RELATO, DE ANTONIO BRASILEIRO

Enfileirados ao longo da avenida,
porcos para o abatedouro.
A avenida é a principal.
Carros engarrafam.
Ao volante, de soslaio,
freia-se um pouco, observa-se.
O grunhir dos suínos e os freios dos carros
compõem uma musiquinha muito chata.

Anúncio de supermercado? perguntam-nos.
Não, só mil porcos grunhindo.
        Vão morrer.
A polícia (ou os bombeiros?) é avisada,
mas não chega. Um jornalista
sorri e fotografa. Turistas
julgam ser festa (da padroeira?),
crianças assustadas, homens sérios.
E soam subitamente quatro horas.
Hípica é a tarde.

É quando de um furgão descem soldados
a metralhar os bichos
e os homens e as crianças e os turistas
e os jornalistas e os motoristas e as vidraças.
Desta janela o mundo é confortável;
não ponho a cara de fora,
        só relato.
          De Desta Varanda (2011)


Comentário de Carlos Machado (somente a parte que se refere ao poema acima):

Antonio Brasileiro (Foto: jornal A Tarde)
Caros,
O poeta, pintor e ensaísta baiano Antonio Brasileiro (1944-) já foi apresentado neste correio poético na edição n. 26, dez anos atrás. De lá para cá, ele não só produziu regularmente como também publicou diversas coletâneas de poesia, entre as quais Poemas Reunidos (2005), Dedal de Areia (2006) e Desta Varanda (2011).

A leitura desses volumes revela um poeta de estilo cada vez mais marcante e refinado que se inscreve, sem dúvida, entre as vozes mais expressivas da atual poesia brasileira.

                     •o•

Leia-se, por exemplo, o poema “Relato”, de Desta Varanda. Ali está um pedaço terrível da vida de hoje nas grandes cidades. Carros, engarrafamentos, ruídos, grunhidos. E um final violentíssimo. O narrador, confortavelmente instalado em sua varanda, apenas relata.

Isso me lembra o documentário Um Lugar ao Sol (Visualização) (2009), de Gabriel Mascaro, que trata do universo dos moradores de coberturas de luxo em três grandes cidades brasileiras, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Uma das entrevistadas, moradora de uma cobertura carioca, diz que assiste do alto aos tiroteios entre traficantes. E que as balas tracejantes constituem um espetáculo “lindo”, assim como fogos de artifício. Atenção, repito: não estou falando de uma história de ficção, mas de um documentário! Então, o que parece absurdo ou exagerado neste “Relato” de Antonio Brasileiro não é uma coisa nem outra. É apenas vida urbana.


Reproduzido de: (enviado pelo companheiro Geraldo Guedes, de Brumado-Bahia)
poesia.netwww.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2013

Observação do Evidentemente: Não sei se Geraldo sabe: Antonio Brasileiro é meu poeta predileto. Tive contato com ele e seus escritos em 1969, em Salvador, foi meu professor de Sociologia num cursinho para vestibular. Me encontrei com ele uma vez, em Salvador, há uns 10 anos, num lançamento de um de seus livros, levado pelo colega jornalista Elieser César, que é amigo de Brasileiro e também poeta e escritor. Claro que ele não tinha nenhuma lembrança de mim.

Antonio Brasileiro, se não me equivoco, nasceu em Rui Barbosa, pequena cidade do interior baiano, e vive há muitos anos em Feira de Santana, a maior cidade do interior da Bahia.
 

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