Por Paulo Suess (professor de Missiologia,
assessor teológico do Cimi, escritor) – reproduzido de Adital – Notícias da América Latina e Caribe
1. Utopia. O sumak kawsay (1) é uma utopia (não
muito distante da utopia do Reino), que é crítica face à situação atual,
com suas ideologias, falsas promessas e alienações e que faz caminhar rumo
a um futuro diferente.
2.
Universalidade. O sumak kawsay visa ao Bem Viver de todos
(fim da sociedade de classes e dos privilégios) para sempre (memória dos
antepassados, projeto para hoje e para as futuras gerações).
3.
Gratuidade. A gratuidade como origem divina do Bem Viver (Santíssima
Trindade, criação como dom de Deus) e a luta pelo restabelecimento do Bem Viver
perdido fazem parte das contradições históricas. O sumak kawsay visa a
não existência do lucro no trabalho (exploração, plus-valia). O nosso Bem Viver
é resultado do bem viver dos outros. Felicidade e infelicidade d@s outr@s
afetam nossa própria vida. Por causa d@s outr@s, a luta continua, mesmo se nós
já alcançamos uma proximidade real com o Bem Viver.
4.
Luta. O Bem Viver é um processo de conquistas e esforços históricos
permanentes contra tudo que estorva a vida das pessoas, comunidades e
sociedades. No horizonte dessa luta está a transformação do Estado do Bem-Estar
para poucos em um Estado do Bem Viver para todos. Para os povos indígenas, no
horizonte do Estado do Bem Viver estão as questões da terra e do território, do
reconhecimento e da autodeterminação.
5.
Vigilância. O Bem Viver é estrutural e culturalmente ameaçado pelos
indivíduos, pelas comunidades e sociedades. Por nunca
alcançar definitivamente um estado do Bem Viver, sua construção é um projeto
que exige zelo e vigilância permanentes.
6.
Simplicidade. A simplicidade que nos faz gastar o necessário para tod@s
não é uma extensão da miséria ou da pobreza; pelo contrário, ela faz tod@s
viver melhor com menos e em equilíbrio com a vida em sua totalidade.
7.
Comunidade. A simplicidade do Bem Viver aponta para uma vida equilibrada
dentro de uma comunidade em harmonia com Deus Pai-Mãe, com as outras pessoas e
a natureza. As atividades essenciais que sustentam a vida são atividades
comunitárias e gratuitas.
8.
Complementariedade. A comunidade do Bem Viver compreende as diferenças
como complementariedade relacional e enriquecedora. O Bem Viver, que é para
todos e todas, não permite a exclusão do diferente nem a marginalização das
minorias.
9.
Harmonia. Complementariedade e simplicidade plenamente assumidas
permitem viver em harmonia. Viver em harmonia significa construir relações
comunitárias de consenso entre tod@s e ter consciência prática da
interdependência da vida de cada um e cada uma, e dos direitos recíprocos entre
os ciclos de vida orgânica, anorgânica e cósmica de toda a criação. A harmonia
entre as diferentes instâncias da vida exige respeito às diferenças entre todos
os seres que habitam o planeta e o cosmo.
10.
Equilíbrio. Na base do Bem Viver das comunidades está o equilíbrio entre
os saberes ancestrais e os científicos. O sumak kawsay faz parte daquela
sabedoria que a humanidade adquiriu ancestralmente nas relações vividas entre
gerações. A ciência é parte complementar desse saber adquirido. O equilíbrio
vivencial encontra-se nas relações que aparentemente são caracterizadas por
oposições ou contradições: o indivíduo se desenvolve na comunidade,
o trabalho integra o lazer (dança, música, arte), o jejum faz
parte do comer. Tudo está orientado para a vida em sua plenitude.
11.
Ruptura. Por não se realizar historicamente em sua plenitude, sumak
kawsay e Reino de Deus exigem permanentemente ruptura (pachakuti)
sistêmica e conversão pessoal, para sempre de novo restabelecer o equilíbrio
perdido. Ruptura e conversão têm dimensões sociais, políticas, éticas e
econômicas.
12.
Comunicação. Nas comunidades prevalece a comunicação oral. O Bem Viver
significa superar os conflitos pelo diálogo. A participação de todos e todas
com sua palavra na busca de soluções ou na superação de conflitos é uma prática
que visa à democracia participativa, que não delega a palavra a representantes
como faz a democracia representativa.
Brasil,
26.10.2013
Nota:
(1)
Essas palavras-chave sistematizam reflexões do "VII Encontro Continental
de Teologia Índia”, realizado em Pujilí (Equador), entre os dias 14 a 18 de
outubro 2013. Ao mesmo tempo, apontam para a proximidade existente entre
cristianismo e herança indígena em três pontos essenciais: criação gratuita de
Deus, Santíssima Trindade como comunidade solidária até os confins (periferias)
do mundo e Reino de Deus como Bem Viver em plenitude.
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