Gesto corajoso e exemplar: o então presidente Néstor Kirchner, em 2004, manda retirar o retrato do ditador Jorge Videla da parece da ESMA (Foto: Internet) |
01 – Para entrar no contexto do artigo abaixo, é preciso ter em mente a abissal distância entre os argentinos e nós os brasileiros no quesito “verdade e justiça” quanto aos crimes de lesa humanidade praticados durante o terrorismo de Estado nas duas últimas ditaduras nos dois países. Para ilustrar tal afirmação, cito apenas que lá mais de 400 torturadores e/ou mandantes estão presos cumprindo condenações e vários outros julgamentos em andamento.
Aqui não há, ainda, um só. (Claro que uma discussão mais aprofundada do assunto teria que ver a história de cada país, as peculiaridades políticas e, especialmente, a sempre esgrimida, corretamente, correlação de forças. Mas não vou entrar nisso).
Para chegar onde chegaram, os argentinos, além de passos concretos e consistentes que teriam de ser compreendidos, deram alguns que podemos classificar como simbólicos (e políticos), os que são citados aí acima: Néstor Kirchner, que assumiu a presidência em 2003 – há 10 anos e pouco, portanto -, pediu perdão ao seu povo por “tanta morte”, reconheceu-se a si próprio como parte duma “geração dizimada” e prometeu, ao entrar na Casa Rosada (palácio do governo), não abandonar suas convicções na porta. Prometeu e cumpriu.
02 – E o gesto mais forte e ousado, também simbólico (e político – “descolgando cuadros”): em 24/março/2004, Kirchner ordenou a retirada do retrato do ditador Jorge Videla da parede da ESMA, a famigerada Escola de Mecânica da Armada (Marinha), conhecido centro de tortura que se tornou um dos centros de memória. Foi um gesto fundamental, que serviu de exemplo e incentivo para o que viria em seguida. Procura-se um gesto de atrevimento semelhante na história do Brasil pós-ditadura 1964-1985, patrocinado por algum dos nossos presidentes.
Daí que se viram no Brasil pós-ditadura sucessivas comemorações da “revolução” nos dias 31 de março de cada ano, feitas por militares reformados (aposentados); daí que se viram os militares (inclusive da ativa) partirem com quatro pedras nas mãos contra o plano de direitos humanos da presidência, no final do governo de Lula; daí que se viram as críticas de militares quando a presidenta Dilma lançou a Comissão Nacional da Verdade;
E daí que se viu, há poucos dias, a cara amarrada dos comandantes militares, desrespeitosamente diante da própria presidenta (constitucionalmente a comandante maior das Forças Armadas), em plena solenidade oficial, quando ela reabilitou, simbolicamente, como presidente da República, João Goulart, o popular Jango, derrubado pelos militares e seus comparsas civis, dentre os quais se sobressaem os monopólios da mídia hegemônica.
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