Eram incontáveis os
moscas que por ali circulavam. Faziam parte do ambiente. O chope de forno, o
príncipe maluco, a carne de fumeiro, tudo fazia parte daquele espaço que não
deveria ter acabado. Hoje, somos órfãos do Quintal.
Por Valdimiro Lustosa
No meu interior, toda pessoa “chata”, prosa ruim, a gente
chamava de mosca de boi. Mosca de boi porque ela sempre volta ao mesmo lugar e
com a mesma cantilena. O boi sacode o rabo, ela voa, mas volta e, nesse vaivém
irrita o boi. Pois bem. Metaforicamente, no Quintal, como em quase todo
lugar, havia os moscas de boi. Sempre tenho dito que o Bar Quintal do Raso da
Catarina era nossa Universidade Etílica, onde discutíamos política partidária,
política sindical, futebol, religião, música, literatura, enfim todos os
assuntos de interesse social. Lá se formavam chapas sindicais, discutiam-se
estratégias políticas, táticas e estratégias de atuação dentre outras.
Faziam-se poesias sob o luar de luz fosca, já que a grande mangueira ali
plantada quebrava um pouco a luz da lua, tornando o ambiente ainda mais
“caliente”.
Quando eu descia os degraus e avistava um ou outro mosca,
já ia de espírito prevenido para não me irritar. Conversava com Quitério para
disfarçar os moscas. Quitério com seu jeito costumeiro e educado se encarregava
de distanciar os moscas para um lugar mais isolado. Assim era a rotina do
Quintal.
Uma certa noite, iniciando os “trabalhos”, pergunto a
Quitério: tem mosca de boi na área? Quitério respondeu com seu sorriso peculiar
e disse: e como tem! “P”, poeta, competente, tinha uma boa conversa quando
estava são, mas no decorrer da noite e após alguns goles do chope de forno se
transformava no verdadeiro “moscão”. Quitério enfatizou: tem um mosca de boi
rondando por aqui e eu já nem sei se vou despachá-lo. “P” ouviu a conversa e
rebateu: se é comigo pode mudar o rumo da prosa, porque eu não sou mosca de boi
não. Eu compro e pago e não sou “godeleiro” não. “P” se retou. Quitério
não se conteve de rir. Não é com você não. Estou falando é de um outro que bebe
e não quer pagar ou fica questionando a conta ou ainda “filando” na mesa dos
outros. “P” rapidamente concluiu: eu sei o que é mosca de boi, pensa que não
sei, eu também sou do interior e, realmente, não há nada pior do que se tolerar
um mosca de boi. Por isso mesmo, já que você tá falando que tem mosca de boi na
área eu vou me mandar para não ser contaminado.
“P”, depois desse episódio, demorou a voltar ao Quintal.
Ele que era classificado como um tremendo mosca de boi, ao chegar no ambiente
cuidava, talvez por ironia, de perguntar a Quitério se tinha mosca de boi no
espaço. Quitério, com sua elegância (vestido com seu indefectível gibão de
couro), respondia: “estão chegando...”
Eram incontáveis os moscas que por ali circulavam. Faziam
parte do ambiente. O chope de forno, o príncipe maluco, a carne de fumeiro,
tudo fazia parte daquele espaço que não deveria ter acabado. Hoje, somos órfãos
do Quintal. O Bar fez parte da vida boêmia de muitos baianos. Temos que pensar,
como bem disse Pedro Barbosa, em criar o MSB – MOVIMENTO DOS SEM BAR.
A idéia de Pedro Barbosa é mais que oportuna, porque os
amigos estão ficando distantes, o medo de sair de casa também tem contribuído
para esse distanciamento. Precisamos reinaugurar a nossa UNIVERSIDADE ETÍLICA
nos moldes do saudoso Quintal que, se estivesse em funcionamento teria feito
hoje (21.04.2014), 35 (trinta e cinco) anos de vida “UNITÍLICA” – UNIVERSIDADE
ETÍLICA, cujo espaço inspirou poetas, músicos, escritores, grandes amizades e
propiciou casamentos. Com a palavra nosso reitor FRANCO BARRETTO.
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