ARGENTINA: UMA LEI MARCADA POR INTENSA PARTICIPAÇÃO (ainda sobre a Ley de Medios referendada pela Suprema Corte)
A sociedade argentina teve que
esperar quatro anos entre a promulgação da lei e sua total vigência; e 30 anos
após a queda da última ditadura cívico-militar.
Ficou claro “o contraste entre uma
visão mercantilista, justificada numa posição liberal conservadora sobre a
autonomia da empresa que não admite limite algum, e o interesse público, que
inclui o direito de todos a expressar-se, o direito da sociedade de receber
informação de fontes plurais e diversas, e a obrigação do Estado de intervir
para assegurá-lo”.
Por Horacio
Verbitsky (jornalista e escritor argentino), no jornal Página/12, de 30/10/2013, com o título “4/30” (o título acima é
deste blog)
Quatro anos
teve que esperar a sociedade argentina para que o Poder Judiciário declarasse a
plena vigência de todos e cada um dos artigos da lei audiovisual (Lei dos Serviços
de Comunicação Audiovisual/LSCA, mais conhecida como Ley de Medios), promulgada
em outubro de 2009 com o propósito de assegurar a diversidade e o pluralismo da
comunicação por esses meios e “fortalecer uma democracia deliberativa”, sem “vozes
predominantes” que ofusquem a outras. A sentença firmada ontem (dia 29/outubro)
ratifica que, ainda que o governo nem sempre o advirta, a Corte Suprema continua
sendo um dos grandes ativos deste período democrático.
Por ser longa
e injustificada, esta dilação é apenas uma parte mínima duma dívida maior. Hoje,
30 de outubro, completam 30 anos das eleições presidenciais que puseram fim à
última, cruel e longa ditadura cívico-militar (1976-1983). Nenhum dos governos
que se sucederam durante um quarto de século foi capaz de modificar a favor do
interesse geral o restritivo decreto firmado em seu ocaso por Videla (general
ditador Jorge Videla), porque os poderes de fato (NT: aqueles que manejam nas
sombras) condicionaram a institucionalidade republicana com a imensa capacidade
de pressionar e corromper que exercem sem pudor, como se fosse um intocável direito
adquirido.
Contra isto
se rebelou sem êxito Alfonsín (Raúl Alfonsín, primeiro presidente eleito após a
queda da ditadura) (sobre a base duma resolução do Conselho para a Consolidação
da Democracia) e simulou fazê-lo De la Rúa (NT: Fernando De La Rúa, presidente
derrubado pela rebelião popular estourada na crise de dezembro/2001), com um
projeto de lei que chegou ao Congresso e ali ficou para sempre. Somente Menem (NT:
Carlos Menem, presidente do auge entreguista do neoliberalismo dos anos 90) conseguiu
emendar aquele decreto, porque seu projeto não era a ampliação de direitos
coletivos, e sim a maior concentração do poder midiático, que ele impulsionou
porque o beneficiava. A crise de fim do século favoreceu que a deliberação
democrática ganhasse espaço sobre os interesses que resistiam à mudança. Este
itinerário descreve bem o caminho da democracia argentina, que só recentemente
pôde avançar para libertar-se dos condicionamentos selvagens que a deixaram exangue.
Clarín é o principal grupo monopólico da mídia hegemônica da Argentina, equivalente à Rede Globo no Brasil (Foto: Internet) |
Aqueles
projetos falidos foram retomados na última década pela Coalizão para uma
Radiodifusão Democrática (integrada por três centenas de organizações sociais,
sindicais e civis), que os reformulou numa proposta de 21 pontos. O governo
nacional os tomou como subsídio para elaborar um anteprojeto que, durante vários
meses de 2009, foi discutido em duas dezenas de foros que se realizaram em
distintos pontos do país. Com os aportes formulados nesses encontros, o Poder Executivo
completou a redação do projeto que enviou ao Congresso. Foi a primeira lei
anotada artigo por artigo, desde o Código Civil do século 19. Mas enquanto
aquele código foi obra dum só homem, cujo projeto se aprovou sem debate, na
íntegra, a lei audiovisual do século 21 foi uma criação coletiva. Após os
foros, cada Casa legislativa ouviu durante semanas todos os interessados que tinham
algo a dizer e com base nesses debates introduziu numerosas mudanças no texto
que, ao cabo desse intensíssimo processo participativo, foi sancionado por amplas
maiorias, impossíveis de se alcançar sem o apoio de distintos partidos
políticos.
