Nicolás Maduro com familiares de assassinados nas "guarimbas" (bloqueios e atos violentos da ultradireita) (Foto: Página/12) |
A democracia que não elege o
candidato da embaixada (estadunidense) é democracia que não serve para os EUA.
Os EUA voltam a se ver sem manual
diante deste cenário modificado (na América Latina) e, então, em sua versão atual
da doutrina Monroe, regressam às ameaças.
Que ninguém duvide de que a
diplomacia dos EUA, em sua estratégia de dominação global, exige agora uma
guerra local contra a Venezuela.
Por Alfredo Serrano Mancilla (*) – no jornal argentino Página/12, edição de 16/03/2014
Não é ficção
científica nem filme de Hollywood. Tampouco se trata de paranoia conspirativa
da Guerra Fria. Hoje, os Estados Unidos manifestam cabalmente sua intenção de
acabar com o governo venezuelano. A democracia que não elege o candidato da
embaixada é democracia que não serve para os Estados Unidos. O Norte jamais aceitou
Chávez como presidente respaldado pelos povos do Sul; agora tampouco admite que
o chavismo sem Chávez continue se construindo como legado que Chávez deixou na
Venezuela e na América Latina. O manual de golpe lento de Gene Sharp está sendo
eficaz para desestabilizar mas está sendo incapaz de derrocar a Revolução
Democrática Bolivariana. Por que? Porque Chávez mudou tanto as regras que a
guerra planejada –vinda de fora – se encontra agora fora de jogo. Apesar das mortes
e do clima violento gerado nas ruas da Venezuela e do desgaste da imagem
internacional de Maduro, o intento persistente de golpe não consegue seu
objetivo final e, além disso, está dividindo a oposição. A violência concentrada
exclusivamente nas zonas ricas do Leste de Caracas não é suficiente para apresentar-se
como uma força alternativa de governo com amplo apoio popular. Henrique Capriles
continua manifestando que necessita apoio das maiorias para ser presidente, enquanto
Leopoldo López o busca com uma atitude violenta duma minoria. Realmente, não conseguem
aprender como disputar com o chavismo o sujeito Povo.
A missão
dos Estados Unidos já data do ano de 2002, com um golpe de Estado e o blecaute
petroleiro na Venezuela. Em seguida, experimentaram com muitos candidatos e
diferentes estratégias eleitorais visando acabar através das urnas com Chávez. Com
a morte deste, se abriu ainda mais o apetite pelo impossível: eliminar o
chavismo como nova identidade política. A primeira via foi novamente a eleitoral,
em abril de 2013, mas perderam; por uma diferença mínima, mas perderam. A
segunda vez foi mediante uma guerra econômica (especulação e desabastecimento
de alimentos) durante meses para desembocar num plebiscito contra Maduro nas eleições
municipais de dezembro último, porém, outra vez mais perderam e não por uma
diferença mínima. Esperar, no entanto, até 2016, como ordena a Constituição
venezuelana, para realizar um plebiscito revogatório, é algo tão democrático
que não se encaixa nos planos golpistas. Nem os republicanos aceitam as leis da
República Bolivariana, nem os democratas aceitam a democracia venezuelana, e
por isso, o falso bipartidarismo dos Estados Unidos tem uma posição clara
contra o povo venezuelano. As infrutíferas solicitações a seus organismos
internacionais provocaram uma mudança de estratégia: Estados Unidos contra
Venezuela. As Nações Unidas não lhes deram razão e a OEA lhes deu as costas. Não
apenas isso, mas ocorre que a mudança de época, pós Chávez, obriga a dirimir questões
do Sul no Sul. A ALBA rechaçou toda a ingerência dos Estados Unidos. A Celac
também apoiou o governo da Venezuela para que continue os esforços para
dialogar. E por último, a Unasul foi implacável em “rechaçar a violência e
respaldar os esforços do governo da Venezuela”. Tudo isso é conquista de
Chávez, mas também da experiência acumulada de Maduro à frente do serviço nas
relações exteriores durante tantos anos e do bom desempenho do atual chanceler Elías
Jaua em seus últimos giros.
Os Estados
Unidos voltam a se ver sem manual diante deste cenário modificado e, então, em
sua versão atual da doutrina Monroe, regressam às ameaças. Num início, vieram
as agências econômicas para ir adubando o terreno. Fitch desqualificou a
Venezuela; Moody’s falou de colapso econômico; The Economist pressagiou o “fim
da festa”; Bank of America e Merrill Lynch preferiram denominar o momento como
“primavera venezuelana”. Depois, chegaram as vozes autorizadas. Primeiro foi a
vez do vice-presidente Biden, com intenções de seguir construindo a matriz
dominante da guerra civil com ingovernabilidade. Se somou à festa o secretário
de Estado Kerry no tom intervencionista ameaçando estabelecer sanções econômicas
via OEA, apesar de Insulza (seu secretário) deixar claro que não se pode apelar
a esta opção porque “o caso venezuelano não põe em risco a democracia nem a
segurança do continente americano”. O último, por enquanto, é Kelly, o chefe do
Comando Sul do exército dos Estados Unidos, que se atreve, sem complexos e com
descaramento, a continuar na senda do derrocamento afirmando, ante o Comitê de
Assuntos Armados do Senado, que o país caribenho “vai se precipitar rumo à
catástrofe econômica”, forçando ademais o rumor pretendido de “divisão no seio
das forças armadas venezuelanas”.
A transição
geopolítica rumo a um mundo de muitos blocos econômicos incomoda muitíssimo a
maior potência militar do mundo. Em 2014, os Estados Unidos pretendem
recuperar, aconteça o que acontecer e na máxima velocidade possível, sua
hegemonia unipolar no campo econômico. Para isso estão acelerando sua guerra
econômica contra os países emergentes mediante expectativas falsas de estagnação;
intentando atacar a China com campanha de marketing econômico contra ela;
provocando uma guerra na Ucrânia para roubar um aliado da Rússia; e agora, é a
vez da Venezuela, sendo esta o grande inimigo político no seu próprio
continente.
Com
certeza o governo bolivariano terá cometido algum erro na gestão de tão
complicada situação, mas que ninguém duvide de que a diplomacia dos Estados
Unidos, em sua estratégia de dominação global, exige agora uma guerra local
contra a Venezuela.
* Diretor do Centro Estratégico
Latino-americano Geopolítico.
Tradução: Jadson Oliveira
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