Franck Gaudichaud (foto), membro do corpo editorial do Rebelión.org e autor de vários livros sobre América Latina, analisa a situação política na Venezuela.
“Não vejo outra solução senão criar fiscalização desde baixo, fomentar a democracia participativa e os conselhos de trabalhadores, reforçar os conselhos comunais existentes. Caso contrário, como efetivamente parar a ofensiva da direita?”
Por Valeria Ianni - Revista La Llamarada – entrevista reproduzida do portal Carta Maior, de 20/03/2014, dividida aqui
em quatro partes. O título geral é “O debate hoje é como frear a violência
ofensiva da direita neoliberal” (o título acima é deste blog)
(Continuação)
Quais são essas principais fragilidades próprias ao chavismo?
Primeiro, é preciso diferenciar o chavismo governamental do povo trabalhador bolivariano. Eu entendo que haja tensões aí, sobretudo um ano após a partida de Hugo Chávez, que foi um gestor central do processo, capaz de oscilar entre a verticalidade do líder e a horizontalidade da participação popular. Na era do “chavismo sem Chávez”, Maduro tem a legitimidade democrático-eleitoral: ganhou a eleição presidencial, de maneira justa, e as eleições municipais confirmaram essa nova vitória bolivariana nas urnas (com 17 vitórias sobre 18 eleições). Mas Maduro não tem a liderança carismática de Chávez, ao passo que, ao mesmo tempo, existe uma degradação econômica acelerada.
Evidentemente, fala-se muito de insegurança – a direita, em particular –, mas isso também representa uma grande preocupação diária para as classes populares. É no plano econômico que os problemas mais afloram ultimamente: o Banco Central da Venezuela reconhece um desabastecimento em torno de 28% dos produtos e uma inflação de 56% em 2013, que corrói os salários dos trabalhadores. A má gestão econômica e do tipo de câmbio reforça a especulação, o mercado negro e o monopólio por parte da burguesia em uma escala maior. Alguns economistas marxistas, como Manuel Sutherland ou Víctor Álvarez, falam da maior fuga de capitais da América do Sul. São vários “planos Marshal” que fogem em direção a Miami. É certo que a inflação e o desabastecimento são produto da ofensiva das classes dominantes, mas também de uma política econômica ineficiente.
A corrupção é outro pano de fundo após 15 anos do processo bolivariano: como pretender construir o “socialismo do século XXI” nessas condições de corrupção burocrática? Diante das dimensões do fenômeno, ligado ao modelo de capitalismo petro-rentista ainda hegemônico, não basta ter um ministério do “poder popular”... Não vejo outra solução senão criar fiscalização desde baixo, fomentar a democracia participativa e os conselhos de trabalhadores, reforçar os conselhos comunais existentes. Caso contrário, como efetivamente parar a ofensiva da direita? Com diálogo e paz com os setores patronais, como a Mesa de Unidade Democrática, com o Cisneros e a boliburguesia? Por outro lado, recordemos a impunidade até hoje para os responsáveis do golpe de abril de 2002 ou dos assassinatos de abril de 2013.
Também é muito preocupante a impunidade diante dos assassinatos anti-sindicais que existem no país, dos níveis de repressão contra algumas greves trabalhadoras ou da crescente militarização de alguns territórios (o que provocou mal-estar e distanciamento público por parte do governador bolivariano do estado de Táchira).
Nos últimos dias, o presidente Maduro e a promotoria reconheceram a responsabilidade da guarda nacional e da polícia bolivariana na morte e nos maus tratos de vários manifestantes. Tomara que isso não fique impune, pois o Estado tem que ser o garantidor dos direitos fundamentais. (Continua)
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