CAPITALISMO VERDE-AMARELO: A HEGEMONIA BRASILEIRA NO MERCOSUL



“É importante que a classe trabalhadora de todo o continente tenha conhecimento das pretensões expansionistas e hegemônicas da burguesia brasileira na região, e que, em particular, a classe trabalhadora do Brasil deve propor definitivamente a tomada do poder político nessa nação, distanciando-se da direção reformista que detém o poder político atualmente e potencializando a revolução socialista em escala continental”.    

Por Juan C. Villegas – reproduzido do portal venezuelano Aporrea.org, de 21/12/2012

Num artigo anterior (1) se fez referência ao fato de que o Mercosul representa, como em outras modalidades de integração econômica, uma estratégia adotada pelas burguesias nacionais para expandir seus mercados mais além de suas fronteiras nacionais e com isso obter vantagens derivadas do aproveitamento das economias de escala geradas a partir da existência dum maior mercado, com potencialidades para a colocação duma quantidade também maior de mercadorias. Neste sentido, a iniciativa para a criação do Mercado Comum Sul-americano, em princípios da década de 90, foi incentivada pelas burguesias dos países sul-americanos com economias maiores, a saber: Argentina e Brasil.

Então, esta última nação é a que precisamente representa não só a economia de maior tamanho dentro do bloco regional, mas também, por sua vez, é a que se constitui na atualidade como uma das “economias emergentes” em escala mundial. Além disso, a burguesia desse país tem a clara visão de convertê-lo na potência hegemônica do continente sul-americano e não só no que se refere ao aspecto futebolístico. Daí que o processo de expansão econômica e a acumulação de capital implícita levam necessariamente a que os capitais brasileiros tenham cada vez mais maior presença e influência a nível mundial, e em primeira instância, a nível sul-americano. Tudo isso aponta a que o Mercosul tenha sido concebido como um mecanismo para a expansão do capital brasileiro e seus sócios de fora, dentro do que para a burguesia brasileira é “sua zona natural de influência.”

Quando o mercado nacional não é suficiente

Este processo expansionista, ao qual  alguns autores chamam “internacionalização das empresas brasileiras”(2), toma impulso a partir da última década do século 20 num contexto de liberalização do comércio mundial, e é precisamente nesta década quando se dá a constituição do Mercosul, em palavras de Da Silva (3), “funcionou como um novo determinante para o estabelecimento das empresas brasileiras no exterior, preferencialmente via associação com empresas locais ou aquisição parcial ou total da capacidade produtiva já existente”. Assim, o que no princípio se mostra como a expansão comercial de empresas de origem brasileira, passa, mediante o afastamento de competidores locais menores, a uma fase de acumulação de capital real fixo, o que amplia ainda mais a capacidade produtiva e de distribuição de ditas empresas.

Do ponto de vista setorial, onde existe uma presença internacional importante de capitais brasileiros é no que se refere a atividades como extração de hidrocarburos (petróleo e gás natural), petroquímica, mineração, têxteis, metalurgia, siderurgia, alimentos, bebidas e autopeças. E do ponto de vista de sua localização, as empresas brasileiras têm presença nos Estados Unidos, Canadá, União Europeia, e como é “natural”, em suas nações vizinhas (o Brasil limita-se com 10 países na América do Sul).

Um dado interessante se pode extrair do ranking realizado em 2011 pela revista América Economia (4) das maiores empresas da América Latina. Dito ranking abarca 500 empresas avaliando indicadores como: valor das vendas, “utilidad neta”,  ativos totais e patrimônio. Entre as principais 50 empresas consideradas, se encontram 11 empresas mexicanas, 3 argentinas, 5 chilenas, 1 colombiana, 1 venezuelana (PDVSA, a estatal do petróleo) e 29 empresas brasileiras, quer dizer, mais da metadeUma proporção similar favorável à burguesia brasileira se pode observar na totalidade do ranking das 500.

A substituição de capitais menores

Já num contexto mais específico, se se focaliza a análise no marco do Mercosul, temos que, segundo  afirma Raúl Zibechi (5), no Uruguai, o capital brasileiro adquiriu várias empresas do ramo frigorífico, ao ponto de que uma só empresa brasileira concentra 30% da produção de carne e, no total, o capital brasileiro controla 43% das exportações deste setor, o qual é o principal produto de exportação da República Oriental (Uruguai). Outro dado muito ilustrativo é o que indica o mencionado autor quando afirma que “das 10 principais empresas exportadoras do Uruguai, cinco são brasileiras, uma produtora de arroz e quatro frigoríficos;”. Por outro lado, a Petrobras controla 89 postos de serviços no mencionado país, com os quais passou a dominar 22% do mercado uruguaio de combustíveis.

