Em princípio e à margem das manchetes
dos jornais e da televisão, através dos veículos que operam a oposição midiática,
não há dados significativos que avalizem a ideia apocalíptica do “fim de
ciclo”. E assim como avançaram alguns opositores, não é menos certo que a FpV (Frente
para a Vitória, coligação parlamentar kirchnerista) continua sendo a primeira força
nacional.
Por Washington
Uranga, no jornal argentino Página/12,
edição de hoje, dia 28
Não houve
grandes surpresas no resultado das eleições legislativas de ontem (dia 27),
sobretudo porque a realização das eleições primárias funciona como uma espécie
de antecipação ou grande pesquisa prévia. É difícil que a cidadania mude a
orientação de seu voto em pouco menos de três meses salvo, claro, que se produza
um fato de grande significação e impacto. Não ocorreu
agora.
Como era
previsível, os resultados das PASO (primárias) obrigaram a ajustes nas estratégias
dos candidatos, ainda que isso não tenha modificado muito o cenário. Em geral,
se pode dizer que assistimos uma campanha medíocre, com poucas ideias e mais assentada
nas argumentações “a favor” e “contra” do que na geração de propostas, sendo
que as eleições intermediárias poderiam ser, pelo menos a priori, uma
oportunidade sumamente propícia para isso. O resultado é, em termos gerais, um
aporte pouco significativo ao debate político.
Em meio às
entusiastas exclamações de “fim de ciclo” que partem de alguns bastiões
opositores e das afirmações de que “nada mudou” que repetem das fileiras governistas,
vale a pena abrir algumas páginas que devem ir se completando com os dados que irão
surgindo no decorrer dos próximos anos e que terão seu cotejo – esse sim de
enorme importância – nas eleições presidenciais de 2015.
Sergio Massa, novo pretendente à presidência em 2015, e seus partidários comemoraram a vitória sob a consigna: "Se sente, se sente, Massa presidente" (Foto: Carolina Camps/Página/12) |
Em princípio
e à margem das manchetes dos jornais e da televisão, através dos veículos que
operam a oposição midiática, não há dados significativos que avalizem a ideia
apocalíptica do “fim de ciclo”. E assim como avançaram alguns opositores, não é
menos certo que a FpV (Frente para a Vitória, coligação parlamentar
kirchnerista) continua sendo a primeira força nacional. São duas
caras duma mesma realidade política. Os resultados atuais – um pouco mais, um pouco
menos – não são muito diferentes dos que obtiveram as forças governistas em
2009 (eleição legislativa), e naquele momento as previsões sobre o final duma
etapa foram similares às de agora. As eleições de 2011 (reeleição de Cristina
Kirchner) demonstraram que o ânimo dos eleitores é diferente quando se põe em
risco a direção dum projeto. Mas, como já se disse nas PASO – e o governo começou
a tomar nota disso com alguns ajustes de rumo – está claro que a cidadania está
acendendo luzes de alerta, está pedindo retificações. Parte dessas mudanças poderia
ser facilitada também através dum diálogo político mais produtivo, que
considere a correlação de forças nas duas casas do Parlamento. Porém, este deveria
ser um entendimento que se aplique com sensatez para todas as forças, respeitando
o critério de maioria e minorias que surge das urnas e não somente como um
reclamo dirigido aos governistas. O vivido entre 2009 e 2011 e as afirmações de
campanha não levam a pensar que isto seja possível.
O partido
governante deverá revisar também sua estratégia política. Terá que buscar sobretudo
os motivos pelos quais só suas máximas figuras conseguem reter o apoio popular.
Quais são os motivos para que – apesar de grandes conquistas na gestão – não
surjam das fileiras governistas dirigentes políticos com reconhecimento inquestionável
por parte da cidadania? Tampouco ajuda a obstinação em torno do discurso do
“modelo”. Em nossos países periféricos do mundo capitalista democrático não
existem tais “modelos”. Pelo contrário, os governantes se veem obrigados a
improvisar permanentemente medidas para enfrentar variáveis macro – econômicas
e políticas – que não controlam e com as quais têm que lidar. Em consequência, o
mais coerente é fazer todo o humanamente possível para manter-se fiéis a princípios
básicos e tratar de não transgredi-los, instalá-los como pilares da governabilidade
e como garantia para a cidadania. Por isso não é menos importante – ainda que
resulte redundante – recordar que estamos celebrando 30 anos de democracia
ininterrupta e que isso representa um enorme valor para a Argentina. Bastaria responder
à pergunta onde estivemos e onde estamos agora. Qualquer
resposta, em todos os quesitos, será altamente positiva. Mas apesar disso, teríamos que
nos manter alertas porque não poucos dos que hoje levantam a bandeira do “fim
de ciclo” também tentam remover princípios básicos, direitos adquiridos que com
grande esforço e sacrifício conquistou e consolidou toda a cidadania e não somente
um governo. Aceitemos que “fim de ciclo” pode ter leituras muito distintas, mas
não deixemos de estar vigilantes ante a pretensão daqueles que estribados nessa
bandeira almejam também menos democracia, menos participação, menos perspectiva
de direitos. São os mesmos que pretendem substituir memória por esquecimento, que
pretendem a restituição de privilégios ilegítimos para alguns que os perderam nos
últimos anos, e que pretendem piores condições humanas para uma grande maioria
que melhorou sua qualidade de vida também nesse tempo.
Tradução: Jadson Oliveira
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