meios informativos do que as
estruturas militares. Se pode convencer e conduzir as pessoas com tanta
facilidade?
– O que sustento é que se há 40 anos se necessitavam de forças
armadas para impor um modelo político, econômico e social – que no caso
argentino significou milhares de mortos e desaparecidos –, hoje já não fazem
falta baionetas, mas o controle dos meios massivos, que nos bombardeiam todo o
dia com a mensagem única, a imagem única, através da informação, da publicidade
e do entretenimento, já não em espaços públicos e sim em nossos próprios quartos
ou salas.
Hoje os meios comerciais, tolerantes com a mentira, a falácia
e as montagens, jogam seu papel para deformar a realidade em benefício de seus
interesses e para fabricar uma opinião pública favorável ao status quo e de
resistência às mudanças estruturais de nossas sociedades. Manejam diversas técnicas
e mecanismos para impor imaginários coletivos: a instantaneidade que ninguém pode
verificar, a falta de confirmação das informações e fontes, o sensacionalismo,
a descontextualização, a manipulação de imagens, operando não somente sobre o
raciocínio, a mentalidade, mas também sobre a percepção e a sensibilidade das
pessoas.
Os meios de comunicação cartelizados atacam como partido
político e se escoram por trás da cantilena de defesa da liberdade de imprensa,
quando só o que querem é a impunidade de suas empresas e negócios, e dos interesses
imperiais.
– A imprensa, pelo menos a argentina, nasceu
como consequência das lutas políticas. É possível pensar em fontes informativas
não envolvidas em alguma visão política da sociedade?
– Toda visão é política, o que não significa que deva ser
partidária. Todo meio de comunicação parte duma linha editorial, de escolhas temáticas,
de enfoques diferenciados, de seleção ou escolha de fontes. Não existe a
imparcialidade nem a neutralidade, paradigmas do jornalismo liberal. O que é
imoral é se travestir de “objetivo” para impor interesses econômicos, comerciais,
políticos ou religiosos.
O problema maior é que temos enormes problemas para nos ver
com nossos próprios olhos: levamos 520 anos de colonização cultural, e a
realidade é que nos custa ter nossas próprias agendas informativas: nos
acostumamos a copiar as do inimigo. Ainda hoje, apesar dos ares de democratização,
a maioria da informação que circula na América Latina e no Caribe é gerada pelas
agências de notícias europeias ou estadunidenses. É indispensável mudar esta
realidade informativa com a difusão de informações geradas em nossos países,
que reflitam nossas realidades, a idiossincrasia dos nossos povos, seus interesses
e, sobretudo, os processos de integração, de forma a construir uma agenda
informativa própria da e para a região.
– É possível mudar a agenda dos meios de
comunicação controlados pela direita, ou sempre se jogará de contragolpe?
– Nem uma forma nem outra, mas sim tudo ao contrário. É
totalmente lógico que a direita tenha sua linha editorial e sua agenda
informativa. Seria lógico também que a comunicação popular tivesse sua própria
agenda, mas muitas vezes, por essa insistência em se manter colonizados ou por comodismo,
se acredita que o adequado é se opor ao que diz o inimigo. Ou seja, referindo-se
sempre à temática pautada pela direita, ajustando-se à sua agenda. E numa posição
defensiva e não, como se deveria, ativa, própria, propositiva, didática,
participativa.
Muitos comunicadores populares se converteram durante anos
em experts em denunciologia, lamentos e flagelações várias. Talvez não tenhamos
terminado de compreender que estamos, na América Latina, num momento histórico,
quando deixamos atrás cinco séculos de resistência para começar uma etapa de
construção, de novas democracias, novas sociedades, nova comunicação. E como
nos custa construir!
Não bastam somente boas intenções para construir sistemas
de comunicação mais inclusivos e plurais. Deve-se ter e demonstrar vontade
política, respaldo popular e compromisso institucional para fazer valer legislações
antimonopólicas e políticas públicas democratizadoras, frente às violentas
manipulações e mentiras dos meios corporativos contra medidas transformadoras que
põem em risco seus privilégios econômicos e submetem o interesse público às suas
desmesuradas pretensões de poder.
As respostas de Aram Aharonian são
contundentes, e originais (“revulsivas”), porque deixam de lado a atitude
vitimista que leva somente a justificar o fracasso da comunicação alternativa,
para centrar a busca na trilha do olho próprio (“en la paja del ojo próprio”).
(Continua)
Tradução: Jadson Oliveira
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