Morales foi designado professor honorário da cátedra livre Por Uma Comunicação Social para a Emancipação da América Latina (Foto: Bernardino Ávila/Página/12) |
Por Ailín
Bullentini, no jornal argentino Página/12,
edição de 16/10/2013
Parado no
palco, Evo Morales recordou seus tempos de dirigente sindical no Trópico de
Cochabamba, quando já se vislumbrava seu destino de primeiro presidente de
origem indígena da Bolívia: naqueles dias naquela zona cocaleira (produtora de
folha de coca) “só havia uma rádio, La Voz del Trópico, custeada pelos Estados
Unidos”, na qual “estava proibido falar do sindicalismo local, da folha de
coca, tocar música ligada à nossa identidade”, e através da qual, disse
Morales, os EUA “queriam dividir todas as organizações sociais da região,
enfrentar-nos”. Este objetivo é, segundo sustentou o presidente boliviano, o de
todos os meios privados de comunicação: “Os povos somos vítimas dos meios de
comunicação em mãos de empresários, somos submetidos por eles a suas mentiras”,
sentenciou num ato organizado pela Faculdade de Jornalismo e Comunicação Social
da Universidade Nacional de La Plata (capital da província – estado – de Buenos
Aires), para nomeá-lo professor honorário da sua recém criada cátedra livre Por
Uma Comunicação Social para a Emancipação da América Latina.
O relato
inicial, e sobretudo seu final, foi o toque inaugural da cátedra, cujo programa
foi aberto com a conferência de Morales: “Decidimos que tínhamos que comprar uma
rádio – definiu o presidente -. Mobilizamos cinco bolivianos por cada filiado,
conseguimos o dinheiro, mas não nos deram a permissão. Começamos assim mesmo,
de maneira clandestina, e então a rádio dos Estados Unidos perdeu toda audiência”.
A Rádio Soberania é hoje uma das tantas que formam a rede de rádios comunitárias
por toda a Bolívia e cumpre, como as demais, as funções que, segundo Morales, regem
todo meio de comunicação: “Educar e informar, mas também dizer a verdade e
contribuir para a libertação dos povos”, concluiu.
(...)
“É tempo
de falar de companheiros e companheiras”, quebrou o gelo a decana da faculdade
anfitriã, Florencia Saintout, logo após os hinos de ambos os países e da
entrega de dezenas de presentes a Morales da parte de agrupações políticas,
organizações sociais da comunidade boliviana na Argentina e do Conselho Comunal
platense, que em forma de reconhecimento lhe entregaram camisetas, fotografias,
livros, além do título de cidadão ilustre da capital provincial. “Estou surpreso
com tanta concentração de gente”, diria mais tarde o presidente boliviano, ao
admirar as dezenas de compatriotas que, agrupados em diferentes coletivos, se aproximaram
do parque da faculdade para escutá-lo.
(Foto: Página/12) |
Saintout falou
de Morales como o encarregado de inaugurar a cátedra livre aberta na casa de
altos estudos: “Evo pertence ao grupo de presidentes latino-americanos que não
se parecem com seus povos, mas sim que são seus povos e que devolveram a
esperança à região”, destacou a decana, antes de mencionar os ex-presidentes da
Venezuela e do Brasil, Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva, e os atuais
mandatários do Equador, Rafael Correa; do Brasil, Dilma Rousseff, e da
Argentina, Cristina Fernández de Kirchner. Por último, chamou a “combater a direita
travestida dos meios de comunicação racista, classista e discriminatória, que tem
horror e temor a presidentes mestiços, trabalhadores e mulheres que lutam pelos
direitos de todos e todas”.
“Campanhas falsas, cheias de
ressentimento e carentes de solidariedade”
Depois de
receber a saudação de Juan Manuel Abal Medina, chefe do Gabinete do governo
federal (equivalente no Brasil ao ministro-chefe da Casa Civil), que assegurou
que “estão mudando os tempos na América Latina no sentido do protagonismo dos povos
e sem volta atrás”, Morales se permitiu “compartilhar experiências” que, como
presidente, lhe tocou viver com os meios de comunicação. Recordou campanhas midiáticas
que no seu país sofreram os mineiros (trabalhadores de minas), os cocaleiros e
o Estado; referiu-se à difusão da defesa da globalização, da privatização, do
livre mercado, “campanhas falsas, cheias de ressentimento e carentes de
solidariedade”. “O mais importante é saber de onde vem a informação ou a
desinformação”, advertiu. “Os meios de comunicação nos diziam que o Estado não
podia administrar porque é corrupto e incapaz, e os meios convencem as pessoas com
tanta propaganda e lhes dizem que há que privatizar e aceitar a privatização da
água, da luz, do gás (...) Nos pediam que sejamos aliados dos Estados Unidos, e
nós, os povos originários, não podemos aceitar isso; nós nos libertamos do
imperialismo, até expulsamos o embaixador e agora estamos mais sólidos política
e democraticamente (...) Com certeza haverá cooperação entre os povos, mas não
submissão.”
O mandatário
da Bolívia assinalou que no seu país “os meios de comunicação estiveram sempre
nas mãos de empresários anti-pátria, anti-América Latina, de empresários que fazem
negócios com dirigentes da política neoliberal desinformando os povos, que são
vítimas, somos submetidos a suas mentiras”.
Por
último, mencionou que na Bolívia a falta de liberdade de expressão que essas
empresas midiáticas denunciam existe, porém da parte dos jornalistas e seus
patrões: “Creio que para aprofundar este modelo devemos tornar independentes os
meios de comunicação. Eles se dizem sujeitos da liberdade de expressão, mas isso
é o que sobra por parte do Estado; onde não há liberdade de expressão é entre o
jornalista e o dono do jornal, do rádio ou da TV. Não é que todos os jornalistas
sejam ruins, é que muitos deles estão submetidos aos interesses dos empresários
(...) É importante formar novos companheiros e companheiras que, quando sejam
profissionais, digam a verdade”.
Tradução: Jadson Oliveira
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