Lênin, numa imagem pouco comum, quando jovem (Fotos: blog de Atilio Boron) |
Ao abrir uma nova
era na longa marcha da humanidade para a construção da sua própria história, o
seu legado, e o da Revolução Russa, demonstraram por muitas razões ser
imperecíveis. Alguns, inclusive em certa esquerda livresca ou pós-moderna, não
concordam; mas a direita e o imperialismo, com infalível instinto de classe, não
se enganam e sabem que qualquer esforço é pouco para tentar apagar da face da
terra a figura de Lênin e a epopeia da Revolução Russa.
Por Atilio Boron, cientista político
argentino, em seu blog, de 21/01/2014, com o título “Lênin, a 90 anos de sua
morte”. O título e destaque acima é deste Evidentemente.
(Usei a versão em português – com correções, inclusive troquei Lenine por Lênin
– encontrada no sítio web Primeira Linha
em rede, postagem de 24/01/2014)
Compartilho esta reflexão sobre Lênin, ao se completarem hoje (21 de janeiro) 90 anos da
sua morte.
A deflagração da Revolução de Fevereiro surpreende Lenine no seu exílio
suíço. Tal como tantos outros exilados, trava uma dura batalha para regressar à
Rússia, o que finalmente concretiza um par de meses mais tarde. Lênin chegou a
Petrogrado na noite de 16 de abril de 1917. Tal como narra o grande historiador
Edward Wilson, isto foi o que se passou à sua chegada na Estação Finlândia,
ponto final de seu périplo:
“A estação terminal dos comboios procedentes da Finlândia tinha uma sala
reservada para o Czar e quando chegou o comboio, muito tarde, para ali foi
levado Lênin pelos camaradas que foram recebê-lo. No cais exterior, um oficial
aproximou-se dele e fez a saudação. Lênin, surpreendido, devolveu a saudação. O
oficial deu a ordem de “sentido!” a um destacamento de marinheiros com baioneta
calada. Holofotes de luz elétrica iluminavam o cais e bandas de música tocavam
a Marsellesa. Uma tempestade de aplausos
elevou-se duma multidão que se apinhava em redor. “O que é isto?”, perguntou Lênin,
retrocedendo uns passos. Responderam-lhe que eram as boas-vindas a Petrogrado
que lhe dedicavam os trabalhadores e marinheiros revolucionários; a multidão
tinha estado gritando uma palavra: “Lênin”. Os marinheiros apresentaram armas e
o comandante pôs-se às suas ordens. Disseram-lhe ao ouvido que queriam que
falasse. Avançou uns passos e tirou o chapéu:
Camaradas marinheiros – começou -, saúdo-vos sem saber se acreditam ou não
nas promessas do Governo Provisório. Mas afirmo que quando vos falam amavelmente,
quando vos prometem tanta coisa, estão vos enganando e estão enganando todo o
povo russo. O povo precisa é de paz, o povo precisa é de pão, o povo precisa é
de terra, e o que lhe dão é guerra e fome, e permitem que os latifundiários
continuem a desfrutar da terra. Temos que lutar pela revolução social, lutar
até o fim, até a completa vitória do proletariado. Viva a revolução socialista mundial!”
Fonte: Edmund Wilson, Hacia
la Estación de Finlandia. Ensayo sobre la forma de escribir y hacer historia
(Madrid: Alianza Editorial, 1972), pp.547-550.
Este trecho do esplêndido livro de Wilson
dá-me pé para fazer um par de comentários.
Lênin, no seu exílio em Zurique, compreendeu como ninguém duas coisas:
Primeiro, que no contexto da revolução que tinha estourado em fevereiro de
1917, o papel dos Sovietes era fundamental e estava chamado a eclipsar por um
tempo o partido. Fiel ao seu profundo sentido de autocrítica e à ideia de que o
marxismo não é um dogma e sim um guia para a ação, não hesitou um instante em
lançar uma original palavra de ordem: “Todo o poder aos Sovietes”, pondo
provisoriamente em suspenso “nesse contexto de dissolução e falência do
czarismo e auge revolucionário, o papel reitor que durante tanto tempo tinha
atribuído nos seus escritos e na sua prática política ao partido”. Não é
preciso assinalar que este verdadeiro tour de force foi
fortemente resistido pelos seus camaradas, ou ridicularizado pelos liberais
russos, que achavam que a Rússia se tinha convertido em Inglaterra e que se
encontravam a uns passos do estabelecimento duma democracia liberal e duma
monarquia constitucional. A cegueira e o fetichismo político de uns e outros
impediam que percebessem a imensa potência do impulso revolucionário que a
guerra, a fome e a arrogância da aristocracia e da burguesia russas alimentavam
sem cessar, impulso que inexoravelmente acabaria com o czarismo e abriria as
portas para a revolução socialista. Para Lênin, o trânsito de fevereiro para a
revolução social requeria o protagonismo dos Sovietes, mais que o do partido.
Muitos pensavam que a visão de Lênin era um extravio próprio dum emigrado que
depois de longos anos de exílio não compreendia o que estava acontecendo na
Rússia. A realidade demonstrou exatamente o contrário.
Segundo, a espantosa precisão com que captou o estado de consciência das
massas russas - aquilo que Fidel tantas vezes tem chamado a “consciência
possível” das massas, os conteúdos cognitivos e avaliativos que estão em condições
de assimilar e assumir como ponto de partida para as suas lutas. Lênin
compreendeu que o que requeria a tumultuosa forja da revolução não eram grandes
discursos teóricos ao estilo dos que faziam Kautsky e os acólitos da
social-democracia alemã. Que, na hora dos “fornos”, para utilizar a expressão
de Martí, o fundamental a ser visto era a luz, e que os soldados, camponeses e
operários russos dificilmente veriam essa luz nas teses marxistas sobre a
composição orgânica do capital ou na tendência decrescente da taxa de lucro.
Essa luz que os mobilizaria e lançaria para a luta tinha que se sintetizar numa
proposta que interpelasse com simplicidade e contundência as massas russas. Lênin
achou isso ao plasmar uma palavra de ordem simples, compreensível e duma
extraordinária efetividade política: “Pão, terra e paz”.
Eis esta breve lembrança dum momento crucial na vida do grande
revolucionário russo, que dirigiu e conduziu, até sua morte, a primeira revolução
socialista da história. Sobrevivente a custo de duas tentativas de assassinato
- a última das quais, em agosto de 1918, deixou-lhe marcas indeléveis no seu
corpo que, anos mais tarde, precipitariam a sua morte -, Lênin faleceu poucos
meses antes de fazer os 54 anos de idade, num dia como hoje (21 de janeiro),
faz exatamente 90 anos. Ao abrir uma nova era na longa marcha da humanidade
para a construção da sua própria história, o seu legado, e o da Revolução
Russa, demonstraram por muitas razões ser imperecíveis. Alguns, inclusive em
certa esquerda livresca ou pós-moderna, não concordam; mas a direita e o imperialismo,
com infalível instinto de classe, não se enganam e sabem que qualquer esforço é
pouco para tentar apagar da face da terra a figura de Lênin e a epopeia da
Revolução Russa. Precisamente por isso devemos comemorar este novo aniversário
do seu falecimento.
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