Os ministros da Corte Suprema escutaram durante mais de três horas os advogados do Grupo Clarín e do Estado (Foto: Télam/Página/12) |
“Em tudo isso não há uma disputa
entre duas partes. Não há uma luta de interesses entre setores. Há o interesse
cidadão acima de tudo. O que se está decidindo, sem perdê-lo de vista, é o
sentido mesmo da democracia num cenário vital: a comunicação”.
Por Washington Uranga, no jornal argentino Página/12, edição de 30/08/2013 (comentário sobre a audiência
pública feita pela Corte Suprema para discutir a famosa Ley de Medios, aprovada
desde 2009 e ainda sem plena vigência devido a sucessivas liminares obtidas
pelo Grupo Clarín na Justiça)
Resulta
difícil estabelecer com clareza qual foi o propósito dos juízes da Corte para acrescentar,
antes da sentença final sobre a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual
(chamada na Argentina de Ley de Medios), a instância de audiência pública que terminou
ontem (dia 29). Se pode especular a respeito, mas não vale a pena fazê-lo para
não insistir no cenário apresentado pelo Grupo Clarín com a evidente cumplicidade
da Justiça.
Mas temos
que assinalar que com a convocação da audiência a Corte recriou o cenário mais
desejado pelo Grupo Clarín: a visibilização de duas partes em enfrentamento, equiparadas
inclusive na disputa. O Estado nacional não é igual e não pode ser equiparado a
um grupo econômico. Não existe equidade entre quem tem a responsabilidade de
defender os direitos do conjunto da sociedade e quem, ainda que diga o contrário,
tenta perpetuar-se numa situação de privilégio e poder, utilizando a propriedade
concentrada dos meios de comunicação como o ponto mais forte do seu poder econômico
e político.
Mas além
disso e de tudo o que foi dito e empreendido até o momento, o que não se pode
perder de vista é o sentido profundo do debate que se está travando. Na
atualidade, não só na Argentina e sim em todas as partes do mundo, a
democratização das comunicações é parte fundamental da vida política, tanto no
que diz respeito à governabilidade como à própria vida em democracia. Sem meios
de comunicação democráticos não há democracia política e social.
Pode-se dizer
que estes argumentos valem tanto para o Estado como para os defensores de
Clarín, que enchem a boca falando de democracia ainda que suas práticas demonstrem
o contrário. É inadmissível também que os representantes do grupo midiático
argumentem que a liberdade de expressão depende do volume e da capacidade econômica
das empresas. É mais uma demonstração de como entendem o mundo, ao olhá-lo somente
a partir do poder econômico. Visto deste ângulo, qual é a margem que fica para
todos aqueles que fazem comunicação ancorados na diversidade de atores da
sociedade ainda que carecendo de poderio econômico? Pouco falta para voltarmos
por aqui e por algum outro caminho ao arcaísmo conservador do voto qualificado.
Nesta linha
de pensamento resulta imprescindível resgatar – e isso mais além da resolução
que finalmente possa adotar a Corte – que o que está em jogo é o exercício efetivo
do direito à comunicação, de cuja vigência são tão responsáveis o Estado como as
empresas e todos os atores implicados na vida cidadã. Por isso há que seguir falando
dum direito cidadão à comunicação, o que se garante com diversidade de atores e
pluralidade de vozes. Para isso não basta nem bastará nunca as leis, ainda que elas
sejam um pilar fundamental. Para não perder o sentido do que se defende é
preciso redobrar a tarefa política cidadã a favor do direito à comunicação. Por mais
vozes e mais diversidade. Sem posições dominantes no mercado que terminam impondo agenda, pressionando
até a asfixia econômica aqueles que discordam, hostilizando governos que não lhes
sejam genuflexos. Por políticas de comunicação que não confundam o nacional,
que também é diverso e é plural, com o governo de turno e que garantam, por
convicção e por sentido democrático, a polifonia de vozes próprias duma
sociedade democrática.
Em tudo isso
não há uma disputa entre duas partes. Não há uma luta de interesses entre setores.
Há o interesse cidadão acima de tudo. O que se está decidindo, sem perdê-lo de
vista, é o sentido mesmo da democracia num cenário vital: a comunicação.
Tradução: Jadson Oliveira
O portal Carta
Maior publicou ampla matéria sobre a audiência pública na Corte argentina.
Quem quiser lê-la, clicar aqui.
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