ARGENTINA: A IDEIA APOCALÍPTICA DO “FIM DE CICLO”



No painel de protagonistas nas eleições do domingo, os três do centro na fileira de cima são pretendentes à presidência em 2015: Maurício Macri, prefeito de Buenos Aires (opositor), Sergio Massa, prefeito de Tigre, o mais votado para o Senado na província - estado - de Buenos Aires (também opositor), e Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires (aliado do kirchnerismo) (Foto: jornal Página/12)
Em princípio e à margem das manchetes dos jornais e da televisão, através dos veículos que operam a oposição midiática, não há dados significativos que avalizem a ideia apocalíptica do “fim de ciclo”. E assim como avançaram alguns opositores, não é menos certo que a FpV (Frente para a Vitória, coligação parlamentar kirchnerista) continua sendo a primeira força nacional.

Por Washington Uranga, no jornal argentino Página/12, edição de hoje, dia 28

Não houve grandes surpresas no resultado das eleições legislativas de ontem (dia 27), sobretudo porque a realização das eleições primárias funciona como uma espécie de antecipação ou grande pesquisa prévia. É difícil que a cidadania mude a orientação de seu voto em pouco menos de três meses salvo, claro, que se produza um fato de grande significação e impacto. Não ocorreu agora.

Como era previsível, os resultados das PASO (primárias) obrigaram a ajustes nas estratégias dos candidatos, ainda que isso não tenha modificado muito o cenário. Em geral, se pode dizer que assistimos uma campanha medíocre, com poucas ideias e mais assentada nas argumentações “a favor” e “contra” do que na geração de propostas, sendo que as eleições intermediárias poderiam ser, pelo menos a priori, uma oportunidade sumamente propícia para isso. O resultado é, em termos gerais, um aporte pouco significativo ao debate político.

Em meio às entusiastas exclamações de “fim de ciclo” que partem de alguns bastiões opositores e das afirmações de que “nada mudou” que repetem das fileiras governistas, vale a pena abrir algumas páginas que devem ir se completando com os dados que irão surgindo no decorrer dos próximos anos e que terão seu cotejo – esse sim de enorme importância – nas eleições presidenciais de 2015.
Kirchneristas reunidos para acompanhar a apuração dos votos, tendo à frente (no meio) o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, e o presidente em exercício Amado Boudou (Cristina Kirchner está se recuperando duma cirurgia); aproveitaram para lembrar os três anos da morte do ex-presidente Néstor Kirchner (Foto: Leandro Teysseire/Página/12)
Sergio Massa, novo pretendente à presidência em 2015, e seus partidários comemoraram a vitória sob a consigna: "Se sente, se sente, Massa presidente" (Foto: Carolina Camps/Página/12)
Mauricio Macri, prefeito da capital, em comemoração com a filha nos ombros, avisou que está na corrida para 2015; na eleição de 2011 ele se dizia candidato, mas desistiu de concorrer (Foto: Pablo Piovano/Página/12)
Em princípio e à margem das manchetes dos jornais e da televisão, através dos veículos que operam a oposição midiática, não há dados significativos que avalizem a ideia apocalíptica do “fim de ciclo”. E assim como avançaram alguns opositores, não é menos certo que a FpV (Frente para a Vitória, coligação parlamentar kirchnerista) continua sendo a primeira força nacional. São duas caras duma mesma realidade política. Os resultados atuais – um pouco mais, um pouco menos – não são muito diferentes dos que obtiveram as forças governistas em 2009 (eleição legislativa), e naquele momento as previsões sobre o final duma etapa foram similares às de agora. As eleições de 2011 (reeleição de Cristina Kirchner) demonstraram que o ânimo dos eleitores é diferente quando se põe em risco a direção dum projeto. Mas, como já se disse nas PASO – e o governo começou a tomar nota disso com alguns ajustes de rumo – está claro que a cidadania está acendendo luzes de alerta, está pedindo retificações. Parte dessas mudanças poderia ser facilitada também através dum diálogo político mais produtivo, que considere a correlação de forças nas duas casas do Parlamento. Porém, este deveria ser um entendimento que se aplique com sensatez para todas as forças, respeitando o critério de maioria e minorias que surge das urnas e não somente como um reclamo dirigido aos governistas. O vivido entre 2009 e 2011 e as afirmações de campanha não levam a pensar que isto seja possível.

O partido governante deverá revisar também sua estratégia política. Terá que buscar sobretudo os motivos pelos quais só suas máximas figuras conseguem reter o apoio popular. Quais são os motivos para que – apesar de grandes conquistas na gestão – não surjam das fileiras governistas dirigentes políticos com reconhecimento inquestionável por parte da cidadania? Tampouco ajuda a obstinação em torno do discurso do “modelo”. Em nossos países periféricos do mundo capitalista democrático não existem tais “modelos”. Pelo contrário, os governantes se veem obrigados a improvisar permanentemente medidas para enfrentar variáveis macro – econômicas e políticas – que não controlam e com as quais têm que lidar. Em consequência, o mais coerente é fazer todo o humanamente possível para manter-se fiéis a princípios básicos e tratar de não transgredi-los, instalá-los como pilares da governabilidade e como garantia para a cidadania. Por isso não é menos importante – ainda que resulte redundante – recordar que estamos celebrando 30 anos de democracia ininterrupta e que isso representa um enorme valor para a Argentina. Bastaria responder à pergunta onde estivemos e onde estamos agora. Qualquer resposta, em todos os quesitos, será altamente positiva. Mas apesar disso, teríamos que nos manter alertas porque não poucos dos que hoje levantam a bandeira do “fim de ciclo” também tentam remover princípios básicos, direitos adquiridos que com grande esforço e sacrifício conquistou e consolidou toda a cidadania e não somente um governo. Aceitemos que “fim de ciclo” pode ter leituras muito distintas, mas não deixemos de estar vigilantes ante a pretensão daqueles que estribados nessa bandeira almejam também menos democracia, menos participação, menos perspectiva de direitos. São os mesmos que pretendem substituir memória por esquecimento, que pretendem a restituição de privilégios ilegítimos para alguns que os perderam nos últimos anos, e que pretendem piores condições humanas para uma grande maioria que melhorou sua qualidade de vida também nesse tempo.

Tradução: Jadson Oliveira

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