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Por RICARDO MENDONÇA, de São Paulo, de 31/03/2014 (enviado pelo companheiro Otto Filgueiras)
Uma
pesquisa inédita do Datafolha sobre a Lei da Anistia mostra que a maior
parte da população, 46%, é a favor da anulação da norma tal qual ela é
aplicada hoje. Os que são contra somam 37%. Outros 17% não sabem dizer.
Hoje,
exatos 50 anos após o golpe de 1964, também há mais brasileiros a favor
do que contra à proposta de punição dos que torturaram presos políticos
na ditadura.
Agora,
46% defendem castigo aos torturadores e 41% são contra. Indiferentes e
pessoas que não souberam opinar são 13%. Em 2010, quando o Datafolha fez
essa pergunta pela primeira vez, o resultado foi o inverso: 45% eram
contra, 40% a favor.
A
pesquisa atual, com 2.614 entrevistas, foi feita em 19 e 20 de
fevereiro, antes da onda de eventos e reportagens sobre os 50 anos do
golpe. E antes da repercussão do depoimento do coronel reformado Paulo
Malhães à Comissão Nacional da Verdade.
No
último dia 25, Malhães narrou como torturava, matava e dilacerava
corpos de opositores durante a ditadura. Disse não ter qualquer
arrependimento disso.
Para
o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, os resultados mostram uma
sociedade dividida: "Considerando a margem de erro [2 pontos], as taxas
são parecidas".
Segundo
ele, a efeméride e o depoimento de Malhães influenciariam pouco nos
resultados. "É um tipo de informação que atinge um segmento muito
específico da população, só os mais informados e escolarizados", diz.
Recortes
por instrução e renda dão uma pista disso. Entre os que têm nível
superior e ganham mais de R$ 7.240, o apoio à punição de torturadores
sobe para 58%.
ATENTADOS
O
Datafolha também perguntou se é o caso de reexaminar atentados contra o
governo cometidos por militantes opositores da ditadura.
A
proposta não tem força política ou jurídica. Autores de atentados já
foram julgados e penalizados com prisões, conforme legislação da época. E
muitos sofreram punições não previstas na lei, como tortura e morte.
Apesar
disso, a ideia costuma ser repetida por alguns defensores da ditadura
em resposta aos que pedem punição aos torturadores.
Resultado:
54% responderam que sim, esses casos merecem reexame. Quando o
instituto perguntou se todos deveriam ser julgados hoje, torturadores e
ex-militantes, 80% apoiaram.
O
ex-ministro José Gregori (Justiça), presidente da Comissão de Direitos
Humanos da USP, diz que o apoio crescente à punição de torturadores "é
produto dos fatos aterrorizadores que têm vindo à baila na Comissão da
Verdade".
"Mas
isso não modifica a minha posição de que a Lei da Anistia deve ser
mantida como está", diz. "Ela deu-se numa fase de muita complexidade. E
embora não seja perfeita, cumpriu um papel importante para a
redemocratização ser pacífica."
O
historiador Marcelo Ridenti vê influência externa nos resultados da
pesquisa. "Em muitos países têm sido feitas comissões da verdade: África
do Sul, vários na América Latina, leste europeu. É uma consciência
internacional que tem sido incorporada por setores crescentes da opinião
pública brasileira."
POLÊMICA
Lei
da Anistia e punição a torturadores são temas polêmicos nos meios
político e jurídico. Criada em 1979, a Lei 6.683 anistiou todos os que
haviam cometido "crimes políticos" entre 1961 e 1979.
Opositores foram perdoados, exilados puderam voltar.
Desde
então, agentes do Estado acusados de sequestro, tortura, assassinato e
ocultação de cadáver também passaram a recorrer à Lei da Anistia para
evitar punições.
Eles
alegam que se tratou de uma espécie de pacto nacional pelo esquecimento
recíproco das violências. Juridicamente, se agarram a um trecho da lei
segundo o qual a anistia também é válida para "crime conexo".
A
disputa está na interpretação dessa expressão. Para os acusados de
tortura, conexos seriam todos aqueles crimes praticados no contexto
geral da disputa política da época, independentemente do lado em que
estavam.
Para
os defensores da revisão da lei, essa interpretação não faz sentido
jurídico, já que, na prática, representaria uma autoanistia.
Em
2010, o Supremo Tribunal Federal analisou o assunto e decidiu que a Lei
da Anistia também valia para os torturadores do regime militar.
Meses
depois, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil
num caso da Guerrilha do Araguaia justamente por causa dos efeitos dessa
interpretação da Lei da Anistia.
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