Eis aí o soldado 228, Jadson, da Companhia do QG, safra 1964 |
De Salvador (Bahia) - Era perto das 6 horas da tarde
do dia 31 de março de 1964, no quartel sede do comando da 6ª. Região Militar do
Exército, na Mouraria, em Salvador. Os soldados estávamos deixando o quartel.
Eu me preparava para ir à aula, cursava o terceiro ano do Clássico no Colégio
Central (equivalente hoje ao 8º. ano do 2º. grau).
- Ei, atenção todos, não vai sair ninguém, estamos
de prontidão, gritava
o “sargento de dia”, o sargento de serviço naquele dia, o sargento Cruz, da
área da saúde, tinha a cruzinha branca denotativa da “arma” no braço, junto do
símbolo denotativo da patente (é pura coincidência se chamar Cruz e levar a
cruz da “arma” da saúde). Se agitava no pátio do quartel, apressando o passo na
direção da guarda na saída (ou na entrada) do prédio.
Pronto.
Começava assim para mim a “prontidão” (para quem nunca foi militar: ficar
aquartelado, sem sair do quartel, pronto para qualquer emergência). Começava
assim para mim o que os militares chamaram “a revolução de 64”. E este aviso feito
às pressas pelo sargento Cruz ficou como a lembrança mais viva que guardo do
golpe de 64, eu, soldado 228, Jadson, da Companhia do QG.
Daí em
diante foi torcer para que o comandante do IV Exército, sediado em Recife, a
quem era subordinada a 6ª. Região, não aderisse aos golpistas, ficasse leal à
Constituição, à “legalidade”. Pelo jeito, com toda ingenuidade, eu já tinha
minhas quedas para a esquerda. Me lembro que torcia junto com um sargento com
quem mantinha uma certa amizade, um sergipano de nome Medeiros (reencontrei uma
vez com ele, muitos anos depois, eu repórter, ele, já reformado, assessor duma
Secretaria estadual).
Nossa
torcida, como se sabe, de nada valeu. Me lembro o sargento Medeiros saindo com
um grupo de soldados para combater o pessoal do Corpo de Bombeiros, que naquela
época era subordinado ao prefeito de Salvador, então Virgildásio Sena, que se
rebelou contra o golpe. Mas os bombeiros se renderam sem combate.
O
sargento comentou comigo que tinha escolhido uns “bons” soldados, nominou
alguns, meus companheiros recrutas, muitos deles afamados entre nós como “barra
pesada”, isto é, conhecidos por serem fortes e brigões.
Certamente meu amigo Medeiros não me escolheu e nunca me escolheria para tal missão. Na
verdade, eu nunca fui de briga, ao contrário, eu era “peixada” dos sargentos
justamente por ter opostas qualidades (ou defeitos): era “gente boa”, exímio
datilógrafo e com instrução superior a todos os outros. Havia apenas um outro,
Schetini, na mesma condição minha, trabalhávamos no serviço burocrático da
Sargenteação, éramos “peixada” dos sargentos e quase nunca escalados para
serviços “pesados”.
Foi assim
que atravessei minha experiência de “soldado revolucionário” sem qualquer tipo
de ação que implicasse em atuar diretamente na repressão. Me recordo que um dia
vi um grupo de prisioneiros políticos, todos civis, no pátio do quartel, um estava com a
cabeça sangrando, fiquei espiando assim sem jeito, amedrontado, chocado.
Depois
vieram tanta coisa mais, tantas idas e vindas, tantos acasos, tantas lutas,
tantos sonhos, tantas coisas boas, outras nem tanto, a vida, uma vida que
encheu 50 anos, 50 anos! Quem diria!?
Estas
recordações passaram num filme pela minha mente quando participei, no dia 1º.
de abril, duma manifestação de antigos presos e torturados pela ditadura no
antigo Forte do Barbalho, hoje Memorial de Resistência do Povo da Bahia, justamente
dentro da programação dos 50 anos do golpe.
Eu entrei
num sanitário com o companheiro fotógrafo Manoel Porto e ele comentou: “Isso é
sanitário de quartel”. Respondi: “Conheço bem, Manelão. Você sabe que fui
soldado ‘revolucionário’? Pois é, companheiro, me lembro como se fosse hoje, no
final da tarde do dia 31 de março, há exatamente 50 anos, o sargento Cruz...”
Comentários
Rui Baiano Santana
Vou escrever alguma coisa sobre os "quintaleiros" do nosso Sérgio Guerra. O encontro do dia 21 no Colón foi beleza, tenho um monte de fotos.
Devo incluir no meu texto algo (ou tudo) daquele e-mail que vc me mandou falando de suas saudades do Quintal. Posso usar, né?
Rui Baiano Santana