Se alguma
dúvida restava, as audiências públicas realizadas há dois meses (pela Corte Suprema)
a dissiparam. Não somente os juízes da Corte Suprema mas toda a sociedade viram
o contraste entre uma visão mercantilista, justificada numa posição liberal
conservadora sobre a autonomia da empresa que não admite limite algum, e o
interesse público, que inclui o direito de todos a expressar-se, o direito da
sociedade de receber informação de fontes plurais e diversas, e a obrigação do
Estado de intervir para assegurá-lo. Durante seu transcurso, foi evidente que não
estava em risco a liberdade de expressão, mas a rentabilidade do maior grupo de
meios de comunicação, coisa que o tribunal disse ontem (dia 29) com todas as
letras. Se algum prejuízo surgir com a aplicação da lei, os afetados deveriam
reclamar sua indenização, num processo distinto do concluído ontem. Somente o
juiz Fayt (Carlos Fayt, um dos sete ministros da Corte) rechaçou todo o limite à
concentração midiática. Sua irmã é a esposa de Claudio Escribano, diretor e
ideólogo de La Nación (jornal conservador), uma empresa associada ao Grupo
Clarín em negócios de meios (de comunicação) e agropecuários. Teria sido mais
decoroso que se abstivesse de julgar.
Continua em espanhol:
La
constitucionalista María Angélica Gelli llegó a decir que sólo una escala
económica monumental permitía realizar periodismo de
investigación crítico del poder. Este es un concepto insostenible en el país
donde un hombre solo realizó las mayores obras del periodismo universal (según
la definición de Gabriel García Márquez). Se llamaba Rodolfo J. Walsh. Cuando
terminó de investigar Operación Masacre, en 1956, no encontró quién quisiera
publicársela, y en 1976 él mismo imprimió y distribuyó su Carta Abierta a la
Junta Militar. Tampoco se verifica en el mundo, donde sólo personas o pequeños
medios independientes escudriñan allí donde al poder más le molesta.
Esto también se verifica en otros campos. La Corte Suprema fue impiadosa
con los abogados mejor pagos del país y destacó en el fallo la deficiente
fundamentación de los derechos que defendían. Todo lo contrario sucedió con la
austera representación que el Estado llevó a la audiencia, demostración
indirecta pero contundente de que no todo se consigue con dinero.
Dos advertencias finales para prevenir excesos de euforia. El Grupo
Clarín ya anunció que “respeta las decisiones judiciales” pero que no piensa
cumplirlas. En cambio, volverá a judicializar cada intento de llevar la ley a
la práctica e incluso recurrirá al Sistema Interamericano de Derechos Humanos,
sobre la base del voto minoritario del tribunal supremo argentino e ignorando
el de la mayoría, como de costumbre. Es difícil que prospere, ya que el SIDH
sólo entiende en casos en los que se afecten derechos de las personas, no
utilidades de los conglomerados empresarios.
Igual que siempre, espera un cambio político para revertir la decisión,
como ya anticipó ayer el abogado Ricardo Gil Lavedra, contradiciendo la
posición del partido por el que fue diputado. Por último, cuando la ley
audiovisual rija para todos, el Grupo Clarín seguirá siendo hegemónico y mucho
más poderoso que todos sus competidores, con diario, agencia, fábrica de papel,
canal de aire o sistema de distribución por cable y canal de noticias, con la
misma capacidad y libertad de informar, opinar y distorsionar que hoy tiene. Si
se atiende a sus propias afirmaciones durante el juicio, la concentración que
ha conseguido en sus siete décadas no excede del 40 por ciento del mercado
audiovisual. Una ley moderada, modesta, sólo le exige que retroceda al 35 por
ciento.
Tradução: Jadson Oliveira
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