No Paraguai o capital brasileiro se expande mediante a compra massiva de grandes extensões de terra destinadas à produção de soja e à criação de gado. Tal situação levou o estudioso Marcos Glauser (6) a afirmar “que quase 5.000.000 de hectares estão em mãos de brasileiros”. Como ocorre com a carne uruguaia, a soja é o principal item de exportação do Paraguai (um dos principais produtores a nível mundial) e, de novo, uma parte importante de tal produção é controlada pelo capital brasileiro.   

Na Argentina, a presença das transnacionais brasileiras abarca setores estratégicos para a economia desse país, como é o caso da exploração de hidrocarburos, na qual a Petrobras se converteu no principal investidor estrangeiro durante o ano de 2006, ao chegar à cifra de 3 bilhões de dólares. Assim também a empresa Camargo Correa controla 46% da indústria de cimento argentina, a multinacional Ambev é proprietária da Quilmes, a principal empresa de cerveja do país, a Friboi comprou a Swift, o que fez a multinacional brasileira se consolidar como a maior empresa frigorífica a nível mundial, 97% do mercado argentino do aço é de propriedade brasileira. Do mesmo modo, a presença do capital proveniente do Brasil se faz presente em outras atividades como: materiais de construção, comércio, construção, bancos, montadoras, autopeças, petroquímica, etc.    

Na Venezuela, a tendência geral tem sido a redução dos investimentos de capital proveniente do Brasil. No entanto, é muito relevante a atividade da empresa Odebrecht, dedicada à construção de grandes obras de infraestrutura e à execução de projetos de desenvolvimento rural que foram contratados pelo governo venezuelano De igual modo, é relevante a compra de aviões à empresa Embraer, para ampliar a frota da empresa aérea estatal Conviasa. A entrada plena deste país no Mercosul possibilita a presença mais ativa e cada vez mais crescente de empresas brasileiras, o que pode se manifestar numa primeira instância, mediante a entrada de produtos provenientes desse país, o que gerará dificuldades às já ineficientes empresas venezuelanas de se adaptarem à competição com empresas de maiores níveis de produtividade e de níveis ainda maiores de capitalização. O resultado mais à frente pode ser a substituição dos pouquíssimos capitais locais que se dedicam a atividades industriais, ante o que seria ilusório pensar que o capital brasileiro se deterá diante da possibilidade de controlar setores estratégicos da economia venezuelana.

Uma evidência da capacidade do capital brasileiro de se internacionalizar se pode obter se se revisam dados também  publicados pela revista América Economia (7),  onde se detalham os investimentos realizados por empresas do Brasil no estrangeiro durante o ano de 2009. Estes dados revelam que durante esse ano, o investimento no exterior de empresas brasileiras ascendeu a 87.148 milhões de dólares dos EUA, cifra muito significativa se se leva em conta o tamanho das economias do resto das nações do Mercosul. Se se considera o mesmo ano de referência, se evidencia com base em cifras publicadas pela CEPAL (8) que o montante do investimento mencionado, é equivalente a 28% do PIB da Argentina, 26% do PIB da Venezuela, quase três vezes p PIB do Uruguai e mais de seis vezes o PIB do Paraguai. Adicionalmente, a referida  publicação revela que estas empresas obtiveram durante o mesmo período um total de 61 bilhões de dólares de rendas por vendas e empregaram um total de 179.000 trabalhadores no estrangeiro.

Segue uma lista das 15 primeiras multinacionais brasileiras (O investimento no exterior de 2009 está expresso em US$ milhões):

(Havia menção no texto dum quadro de empresas brasileiras e seus investimentos no exterior, mas não consegui localizar junto ao texto do Aporrea. Baseado nas indicações contidas no final, encontrei este quadro no site de América Economia. Não sei se é exatamente o mesmo a que se referia o texto do Aporrea. Como economia não é bem a minha praia, peço desculpa por alguma confusão neste caso ou em outros que possam surgir no decorrer da matéria)

Compañía
Industria
Inversión en activos
1
Vale
Extracción de minerales metalicos
34.934
2
Petrobras
Extracción de crudo y gas natural
15.937
3
Gerdau
Manufactura de metales básicos
13.916
4
Votorantim
Conglomerado
7.809
5
JBS-Friboi
Cultivos y producción animal
5.296
6
Camargo correa
conglomerado
2.161
7
Marfrig
Cultivos y producción animal
1.529
8
Ultrapar
Cultivos y producción animal
1.514
9
Embraer
Otras manufacturas
1.378
10
Weg
Manufactura y equipamiento eléctrico
509
11
Brasil Foods
Fabricación de productos alimenticios
346
12
Magnesita
Fabricación de productos minerales no metálicos
300
13
Minerva
Fabricación de productos alimenticios
233
14
Telemar
Telecomunicaciones
210
15
Suzano Papele Celulose
Fabricación de papel y productos de papel
171

