Hugo "Pacotinho", do Levante Popular da Juventude, e Joviniano Neto, do Comitê da Verdade, simbolizando a nova e a antiga militância do movimento democrático e popular (Fotos: Jadson Oliveira) |
Estavam lá para revolver suas
feridas, mas também para proclamar que lutaram, que resistiram à opressão, e,
especialmente, para clamar e continuar lutando pela verdade e pela justiça,
contra a impunidade dos golpistas e torturadores.
De
Salvador (Bahia) – Ali quase todos tinham pelo menos uma
lembrança dum “tempo infeliz da nossa história”, em especial os que foram
presos políticos, os hoje sessentões torturados quando ainda eram “meninos” (ou
“meninas”), militantes “revolucionários” durante a última ditadura brasileira
(1964-1985), muito especialmente nos fins da década de 60 e primeira metade dos
anos 70.
Afinal estávamos no Forte do Barbalho, onde funcionava na
época a Companhia da PE (Polícia do Exército), o maior centro de torturas
montado pelas Forças Armadas em Salvador.
Dezenas deles estavam lá recordando e relatando para os
mais jovens, alguns chorando, alguns contendo a custo o aflorar da emoção,
tanta dor, tanto sonho, tanta luta...
A visão das celas, o local do pau-de-arara, o poço d’água
onde eram feitos os afogamentos na hora do interrogatório, as porradas, os
espancamentos, as humilhações, o terror, o medo, todos esses “detalhes” que
materializam o que podemos chamar de império do terrorismo de Estado, para usar
uma denominação perfeita.
No ato realizado no Forte, os primeiros na frente: Sérgio Miranda, Paulo Pontes, Carlinhos Marighella e o quinto é José Sérgio Gabrielle |
Um contava como “conheceu” (ou foi conhecido pelos) os
companheiros de cela: estava desmaiado, quase morto, “eles pensavam que eu
estava morto”, moído de pancadas e outros tipos de tortura mais “eficazes” logo
na chegada à cadeia para arrancar deles, o mais rapidamente possível,
informações sobre “pontos” com camaradas da organização clandestina. Era, na
verdade, um procedimento padrão dos repressores.
Outros falavam daquele cabo escroto que fazia questão de
sacanear com eles em toda oportunidade; ou da primeira visita dum advogado ou
advogada, que alívio, que alegria!, claro que ele não poderia fazer grande
coisa, mas já era alguma coisa para quem estava como enterrado vivo, sem
contato com o mundo exterior, com a família.
Um outro se recordava daquele soldado gente boa, você se
lembra?, olhe que soldado, jovem, come como quê, mas ele sempre deixava alguma
coisa de sua comida pra gente na cela. Como se vê, uma recordação doce em meio
a tanta amargura.
E uma outra antiga militante lembrava quando era uma
adolescente e teve seu pai e seu irmão presos: a gente lembra mais os presos,
os torturados, é natural, mas tem também os familiares, minha família, minha
vida foi toda desestruturada, um inferno...
Estavam lá no Forte do Barbalho na última terça-feira,
dia primeiro de abril, dia em que, há exatos 50 anos, o Brasil amanhecia sob as
botas dos militares, chamados ao golpe de Estado contra os bons brasileiros e
contra o governo do presidente João Goulart. Digo “chamados” para frisar que
golpistas foram também civis, grandes empresários, religiosos, a grande
imprensa, todos mancomunados com o império estadunidense.
Estavam lá para futucar suas chagas, para revolver suas
feridas, mas também para proclamar que lutaram, que resistiram à opressão, e,
especialmente, para clamar e continuar lutando pela verdade e pela justiça,
contra a impunidade dos golpistas e torturadores.
Neste particular – verdade, justiça e castigo -, tiveram a
companhia da bonita e combativa moçada do Levante Popular da Juventude, que
gritavam seus gritos de guerra: “Nós não vamos esquecer / a tortura nunca mais
/ Se o povo se unir / a impunidade vai cair”. Um testemunho patente de que a
luta continua.
(Este
blog publicará mais matérias sobre a manifestação no Forte do Barbalho)
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