50 ANOS DE GOLPE NA BAHIA: EXISTIU MESMO TORTURA NA DITADURA?



Velhos e novos militantes marcham em Salvador, no dia 1o./abril, rumo ao Forte do Barbalho, pela Verdade e Justiça, por mais democracia e contra a impunidade dos crimes da ditadura (Fotos: Jadson Oliveira)
“Quero ver quando vamos nos livrar desses FANTASMAS, e a ressurreição desses episódios, se é que existiram. Interessa a quem, como tem abutre para tudo. REMOER É PRECISO, me poupe”.


De Salvador (Bahia) – Pois é. Parece inacreditável (para nós de esquerda), mas tem gente que duvida que existiu tortura de opositores políticos durante a ditadura militar (ou civil-militar, como parece mais apropriado). Não caberiam dúvidas: claro que existiu sim, e sistematicamente. E não só tortura, mas também assassinato, desaparecimento (a estimativa mais corrente é que quase 500 opositores foram desaparecidos/assassinados).


Mas, repito, parece incrível: tem gente que duvida. Guardei nos meus arquivos um comentário do dia 5 de dezembro último, no site do jornal baiano Tribuna da Bahia, sobre matéria que reportava casos de tortura durante sessão de uma Comissão da Verdade (há algumas na Bahia e várias pelo Brasil, foram sendo criadas na esteira da Comissão Nacional da Verdade, criada pelo governo federal), na Reitoria da Universidade Federal da Bahia, em Salvador.


Eis o comentário, como saiu, na íntegra:




Quero ver quando vamos nos livrar desses FANTASMAS, e a ressurreição desses episódios, se é que existiram. Interessa a quem, como tem abutre para tudo. REMOER É PRECISO, me poupe”.


É de lascar, não?


A verdade é que temos ainda, 25 anos depois de readquirirmos o direito de eleger por voto popular o presidente da República, um ambiente social adverso para as práticas democráticas, especialmente se pensamos numa democracia que tenha o mínimo de viés popular.


Os verdadeiros poderes que manejam nas sombras


Nossa sociedade ainda está travada majoritariamente pelos poderosos setores que, de fato, detêm o poder: o grande empresariado, os banqueiros, as corporações empresariais estrangeiras, os latifundiários (empresários do campo, do agronegócio), grandes empreiteiras e mineradoras, de modo geral afinados com as Forças Armadas e o imperialismo estadunidense.
Torturados voltam ao Forte do Barbalho, falam das torturas sofridas, da resistência e cantam o seu hino: (de pé, na frente) 1 - Jorge Almeida ("Macarrão", apelido da cadeia); 2 - não consigo identificar; 3 - Emiliano José (com o microfone); e 4 - Dirceu Régis, autor da letra
No palco, Joviniano Neto, do Comitê Baiano pela Verdade, com líderes religiosos, símbolos da luta contra a ditadura
Estes - não os das fotos, mas os citados no parágrafo anterior - são os donos, de fato, do poder, são os que manejam o poder a partir das sombras, manejando os presidentes, governadores, partidos, congressistas, juízes e os meios de comunicação hegemônicos (a mídia hegemônica, citada por último, mas talvez seu poder mais visível, hoje substituindo, de fato, os partidos de direita e ultradireita, na verdade fraquíssimos no Brasil atual).


Mesmo quando lhes escapa parcela do poder político, como acontece hoje no Brasil, eles estão aí mais firmes do que nunca segurando o poder na economia, na ideologia e na cultura.


Dilma, torturada, valoriza a autoanistia?


O poder desta sociedade travada, ainda largamente majoritário (infelizmente, para nós de esquerda), ficou visível, por exemplo, num episódio significativo recente: a presidenta Dilma Rousseff, que considero uma pessoa “do bem”, como se diz, ela própria uma torturada da ditadura, se submeteu a declarar – certamente por conveniência política, não por falta de coragem – que valoriza os “pactos” que levaram ao processo da chamada redemocratização.


Entre tais “pactos”, sobressai-se, no caso, a concessão da autoanistia dada pelo regime ainda militar aos seus torturadores e assassinos. Autoanistia contida na Lei da Anistia, de 1979, referendada há quatro anos por nosso Supremo Tribunal Federal (STF).


A que chegamos nós? Uma presidenta, já torturada, mulher brava e correta, se submete a uma coisa assim, forçada – certamente – pelo que costumamos chamar de “correlação desfavorável de forças”. Pode ser?
Força jovem: militantes do Levante Popular da Juventude e de outras entidades deram o tom mais combativo na manifestação
Para não parecer pessimista, registro que acredito que a movimentação a partir da Comissão Nacional da Verdade, apesar de todas as limitações e o descrédito que cercaram sua criação, parece ajudar no sentido da maior divulgação dos crimes de lesa humanidade cometidos pelos repressores da ditadura.


De qualquer forma, portanto, parece estar crescendo o nível de conscientização da sociedade no rumo da Verdade e da Justiça, inclusive – o que é fundamental – para que o STF anule essa vergonhosa autoanistia dos torturadores.


Ouvindo os torturados no Forte do Barbalho


Então, eu estava lá no Forte do Barbalho, no dia 1º. de abril, ouvindo depoimentos de companheiros que foram torturados ali no Forte, o maior centro de torturas da ditadura em Salvador (era um quartel do Exército), e pensando que tem gente que ainda duvida se existiu ou não tortura durante a ditadura.


(Tortura de opositores políticos, é bom que se diga claramente: porque tortura de preto e pobre das periferias, praticada pela polícia, existiu antes da ditadura, existiu durante a ditadura e continua a existir agora durante a nossa chamada democracia).


Aproveito este texto para divulgar mais algumas fotos da manifestação do Forte do Barbalho (esta é a terceira matéria que publico aqui no Evidentemente sobre o assunto: as duas primeiras foram nos dias 4 e 5/abril).


O evento foi um dos que compuseram a extensa programação organizada pelo governo da Bahia, através de suas secretarias da Cultura e da Educação – com o apoio de várias entidades públicas e privadas -, durante mais de uma semana, para marcar os 50 anos do golpe. O principal deles foi o III Fórum do Pensamento Crítico, constante de várias mesas de debates, de 24 a 28/março, no Teatro Castro Alves.

Mais algumas fotos:
Cartaz prega o plebiscito popular, para reforma do sistema político, na Semana da Pátria, de 1 a 7 de setembro
Torturados e presos da ditadura voltam ao Forte: Diogo Assunção de Santana, Denilson Vasconcelos e Edson (Edinho) Argolo posam ao lado duma das portas das celas

Diogo Assunção aponta seu nome na relação dos presos políticos no Forte, local transformado pelo governo baiano no Memorial de Resistência do Povo da Bahia
 

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