Outra forma de medir a internacionalização é através do percentual de trabalhadores que cada empresa tem no estrangeiro, assim como o percentual de rendas que são geradas fora do Brasil. Tais dados, que correspondem ao ano de 2011 são mostrados no quadro seguinte:

Internacionalização das multinacionais brasileiras (20 principais em 2011) 
Empresa
Sector
Empleos en el  exterior (%)
Ingresos ext. (%)
JBS –Fribol
Alimentos
61,7
77,4
Gerdau
Metalurgia
45,3
52,0
Odebrecht
Construcción
45.0
51,8
Metalfrio
Electrónica
47,4
40,0
Ibope
Servicios
55,2
29,7
Andrade Gutierrez
Construcción
44.7
33,3
Coteminas
Minerales
21,9
88,5
Vale
Minerales
20,8
56,6
Marfrig
Alimentos
37,2
39,0
Ambev
Alimentos
28,5
32,0
Stefanini
Información
37.0
35.7
SABÒ
Vehículos
26,0
29,8
Marcopolo
Vehículos
26,0
29,8
Weg
Mecánica
16,0
39,2
Embraer
Vehículos
5,0
34,9
Magnesita
Alimentos
17,0
29.2
Artecola
Química
20,6
17,7
Camargo Correa
Conglomerado
17,0
17,3
Votorantim
Conglomerado
11,6
21,1
Remi
Mecánica
13,1
6,5
  Tomado de Zibechi (2012)
                         
Os dados mostrados parecem indicar o caráter transnacional do capital brasileiro e o domínio cada vez maior de atividades econômicas nos países integrantes não só do Mercosul mas também no resto do âmbito sul-americano. Apresentar esta situação em nenhum caso deve ser entendido como chauvinismo antibrasileiro, simplesmente é um exemplo mais de como dentro da dinâmica capitalista, os capitais grandes e mais eficientes terminam substituindo os capitais menores, acentuando com isso o processo de concentração e acumulação de capital. É por isso que, uma vez mais se demonstra que assim como os capitais não conhecem nacionalidades, as lutas do proletariado devem ser colocadas duma perspectiva de classe com caráter internacionalista.

Por outro lado, afirmar que os capitalistas brasileiros são “preferíveis” aos norte-americanos ou europeus, somente revela a miopia do reformismo nacionalista, diante do fato de que (nas palavras de Lênin) “o imperialismo é a fase superior do capitalismo”, não importa qual seja sua origem geográfica. Daí, a importância de que a classe trabalhadora de todo o continente tenha conhecimento das pretensões expansionistas e hegemônicas da burguesia brasileira na região, e que, em particular, a classe trabalhadora do Brasil deve propor definitivamente a tomada do poder político nessa nação, distanciando-se da direção reformista que detém o poder político atualmente e potencializando a revolução socialista em escala continental. 

Tradução: Jadson Oliveira (quadros e observações abaixo estão em espanhol) 
      
Juan C. Villegas P.                       jcvillegasp@gmail.com                   Caracas 20/12/ 2012
Centro de Investigación y Formación Obrera (CIFO)- ALEM

(2) Ver Carlos Bianco, Pablo Moldovan y Fernando Porta, “La Internacionalización de las empresas brasileñas en Argentina”, Santiago , CEPAL, 2008, disponible en http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/8/32388/DocW22.pdf 
(3) Da Silva, M. (2003), “A inserção internacional das grandes empresas nacionais” citado por Bianco et al (2008)
(4) Revista América Economía  http://rankings.americaeconomia.com/2012/las-500-empresas-mas-grandes-de-america-latina/ranking-500-america-latina-1-50.php
(5) Zibechi, Raúl, Brasil Potencia. Entre la integración regional y un nuevo imperialismo, Bogotá. Ediciones Desde Abajo, 2012.   
(6) Glauser, Marcos, Extranjerización del territorio paraguayo, Asunción BASE-IS, 2009. Citado por Zibechi (2012) 
(7) Revista América Economía, “La apuesta de las empresas de Brasil por invertir en el exterior” edicion digital del 17/12/2010 disponible en:   http://www.americaeconomia.com/negocios-industrias/la-apuesta-de-las-empresas-de-brasil-por-invertir-en-el-exterior
(8) Comisión Económica Para América Latina, Anuario Estadístico 2.011, Disponible en su portal web: http://websie.eclac.cl/anuario_estadistico/anuario_2011/

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