MORRE JUAN GELMAN, POETA ARGENTINO QUE LUTOU PELA JUSTIÇA E MEMÓRIA



Nos anos 1960, Gelman fez parte das Forças Armadas Revolucionárias e, posteriormente, do Movimento Peronista Montonero (Foto: Cubadebate/Opera Mundi)

Na ditadura militar, seu filho Marcelo Ariel e a esposa, María Claudia Iruretagoyena, foram sequestrados e mortos.



“Não acredito que chegue aos 100 anos”, disse em entrevista ano passado ao jornal espanhol El País. “E ainda que queira ver casar os meus netos e ter algum bisneto, acredito que Deus, se existe, deve estar entediadíssimo com a sua eternidade", brincou Gelman.


Por Opera Mundi, de São Paulo, de 15/01/2014

Morreu nesta terça-feira (14/01), no México, o poeta argentino Juan Gelman, cuja obra -- apontada como uma das mais importantes da poesia latino-americana -- sempre esteve marcada pelo amor, apesar de sua trajetória ter sido pontuada por episódios muito dolorosos. Gelman, que faleceu aos 83 anos, lutou contra a ditadura militar argentina, responsável pelo assassinato do filho e da nora.


“Não acredito que chegue aos 100 anos”, disse em entrevista ano passado ao jornal espanhol El País. “E ainda que queira ver casar os meus netos e ter algum bisneto, acredito que Deus, se existe, deve estar entediadíssimo com a sua eternidade", brincou Gelman, que morreu tranquilamente, rodeado de familiares, sofria de uma disfunção ligada à medula óssea.

Na ditadura, seu filho Marcelo Ariel e a esposa, María Claudia Iruretagoyena, foram sequestrados. Após uma intensa busca que durou décadas, os restos de Marcelo foram identificados em 7 de janeiro de 1990, num rio de San Fernando dentro de um tonel de ferro cheio de cimento. Ficou comprovado que ele havia sido assassinado com um tiro na nuca.
Gelman e sua neta, Macarena, filha de Marcelo Ariel e María Claudia Iruretagoyena, mortos pelas ditaduras de Argentina e Uruguai (Foto: Cubadebate/Opera Mundi)
Foi somente em 1998 que Gelman descobriu que a nora havia sido levada ao Uruguai por meio do Plano Condor -- rede de coordenação repressiva entre as ditaduras do Cone Sul -- e que a havia mantido viva até dar a luz uma menina no Hospital Militar de Montevidéu. A neta de Gelman, Macarena, foi criada pela família de um policial uruguaio, que escondeu dela sua verdadeira identidade. Em 2000, ela foi encontrada e avô e neta se conheceram.




A última etapa de sua poesia reflete a dor por seus amigos desaparecidos, a terra distante e o desapego do exílio: Anunciaciones (1988), Carta a mi madre (1989), Salarios del impío (1992), La abierta oscuridad (1993), Incompletamente (1997) e Ni el flaco perdón de Dios (1997).

Em 1997, Gelman publicou a antologia pessoal Debí decir te amo e Prosa de prensa, livros que foram sucedidos por Tantear la noche (2000), Afganistán, Irak, el imperio empantanado (2003), País que fue, será (2004), Oficio ardiente (2005), Miradas (2006) e El emperrado corazón amora (2011).


Apesar de ter também assinado textos de prosa e até traduções, foi com a poesia que Gelman se afirmou: El Juego en que andamosVelorio del soloCólera e Violín y otras cuestiones estão entre os seus títulos mais populares, num percurso que lhe valeu vários prêmios, como o Cervantes, o mais importante das letras espanholas, o Neruda ou o Rainha Sofia de Poesia Latino-americana.

Ditadura

Nos anos 1960, Gelman fez parte das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e, posteriormente, do Movimento Peronista Montonero (MPM), na Argentina. Ameaçado pela Aliança Anticomunista Argentina (Triple A ou AAA), o poeta foi obrigado a se exilar em 1975 e a trocar seu trabalho de jornalista, sua cidade e seus amigos por novas situações: Itália, França e México.

A "Triple A" era um esquadrão da morte de extrema direita que atuou principalmente durante a Presidência de Isabel Perón (1974-1976), e tinha como principal objetivo desestabilizar o governo através do assassinato de políticos e partidários de esquerda, como artistas, intelectuais, escritores, estudantes e historiadores, entre outros.

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