MÉDICOS CUBANOS: EU FUI PACIENTE DO SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICA NA VENEZUELA (Parte 1)



Eis aí a "prova do crime": o gesso foi colocado em Caracas e retirado em Salvador (Bahia) (Foto no espelho: Jadson Oliveira)
Ao entrar e me sentar, o atendente me pediu o número da identidade ou do passaporte. Meti a mão no bolso pra pegar.

- Não, não precisa o documento, só o número, ele disse.

Falei então, porque sei de cor, o número da carteira de identidade.

De Belo Horizonte (MG) – Eu sofri uma queda na rua, tropecei e caí. Bem no centro de Caracas, no miolo da capital venezuelana, a uma quadra do centro comercial Metro Center, no fundo do prédio da Assembleia (Congresso) Nacional, a uma quadra subindo para a Praça Simón Bolívar, área onde eu circulava quase diariamente.

Já faz pouco mais de um ano, estava por lá acompanhando a campanha presidencial, que veio a ser a última, do então presidente Hugo Chávez (reeleito pela segunda vez em 7 de outubro de 2012).

Nada de grave. Mas tive um pequeno corte na ponta do dedão e uma pequena fratura no dedinho, tudo na mão esquerda. Que merda! E agora? Que problemão arranjei assim de repente, sem quê nem praquê! O dedinho estava doendo, assim meio arrocheando, e o dedão estava sangrando um pouco.
Um dos mais de 500 CDIs espalhados pelo país (Foto: Agência Venezuelana de Notícias/AVN)
Era um domingo à tarde. Converso com um, com outro, em busca de socorro. Consegui numa farmácia, no Metro Center, que uma moça me fizesse um rápido curativo no dedão. Não me cobrou nada. Uma farmácia particular. Não entendi bem, fiquei imaginando ter se tratado duma gentileza a um “turista” estrangeiro.

E o dedinho quebrado? Perguntei pelo serviço público, o “SUS” de lá, não estava disposto a gastar meu dinheirinho. Me ensinaram: “descendo aqui, na Avenida Baralt (num dos lados do Metro Center), a umas quatro quadras, o senhor vai encontrar um CDI, lá é tudo de graça, fica na Quinta Crespo”.  CDI é Centro de Diagnóstico Integral, da Misión Barrio Adentro, Quinta Crespo é uma feira popular de frutas, legumes, hortigranjeiros (“quinta” vem de roça, sítio).

Começava assim meu aprendizado, por dentro, do sistema de assistência médica implantado pelo governo de Chávez, com a participação de 30 mil médicos cubanos (há também cubanos entre os técnicos e auxiliares). A tal da Missão Bairro Adentro eu já conhecia de fama, é escuchambada dia sim outro também pelos jornais antichavistas. (É a “missão” encarregada da saúde pública, uma das muitas e belas “misiones” da Revolução Bolivariana).

“É coisa dos cubanos, pra enrolar os pobres”, me dizia gente da classe média, como o dono do bar que eu freqüentei no centro de Caracas e o pessoal do apartamento onde aluguei um quartinho (um “cubículo”, como eu costumava dizer). Um detalhe: “barrio”, também “barriada”, para eles é o que chamamos aqui “favela”, “morro”, “invasão”, em suma, bairro pobre. O que chamamos aqui “bairro”, eles chamam lá “paróquia”, “urbanização”.
Dois papelitos do CDI Quinta Crespo: no segundo, abaixo, datado de 18/6/2012 (uma segunda-feira), sou encaminhado ao serviço de Traumatologia no bairro de Montalbán (Fotos: Jadson Oliveira)
Bom, pensei, posso tirar algum proveito da situação, vamos ver, por dentro, como funciona o “SUS” daqui e, o principal, vamos ver o quanto é “ruim” o serviço dos mal-afamados médicos cubanos. Será que a fila é grande? Será que vai ter algum problema, um estrangeiro? Me preocupava. Cheguei no tal CDI, domingo à tarde, havia apenas uma moça pra ser atendida na minha frente. Oba! Até agora tudo bem, que alívio!

Ao entrar e me sentar, o atendente (ou foi uma atendente? não me lembro) me pediu o número da identidade ou do passaporte. Meti a mão no bolso pra pegar.

- Não, não precisa o documento, só o número, ele disse.

Falei então, porque sei de cor, o número da carteira de identidade.

Ficha preenchida, um médico pegou minha mão, olhou e, sem delongas, me disse pra voltar às 8 horas da manhã do dia seguinte pra fazer o raio x e mandou me aplicar uma injeção (presumo que era pra prevenir alguma coisa, o local já estava um pouco inchado e roxo, um pouco dolorido). Devo ter demorado por lá uns 20 minutos.

No dia seguinte, tudo bem, o atendimento foi rápido: já com a chapa do raio x em mãos, fui encaminhado a um CDI com serviço de Traumatologia. Aí já mais distante: no bairro (“urbanización”) de Montalbán, distante do centro uns 30 minutos de ônibus.

Continua. Tem muito mais: mão engessada, atendimento no SUS (Serviço Único de Saúde, o verdadeiro, o brasileiro) na Bahia – o leitor vai comparar -, depois fisioterapia no SUS da Bahia e, por fim, fisioterapia no “SUS” venezuelano. Aguardem o segundo capítulo.

Comentários

detaalmeida@gmail.com disse…
Eu jà sei o desfecho, mas tou curiosa sobre os detalhes