Franck Gaudichaud (foto),
membro do corpo editorial do Rebelión.org e autor de vários livros sobre
América Latina, analisa a situação política na Venezuela.
“Existe, na Venezuela, uma dinâmica cívico-militar bem diferente da experiência chilena. Para além disso, a ‘revolução bolivariana’ atualiza um debate pendente na Unidad Popular: o que podemos fazer com o Estado e com qual tipo de Estado?”
Por Valeria Ianni - Revista La Llamarada – entrevista reproduzida do portal Carta Maior, de 20/03/2014, dividida aqui
em quatro partes. O título geral é “O debate hoje é como frear a violência
ofensiva da direita neoliberal” (o título acima é deste blog)
(Continuação)
Quais
semelhanças e quais diferenças podemos encontrar entre o processo do Chile
durante o governo de Allende e o da Velezuela? Principalmente em função da
relação entre os espaços de organização popular e um Estado que, apesar de
todas as mudanças, continua sendo um Estado capitalista.
Primeiro, isto me parece fundamental: na Venezuela, ainda existe o Estado capitalista, embora com uma nova institucionalidade muito mais democrática. Predomina o capitalismo estatal-rentista e mais de 70% do PIB está nas mãos do setor privado. Localizar-se estrategicamente significa primeiro saber onde estamos parados. No Chile de 1973, a Unidad Popular significou, assim como na Venezuela, grandes conquistas democráticas, sociais, e empoderamento desde baixo, tudo isso apoiado em uma classe trabalhadora muito organizada no plano sindical e político. De fato, na Venezuela, uma grande deficiência é que não se conseguiu construir um movimento trabalhador e sindical classista e democrático, autônomo da burocracia estatal.
Outro elemento interessante da experiência chilena é a relação tensa entre movimento popular e governo Allende. Eu estudei os cordones industriales[ii] como organismos sui generis de poder popular e, em vários momentos, os cordones foram capazes de parar diante de Allende e reivindicar medidas revolucionárias.
Outra questão para debate é justamente até que ponto podemos confiar na institucionalidade, na possibilidade de “usar” o Estado para reformar desde cima a sociedade: isto é, se construímos o socialismo por meio do Estado ou se o construímos por meio do poder popular constituinte, do controle por parte dos trabalhadores e da participação cidadã. Na Venezuela, por exemplo, experiências de cogestão, como o Sidor, foram rapidamente descontinuadas. O mesmo aconteceu com o complicadíssimo tema da violência política, do papel do imperialismo e das Forças Armadas: o certo é que, na Venezuela, diferentemente da via chilena, pensou-se em um processo “pacífico, mas armado”.
Existe, na Venezuela, uma dinâmica cívico-militar bem diferente da experiência chilena. Para além disso, a “revolução bolivariana” atualiza um debate pendente na Unidad Popular: o que podemos fazer com o Estado e com qual tipo de Estado? Até que ponto o governo e as eleições são uma ferramenta de conquista democrática e como se apoiar decididamente em formas de poder popular para avançar? Como enfrentar com a melhor correlação de forças as direitas e o imperialismo?
Ver: F. Gaudichaud, “As tensões do processo bolivariano: nacionalismo popular, conquistas sociais e capitalismo rentista”, Rebelión, dez. 2012, www.rebelion.org/noticia.php?id=160554.
[ii] Ver: F. Gaudichaud, “Poder popular e cordones industriales no Chile”, Santiago, LOM, 2004.
Tradução: Daniella Cambaúva
Primeiro, isto me parece fundamental: na Venezuela, ainda existe o Estado capitalista, embora com uma nova institucionalidade muito mais democrática. Predomina o capitalismo estatal-rentista e mais de 70% do PIB está nas mãos do setor privado. Localizar-se estrategicamente significa primeiro saber onde estamos parados. No Chile de 1973, a Unidad Popular significou, assim como na Venezuela, grandes conquistas democráticas, sociais, e empoderamento desde baixo, tudo isso apoiado em uma classe trabalhadora muito organizada no plano sindical e político. De fato, na Venezuela, uma grande deficiência é que não se conseguiu construir um movimento trabalhador e sindical classista e democrático, autônomo da burocracia estatal.
Outro elemento interessante da experiência chilena é a relação tensa entre movimento popular e governo Allende. Eu estudei os cordones industriales[ii] como organismos sui generis de poder popular e, em vários momentos, os cordones foram capazes de parar diante de Allende e reivindicar medidas revolucionárias.
Outra questão para debate é justamente até que ponto podemos confiar na institucionalidade, na possibilidade de “usar” o Estado para reformar desde cima a sociedade: isto é, se construímos o socialismo por meio do Estado ou se o construímos por meio do poder popular constituinte, do controle por parte dos trabalhadores e da participação cidadã. Na Venezuela, por exemplo, experiências de cogestão, como o Sidor, foram rapidamente descontinuadas. O mesmo aconteceu com o complicadíssimo tema da violência política, do papel do imperialismo e das Forças Armadas: o certo é que, na Venezuela, diferentemente da via chilena, pensou-se em um processo “pacífico, mas armado”.
Existe, na Venezuela, uma dinâmica cívico-militar bem diferente da experiência chilena. Para além disso, a “revolução bolivariana” atualiza um debate pendente na Unidad Popular: o que podemos fazer com o Estado e com qual tipo de Estado? Até que ponto o governo e as eleições são uma ferramenta de conquista democrática e como se apoiar decididamente em formas de poder popular para avançar? Como enfrentar com a melhor correlação de forças as direitas e o imperialismo?
Ver: F. Gaudichaud, “As tensões do processo bolivariano: nacionalismo popular, conquistas sociais e capitalismo rentista”, Rebelión, dez. 2012, www.rebelion.org/noticia.php?id=160554.
[ii] Ver: F. Gaudichaud, “Poder popular e cordones industriales no Chile”, Santiago, LOM, 2004.
Tradução: Daniella Cambaúva
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