(Ilustração: Internet) |
ENTREVISTA COM ATILIO BORON
(parte 3)
“Para ser potência, há que ter um
povo educado; para ser potência, há que ter um povo saudável; para ser
potência, há que ter uma sociedade justa, que não esteja tragada por grandes
tensões e contradições sociais; para ser potência há que ter autonomia e
exercer soberania real”.
“O Brasil tem aspiração de ser
potência, no entanto, o único modo de ser uma potência real é se pondo à cabeça
de toda a América Latina. E isso é o que não se pode entender: se assumisse
essa liderança, o Brasil teria um papel muito mais forte”.
“Nos falta um líder regional.
Quem sempre teve isso claro foi Chávez, que incentivava que o Brasil assumisse
a dianteira da Unasul e não o faz”.
Por Diego Diehl, de Buenos Aires (Argentina) – reproduzida do sítio do
jornal Brasil de Fato, com o título
“Nos falta um Brasil com visão continental”, postada em 10/01/2014. (Vai aqui
dividida em quatro partes; a primeira, que contém a introdução, foi publicada
no sábado, dia 11; a segunda, na segunda, dia 13; esta terceira parte leva o
título dado pela edição do Brasil de Fato).
Brasil de
Fato - Qual a sua avaliação sobre as políticas neodesenvolvimentistas
brasileiras hoje? O senhor crê que elas podem levar o país à condição de
potência mundial?
Atilio
Boron - Penso que o Brasil tem potencialidades extraordinárias. Porém,
transformá-las em poder real não é algo fácil. Não se trata de um processo
linear e nem depende simplesmente de discursos. Para ser potência, há que ter
um povo educado; para ser potência, há que ter um povo saudável; para ser
potência, há que ter uma sociedade justa, que não esteja tragada por grandes
tensões e contradições sociais; para ser potência há que ter autonomia e
exercer soberania real. E quando vemos a situação a partir destes critérios,
vemos que efetivamente o grau de autonomia do Brasil é ainda muito fraco.
Exemplo
disso é que o Brasil há muito tempo não renova sua força aérea, que é um
elemento fundamental para a defesa territorial. Há, ainda, setores das Forças
Armadas e do establishment que defendem a compra de aviões dos EUA, que
são na verdade o maior agressor potencial do Brasil, já que possui 23 bases
militantes ao redor do país, sendo duas no Oceano Atlântico, sendo que de uma
delas se pode enviar frotas marítimas que, em três dias, chegariam à costa de
Fortaleza, e a outra se encontra nas Ilhas Malvinas, em parceria com os
britânicos. E, entre essas duas bases marítimas, há toda a área do Pré-Sal!
Então, há que ser tonto para não ver que a única potencial agressão que pode
sofrer o Brasil vem dos EUA, logo este é o único país do qual o Brasil não pode
comprar equipamentos bélicos! E, para que não permitam que os EUA se apropriem
da Amazônia (como é o que se pretende fazer), há que ter equipamentos de
vigilância adequados para isso, que nesse momento só podem ser fornecidos por
dois outros países: Rússia e China. Então, se se compram esses aviões de última
geração dos EUA, com seus softwares de combate de última geração que dependem
de atualizações a cada quatro meses, o controle estadunidense torna-se
absoluto.
Coloca-se
ainda como alternativa a compra de caças franceses, no entanto Hollande está
completamente envolvido com os EUA nas agressões à Síria. Quando houver um
conflito de interesses entre EUA e Brasil, certamente os franceses irão
boicotar os brasileiros.
E esse é
um problema para o Brasil, mas também para toda a América Latina, pois o Brasil
posto de joelhos pelo imperialismo é uma desgraça para todo o continente. Como
os demais países poderão se defender se o Brasil não puder? Se o Brasil se
desindustrializou tanto como nos últimos anos? Se o Brasil se dedica a fabricar
agrocombustíveis a partir do acordo de Lula com Bush, ao invés de retomar sua
vocação industrial? [Na última semana, o governo brasileiro confirmou a compra de
36 caças Gripen, fabricados pela empresa Saab, da Suécia].
Outro
problema é a visão do Brasil sozinho no mundo. O Brasil não tem condições de
atuar sem parcerias. Apenas Índia e China poderiam atuar dessa forma. Quando
Lula tentou imprimir uma política mais independente dos EUA, e quando o Brasil
foi intervir junto com a Turquia nas negociações sobre o programa nuclear
iraniano, foram completamente ignorados por Obama quando foram a Washington
levar os resultados.
O Brasil
tem, portanto, aspiração de ser potência, no entanto, o único modo de ser uma
potência real é se pondo à cabeça de toda a América Latina. E isso é o que não
se pode entender: se assumisse essa liderança, o Brasil teria um papel muito
mais forte. A esperança de que o pré-sal possa ser uma salvação para o Brasil
não está garantida e não é tão segura, já que há uma série de dificuldades na
exploração dessa riqueza, conforme diversos analistas têm mostrado. Portanto, é
uma aposta bastante perigosa.
O Brasil
precisa entender seu papel de liderança latino-americana, especialmente a
partir da Unasul. Se não fazê-lo, pagará um preço muito caro. Kissinger já
dizia há 20 anos (e os diplomatas brasileiros ou têm má memória ou não querem
entender isso) que os EUA nunca permitiriam o surgimento de um grande poder
abaixo do Rio Bravo.
A única
potência no continente apenas poderia ser os próprios EUA. E essa é a política
dos EUA, ante a qual a única saída do Brasil é fomentar a integração
sul-americana. Esse papel de liderança é do Brasil, e não haverá qualquer
competição com outros países por isso, pois a todos interessa que isso
aconteça. Porém, na prática, o Brasil é como um irmão maior que não quer saber
dos irmãos menores. Se fizesse cargo deles, teria uma capacidade de pressão
internacional infernal. Com a quantidade de recursos naturais, água, petróleo,
alimentos etc, há todas as condições para isso.
Nos
falta, portanto, um líder regional. Quem sempre teve isso claro foi Chávez, que
incentivava que o Brasil assumisse a dianteira da Unasul e não o faz. Agora
está nessa estupidez do tratado com a União Europeia, que irá arruinar ainda
mais a indústria brasileira.
O Brasil
tem que ser o motor industrial de toda América do Sul. Porque não há como
competir com os chineses, por uma série de fatores e por aspectos
históricos (casos concretos em que os chineses passaram por cima das indústrias
brasileiras). Mas, o Brasil pode criar um espaço na América Latina. O Brasil
deve ser como uma Alemanha sul-americana, e outros países também terão
indústria e outras atividades.
Nessa
região há terras férteis, riquezas naturais, água, comida, ou seja, todas as
condições para isso. Nos falta um Brasil com visão continental, que
lamentavelmente não existe hoje, pois os dirigentes brasileiros têm uma visão
paroquial, regional, que não entende como funciona o mundo, e que é humilhado
pelo Império. O caso da espionagem dos EUA é uma humilhação para o Brasil. Está
bem que Dilma não vá encontrar Obama, mas isso é pouco ainda perto do que há
que fazer. Há que entender que se hoje está sendo humilhado, amanhã poderá
estar sendo agredido pelos EUA. Então, a única forma de defesa do Brasil é uma
forte união sul-americana e uma capacidade de diversificar seus laços e,
sobretudo, armar-se com gente confiável que não lhe vá privar das armas em
momentos de conflito que vai surgir. Porque os EUA vão querer a água e o
petróleo do Brasil, e se não lhes derem eles buscarão pela força se necessário.
Para isso, estão as 23 bases militares preparadas. (Continua)
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