“OS GOVERNOS E OS ESTADOS APRENDEM DAS LUTAS POPULARES" (parte 2/final)



Aguirre Rojas: "Todo esse poder dos meios de comunicação se choca com o protagonismo das classes populares" (Foto: Internet)
Carlos Antonio Aguirre Rojas, cientista social e economista mexicano: ancorado no zapatismo mexicano, ele defende a autonomia dos movimentos sociais que tiveram seu auge em princípios do ano 2000 e que depois foram ofuscados pelos governos progressistas do continente.

Por Sergio Kisielewsky, no jornal argentino Página/12, edição de 29/04/2013 (aqui no blog Evidentemente a entrevista está dividida em duas partes, a primeira foi publicada no dia 03/junho; traduzida em homenagem ao companheiro Goiano (José Donizette), adepto da esquerda da esquerda)

Segue a entrevista. No final da última resposta da primeira parte, Aguirre Rojas dizia: “A política está em crise, a situação ecológica e econômica, as relações sociais e a cultura creio que nos autorizam a falar duma crise terminal do sistema capitalista como esquema civilizatório. Já deu tudo o que podia dar em termos positivos e chegou ao seu fim e isto aumenta as chances dos movimentos anti-sistêmicos, nunca tiveram mais oportunidades de vencer como hoje”.

– Tampouco se vê uma alternativa política?

– Hoje a América Latina é a frente da vanguarda mundial da luta anti-sistêmica, aqui se está construindo o germe, os novos mundos que poderiam nos dar o modelo de como será uma sociedade diferente, por exemplo as Juntas do Bom Governo zapatistas, aí se desenvolvem outras relações econômicas, outro tipo de comércio, outra relação com a natureza, a ideia da Mãe Terra que é uma ideia indígena, outra forma de fazer política, outro modo de cultura. Nos bairros piqueteiros daqui (de piquetes, fenômeno político argentino surgido na crise de 2001/2002), que começam a reestruturar seu modelo pedagógico-educativo ou o projeto das fábricas recuperadas, são germes de como pode funcionar uma sociedade nova sem relações de opressão nem discriminação. Estes movimentos vêm dum modelo que se remonta da Comuna de Paris (ou dos sovietes) e que foi recuperada pelo movimento de conselheiros (“consejistas”) do movimento socialista, mas a tradição hegemônica era “tomem, façam o modelo stalinista, construam a partir de cima”, e o povo volta a ficar marginalizado e isso resulta no socialismo falido do século 20.

– Poderão os movimentos sociais como o zapatismo evitar as pressões cada vez mais fortes dos setores dominantes dos Estados Unidos?

– No Manifesto do Partido Comunista Marx escreveu que quando a luta chega a um ponto crítico as classes se enfrentam num conflito aberto e só restam duas opções. Ou se constrói uma nova sociedade ou pode vir uma barbárie na qual tudo se destrói. Os Estados Unidos é uma potência cada vez mais em decadência, está sofrendo uma derrota no plano tecnológico, financeiro, geopolítico, econômico e cultural, mas continua sendo a primeira potência militar e pode utilizar o poder militar para reverter a situação. E aí todos corremos um risco, mas devemos ser otimistas. Creio que a humanidade é inteligente e o povo norte-americano reagirá e os povos da Europa se levantarão contra os que quiserem levá-los a uma terceira guerra mundial.

– Nesse cenário você identifica a existência de setores da esquerda que terminam por concordar de fato com as ações da oposição conservadora e os interesses das grandes corporações para acabar com o avanço progressista na América Latina?

– Os governos e os Estados aprendem das lutas populares e a burguesia trata de desativar, de reduzir, de apequenar e o digo no caso chiapaneco no México (do estado mexicano Chiapas), onde o Estado utilizou todas as estratégias para nos enfrentar e todas fracassaram. Confrontar e o conceito de autonomia é um conceito de todos os movimentos de esquerda. Na Bolívia a direita pretende a autonomia de Santa Cruz (um dos estados bolivianos). Se a gente faz uma crítica a estes governos progressistas correria um risco de ser recapturado pela direita, mas acredito que há uma maneira muito simples de evitar isso: é precisamente apresentar a estes governos demandas anti-capitalistas e anti-sistêmicas que são irrecuperáveis pela própria direita. Dou um exemplo claro: no México surgiu o Movimento 132 dos jovens e eles diziam no princípio “democratizemos os meios de comunicação” e, ao não dar conteúdo a tal reivindicação, Carlos Slim (magnata mexicano), que é o homem mais rico do mundo, disse “democratizemos porque eu quero ter minha própria cadeia de TV, que se abram outros cinco canais eu os compro todos”. Para dar um sentido anti-capitalista e anti-sistêmico à ideia de democratizar os meios de comunicação, não há que propor em abstrato, mas sim devolver os meios de comunicação ao povo, criar 200 rádios comunitárias, 40 canais de TV dos movimentos sociais, em cada universidade que pudermos fazer revistas, jornais que se difundam amplamente.

– Daria a impressão que essas mudanças se produzem de forma gradual e nem todo processo é totalmente nacional, sempre tem algo a ver com a situação internacional e o que ocorre na Europa repercute aqui. Como você vê esta situação no Velho Continente?

