A INDECISÃO BRASILEIRA


Coexistem em Brasília duas tendências: uma moderadamente latino-americanista e que prosperou sob o governo de Lula; e outra que acha que o futuro do Brasil passa por uma íntima associação com os EUA. Esta corrente ainda não chega a ser hegemônica no Palácio do Planalto, mas sem dúvida hoje encontra ouvidos muito mais receptivos que antes.

Por Atilio A. Boron, cientista político argentino (reproduzido de Carta Maior, de 16/07/2013)

Henry Kissinger, cuja condição de criminoso de guerra se une a de ser um fino analista da cena internacional, disse no fim dos anos sessenta que “para onde se incline o Brasil se inclinará a América latina”. Isso não é bem assim hoje porque a maré bolivariana mudou para bem o mapa sociopolítico regional; mas ainda assim a gravitação do Brasil no plano hemisférico continua sendo muito importante. Se seu governo impulsionasse com força o Mercosul e a Unasul ou a Celac, outra teria sido a história dessas iniciativas. Mas Washington vem trabalhando há tempo para desestimular esse protagonismo. Aproveitou-se da ingênua credulidade ou o afinado colonialismo mental do Itamaraty prometendo-lhe demagogicamente que garantiria para o Brasil uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, enquanto a Índia e o Paquistão (duas potências atômicas) ou a Indonésia (a maior nação muçulmana do mundo) e o Egito, a Nigéria, o Japão e a Alemanha, entre outros, ficariam fora.

Mas não se trata só de ingenuidade, pois a opção de associar-se intimamente a Washington seduz muitos em Brasília. Poucos dias depois de assumir seu cargo como chanceler, Antonio Patriota concedeu uma extensa entrevista à revista Veja. A primeira pergunta foi esta: “Em todos seus anos como diplomata profissional, que imagem formou dos Estados Unidos?”. A resposta foi assustadora: “É difícil falar de maneira objetiva porque tenho um envolvimento emocional (sic!) com Estados Unidos através da minha família, de minha mulher e de sua família. Existem aspectos da sociedade americana que admiro muito”.

O razoável teria sido que lhe pedissem a imediata renúncia por “incompatibilidade emocional” com a defesa do interesse nacional brasileiro, coisa que não aconteceu. Por que? Porque é óbvio que coexistem em Brasília duas tendências: uma moderadamente latino-americanista e que prosperou sob o governo de Lula; e outra que acha que o esplendor futuro do Brasil passa por uma íntima associação com os Estados Unidos, esquecendo-se de seus revoltosos vizinhos. Essa corrente ainda não chega a ser hegemônica no interior do palácio do Planalto, mas sem dúvida que hoje em dia encontra ouvidos muito mais receptivos que antes. E essa mudança na relação de forças de ambas tendências saiu à luz com a muito demorada reação da presidenta Dilma Rousseff diante do sequestro do qual Evo Morales foi vítima: se os presidentes de Cuba, Equador, Venezuela e Argentina (além do secretário geral da Unasul Alí Rodríguez) demoraram apenas uns poucos minutos depois de conhecida a notícia para expressar seu repúdio ao ocorrido e sua solidariedade com o presidente boliviano, a brasileira necessitou de quase quinze horas para fazê-lo. Depois, inclusive, das duras declarações do próprio secretário geral da OEA, cuja reprovação foi conhecida quase em coincidência com a dos primeiros. Conflitos e disputas no interior do governo que fizeram que Dilma Rousseff não participasse do encontro que teve lugar em Cochabamba, localizada a escassas duas horas e meia de voo de Brasília, debilitando o impacto global desta reunião presidencial.


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