Com o ministro Barbosa, a Justiça
ficou sem as vendas porque não foi imparcial, aboliu a balança porque ele não
foi equilibrado. Só usou a espada para punir mesmo contra os princípios do
direito. Não honra seu cargo e apequena a mais alta instância jurídica da
Nação.
Por Leonardo Boff (foto), no sítio web do jornal Brasil de Fato, de 29/11/2013
Tradicionalmente
a Justiça é representada por uma estátua que tem os olhos vendados para
simbolizar a imparcialidade e a objetividade; a balança, a ponderação e a
equidade; e a espada, a força e a coerção para impor o veredito.
Ao
analisarmos o longo processo da Ação Penal 470 que julgou os envolvidos na dita
compra de votos para os projetos do governo do PT, dentro de uma montada
espetacularização midiática, notáveis juristas, de várias tendências,
criticaram a falta de isenção e o caráter político do julgamento.
Não vamos
entrar no mérito da Ação Penal 470 que acusou 40 pessoas. Admitamos que houve
crimes, sujeitos às penas da lei. Mas todo processo judicial deve respeitar as
duas regras básicas do direito: a presunção da inocência e, em caso de dúvida,
esta deve favorecer o réu.
Em outras
palavras, ninguém pode ser condenado senão mediante provas materiais
consistentes; não pode ser por indícios e ilações. Se persistir a dúvida, o réu
é beneficiado para evitar condenações injustas. A Justiça como instituição,
desde tempos imemoriais, foi estatuída exatamente para evitar que o
justiciamento fosse feito pelas próprias mãos e inocentes fossem
injustamente condenados, mas sempre no respeito a estes dois princípios
fundantes.
Parece
não ter prevalecido, em alguns ministros de nossa Corte Suprema, esta
norma básica do Direito Universal. Não sou eu quem o diz, mas notáveis juristas
de várias procedências. Valho-me de dois de notório saber e pela alta
respeitabilidade que granjearam entre seus pares. Deixo de citar as críticas do
notável jurista Tarso Genro por ser do PT.
O
primeiro é Ives Gandra Martins, 88 anos, jurista, autor de dezenas de livros,
professor da Mackenzie, do Estado Maior do Exército e da Escola Superior de
Guerra. Politicamente se situa no pólo oposto ao PT, sem sacrificar em nada seu
espírito de isenção.
No dia 22
de setembro de 2012, na FSP, numa entrevista à Mônica Bérgamo, disse claramente
com referência à condenação de José Direceu por formação de quadrilha: todo o
processo lido por mim não contem nenhuma prova. A condenação se fez por
indícios e deduções com a utilização de uma categoria jurídica questionável,
utilizada no tempo do nazismo, a “teoria do domínio do fato.”
José
Dirceu, pela função que exercia, “deveria saber”. Dispensando as provas
materiais e negando o princípio da presunção de inocência e do “in dubio pro
reo”, foi enquadrado na tal teoria.
Claus
Roxin, jurista alemão que se aprofundou nesta teoria, em entrevista à FSP de
11/11/2012, alertou para o erro de o STF tê-la aplicado sem amparo em provas.
De forma
displicente, a ministra Rosa Weber disse em seu voto:”Não tenho prova cabal
contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Qual
literatura jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl
Schmitt? Pode uma juiza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal leviandade
ético-jurídica?
Gandra é
contundente:”Se eu tiver a prova material do crime, não preciso da teoria do
domínio do fato para condenar". Essa prova foi desprezada. Os juízes
ficaram nos indícios e nas deduções. Adverte para a “monumental insegurança
jurídica” que pode a partir de agora vigorar. Se algum subalterno de um diretor
cometer um crime qualquer e acusar o diretor, a este se aplica a “teoria do
domínio do fato” porque “deveria saber”. Basta esta acusação para condená-lo.
Outro
notável é o jurista Antônio Bandeira de Mello, 77, professor da PUC-SP na mesma
FSP do dia 22/11/2013. Assevera:”Esse julgamento foi viciado do começo ao fim.
As condenações foram políticas. Foram feitas porque a mídia determinou. Na
verdade, o Supremo funcionou como a longa manus da mídia. Foi um ponto fora da
curva”.
Escandalosa
e autocrática, sem consultar seus pares, foi a determinação do ministro Joaquim
Barbosa. Em princípio, os condenados deveriam cumprir a pena o mais próximo
possível das residências deles. “Se eu fosse do PT” – diz Bandeira de Mello –
“ou da família pediria que o presidente do Supremo fosse processado. Ele parece
mais partidário do que um homem isento”.
Escolheu
o dia 15 de novembro, feriado nacional, para transportar para Brasília, de
forma aparatosa num avião militar, os presos, acorrentados e proibidos de se
comunicar.
José
Genuino, doente e desaconselhado de voar, podia correr risco de vida. Colocou a
todos em prisão fechada mesmo aqueles que estariam em prisão semi-aberta.
Ilegalmente prendeu-os antes de concluir o processo com a análise dos “embargos
infringentes”.
O animus
condemnandi (a vontade de condenar) e de atingir letalmente o PT é inegável nas
atitudes açodadas e irritadiças do ministro Barbosa. E nós tivemos ainda que
defendê-lo contra tantos preconceitos que de muitas partes ouvimos pelo fato de
sua ascendência afrobrasileira.
Contra
isso, afirmo sempre:“somos todos africanos”porque foi lá que irrompemos como
espécie humana. Mas não endossamos as arbitrariedades deste Ministro culto mas
raivoso. Com o ministro Barbosa a Justiça ficou sem as vendas porque não foi
imparcial, aboliu a balança porque ele não foi equilibrado. Só usou a espada
para punir mesmo contra os princípios do direito. Não honra seu cargo e
apequena a mais alta instância jurídica da Nação.
Ele, como
diz São Paulo aos Romanos: ”aprisionou a verdade na injustiça”(1,18). A frase
completa do Apóstolo, considero-a dura demais para ser aplicada ao ministro.
Leonardo Boff foi professor de Ética na UERJ e
escreveu Ética e Moral: em busca dos fundamentos, Vozes 2003.
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