–São expressões da crise terminal do capitalismo. Durante várias décadas a Europa, Estados Unidos e Japão puderam transferir suas crises para a periferia e agora a crise chegou ao coração mesmo. A França e a Alemanha, que são os pivôs que estão impondo a pior das receitas, porque estão acreditando que com mais neoliberalismo, mais austeridade e com mais ajuste é como vão resolver a crise, mas é como jogar gasolina ao fogo. A crise chegará à França e à Alemanha e faz com que as pessoas comecem a se mobilizar. Na Espanha a manifestação de 25 de setembro de 2012 foi duramente reprimida porque as pessoas se concentraram ao redor do Parlamento e foi proposta uma nova Assembleia Constituinte e, na Grécia, estiveram a ponto de se tomar o Parlamento, todas as marchas ao redor da Praça Sintagma, muito perto do centro do poder político. Nessas revoltas defendem as mesmas reivindicações dos zapatistas de 1º. de janeiro de 1994, lutam por liberdade, lutam por democracia, lutam por educação, por alimentação, por moradia. São as 11 ou 12 demandas zapatistas, terra, teto, trabalho e as mesmas demandas zapatistas estão reaparecendo no Primeiro Mundo com suas modalidades e suas variantes, é um protesto que está se tornando mundial. O lado triste desta história é que essa crise vai nos pegar. Estes governos estão adotando medidas anti-imperialistas, renacionalizam, incentivam o mercado interno próprio e amenizam os efeitos da crise, mas não podem dar mais e para que deem mais são necessários governos muito mais à esquerda e que adotem medidas radicais.

– Como se atua na subjetividade já que houve marchas anti-governamentais incitadas pela direita e os grandes meios de comunicação?

– Os meios de comunicação mentem duma maneira tão descarada e absurda que chega a um ponto em que as pessoas que vivem no mundo real se dão conta de que a realidade não corresponde ao que estão contando, creio que a credibilidade dos meios de comunicação está se dissipando. Os movimentos sociais têm que ativar uma estratégia de contra-informação e os meios tecnológicos dão muitas possibilidades. Um jovem pode comprar uma câmera e a imagem pode ser difundida para dar a informação verdadeira e desenvolver um trabalho de conscientização. Os meios de comunicação são cada dia mais autistas, mais falsos, mais monopolizados e, por outro lado, as pessoas estão apostando em outras formas de se informarem. Quando fazemos análises políticas creio que vale o que dizia Fernand Braudel (historiador francês) que nos deixamos levar pelo ritmo da conjuntura política, mas por trás do que está acontecendo temos que tratar de ver a tendência. Todo esse poder dos meios de comunicação se choca com o protagonismo das classes populares, estão colocando na agenda diária temas centrais, nos últimos 30 anos o grau de maturidade política das classes populares na América Latina, de sua consciência e clareza com os logros obtidos na derrubada de governos, lhes ensina que podem fazê-lo duma maneira pacífica para passar de um recuo a uma ofensiva em cada país, segundo as particularidades, segundo sua história. Aqui (na Argentina, na crise depois da “farra” do neoliberalismo comandada por Menem nos anos 90) em 2001 vi um livro do qual gostei muito, cujo título era Quando o país inteiro era uma assembleia. A sociedade argentina está mobilizada. Gramsci tinha razão, vai se construindo um bloco novo que vai criando consensos diferentes, cria-se uma nova cultura e termina por impor-se pela força das coisas, as classes dominantes já não têm nada a oferecer.


POR QUE CARLOS AGUIRRE ROJAS?

Um intelectual do zapatismo

Por Sergio Kisielewsky

Carlos Antonio Aguirre Rojas (México, 1955) caminha por Buenos Aires com um bolso carregado de livros, os quais reparte em cada assembléia de que participa nos bairros portenhos. Foi testemunha num mesmo dia (6-11-12) duma estranha nuvem tóxica que chegou vinda dum conteiner do porto portenho e também dum dilúvio que inundou ruas e avenidas em Buenos Aires. Este doutor em Economia pela Universidade Autônoma do México (UNAM) e cientista social, é desde 2003 co-diretor da revista Contrahistorias, a qual define como o “anti-manual do historiador ou como fazer uma boa história crítica”, foi nomeado diretor, em diversas oportunidades, de Etudes en la Maison des Sciences del Homme em Paris, foi convidado a dar aulas nas universidades de Toulouse, França e casas de Altos Estudos em Lima, Havana, Colômbia e Estados Unidos. Divulgou no seu país a obra de Benjamin, Foucault, Norbert Elías e Fernand Braudel e é adepto da 6ª. Declaração da Selva Lacandona do Exército Zapatista de Libertação Nacional, que consiste num Programa Nacional de Luta por reivindicações políticas, sindicais e setoriais, se denomina “A outra Campanha”. Aguirre Rojas publicou cerca de 20 livros, entre eles, Mandar obedecendo, As lições políticas do neo-zapatismo mexicano, Mitos e esquecimentos na história oficial do México,Immanuel Wallerstein: Crítica do sistema capitalista e Movimentos anti-sistêmicos - Pensar o anti-sistêmico nos inícios do século 21.

Tradução: Jadson Oliveira

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