Os delitos dos quais são acusados os ex-repressores franquistas constituem crimes de lesa humanidade e, portanto, são imprescritíveis (Fotos: Página/12) |
Quando um país consagra a
impunidade para os criminosos que protege, a perseguição internacional pode
lograr que o único lugar do mundo em que eles possam se refugiar seja o que foi
teatro de suas terríveis ações. Até que tampouco isso seja possível. Já
aconteceu na Argentina.
Por Jorge Rivas, no jornal Página/12
- artigo incluído na cobertura do diário argentino, assinada por Adrián Pérez, edição de 19/09/2013,
dando conta de que a juíza María Servini de Cubría, que preside o
único processo judicial aberto no mundo contra os crimes do franquismo, pediu a
prisão de quatro ex-policiais espanhóis acusados de torturadores. É a primeira
vez que repressores dessa ditadura serão levados a julgamento. O assunto
mereceu a manchete da capa do Página/12: Justiça universal.
Durante 40
anos, Francisco Franco, o Generalíssimo, o Caudilho da Espanha pela Graça de Deus,
subjugou o povo espanhol mediante uma das mais terríveis ditaduras do século 20.
A perseguição, a tortura, a prisão, o assassinato, foram algumas das ferramentas
que utilizou para levar o país de novo à época da Inquisição.
Quase quatro
décadas depois da extinção do feroz regime, esses crimes de lesa humanidade
permanecem a salvo da investigação e do castigo penal que merecem. Aqui, em nosso
país, tivemos que suportar também durante muitos anos a negação da justiça para
as aberrações que cometeu a última ditadura cívico-militar. A impunidade
garantida legalmente, contra a qual importantes setores de nosso povo lutaram
com enorme consequencia, recém foi derrotada com os julgamentos e as condenações
que se seguiram à declaração de nulidade das leis de Ponto Final e de Obediência
Devida, em 2003 (NT - estas leis faziam o papel que faz hoje no Brasil a Lei da
Anistia, que anistia inclusive os torturadores da ditadura, uma aberração
confirmada por decisão recente do Supremo Tribunal Federal – STF).
Antes disso,
entretanto, muitos argentinos tiveram a possibilidade de recorrer aos tribunais
espanhóis, e aos de outros países europeus, à procura da justiça que lhes era
negada na própria cena dos crimes do Terrorismo de Estado. Isso pôde ser assim
em virtude do princípio de justiça universal, consagrado na Constituição
argentina e no direito internacional a respeito dos crimes contra a humanidade:
seus responsáveis podem e devem ser perseguidos pelos tribunais de justiça de qualquer
país, qualquer que seja o lugar e o tempo em que os tenham cometido.
A situação
é inversa agora. São as vítimas do terror do franquismo que buscam em nossos
tribunais a justiça que não podem obter nos de seu país. Com efeito, em 14 de
abril de 2010 deu-se entrada num processo perante a Justiça argentina pedindo
que sejam investigados os delitos de genocídio e/ou crimes de lesa humanidade
cometidos na Espanha pela ditadura franquista entre 17 de julho de 1936 e 15 de
junho de 1977.
A questão,
que tramita na Justiça Federal no Correcional e Criminal N°1 de Buenos Aires, foi
apresentada por familiares de vítimas e associações de direitos humanos
argentinas e espanholas. A ela se somaram já centenas de reclamantes e
denunciantes particulares e associações culturais, sociais e sindicais.
Recentemente, foi constituída uma Coordenação Estatal de apoio ao processo
judicial argentino contra os crimes do franquismo.
Um grupo
de deputados federais apresentamos um projeto para que o Congresso declare “seu
enérgico repúdio aos crimes de lesa humanidade cometidos na Espanha pela
ditadura franquista e à impunidade de que gozam seus responsáveis, solidarizando-se
com as vítimas e apoiando o processo judicial aberto em nosso país para
investigar os crimes, promovendo desta forma a memória, a verdade e a justiça”.
Nos
motiva, por certo, a solidariedade concreta com nossos irmãos espanhóis que foram
vítimas da barbárie e com seus familiares. Mas também a consciência de que é
necessário contribuir para a afirmação desse princípio de justiça universal que
mencionamos. Quando um país consagra a impunidade para os criminosos que protege,
a perseguição internacional pode lograr que o único lugar do mundo em que eles
possam se refugiar seja o que foi teatro de suas terríveis ações. Até que tampouco
isso seja possível. Já aconteceu na Argentina.
Jorge
Rivas é deputado federal da Confederação Socialista (da FpV – Frente para a
Vitória, coligação partidária ligada ao governo de Cristina Kirchner).
Tradução: Jadson Oliveira
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