De Salvador (Bahia) - Li no Conversa Afiada, o blog do Paulo Henrique Amorim, o campeão de
acessos na blogosfera chamada progressista, que o TSE (Tribunal Superior
Eleitoral) acaba de aprovar as contas do PT de 2003 (e apontar para a aprovação
das de 2004), onde estariam os supostos crimes cometidos pelos petistas, pelos
quais o STF (Supremo Tribunal Federal, a corte mais alta do país), condenou
José Dirceu, José Genoíno e outros.
Pergunto: então
o TSE fechou com a versão do Raimundo Pereira, nas suas reportagens de
investigação na revista Retrato do Brasil,
sob o título geral de “A construção do mensalão”? E a invenção do Roberto Jefferson
dando conta da mesada paga aos parlamentares para aprovar projetos do governo
Lula, desmentida pelo próprio na hora de se defender no STF, mas confirmada por
maioria apertada do mesmo STF?
Pois é, o
Raimundo Pereira, com sua elevada reputação no jornalismo – especialmente na
resistência à ditadura com os inesquecíveis jornais Opinião e Movimento –
desmontou tudindo. Antes, muitos blogueiros já tinham falado da falta de
provas, da forçação de barra da velha mídia, dos monopólios inconstitucionais,
da chamada grande imprensa – toda ela perfilada no pensamento único da direita.
Do julgamento político, da criminalização do PT, daquela “coincidência”
inacreditável das condenações nas vésperas das eleições municipais (mas aí
diziam, isso é coisa de petista...)
Me lembro
particularmente dum artigo do Paulo Moreira Leite (seus artigos acabaram
virando livro “A outra história do mensalão”) sobre a falta de provas contra
José Dirceu. Antes do julgamento. Fiquei impressionado. “Não é possível que
esses caras vão ter coragem...” Pois foi possível, com a peixeira da mídia
sedenta na garganta dos senhores juízes, foi possível.
Mas o
Raimundo Pereira (foto), como eu ia dizendo, foi mais fundo: mostrou que não pode
haver criminosos, por uma razão elementar na ciência do Direito: porque NÃO HÁ
CRIME. Como assim, não há crime? Simples: qual foi o crime alegado, conforme o
arrazoado do ministro relator, o Joaquim Barbosa, apoiado pela maioria apertada
do STF? O desvio de 73,8 milhões de reais do Fundo de Incentivos Visanet, que
seria do Banco do Brasil, daí dinheiro público.
O
dinheiro que motivou a condenação dos petistas não foi desviado e não é dinheiro
público
Acontece que,
demonstra Raimundo Pereira na série de matérias:
1 – O
dinheiro não foi desviado. Foi pago à DNA, empresa de publicidade do Marcos Valério,
que fez jus ao pagamento pelo trabalho de divulgação de cartões de crédito. Aí enumera
um monte de propaganda feita e consumida exaustivamente pela população
brasileira.
2 – O
dinheiro não é público, pois não é do BB. É do Visanet, que não é um fundo
público, mas privado. O BB é apenas um dos acionistas ao lado de outros bancos
privados.
Conclusão da
ampla reportagem do Raimundo: não há crime, portanto não há criminosos. (Quem
não leu ainda, vale ler, deixo um link aqui).
Até a tal da “teoria
do domínio do fato”, que arranjaram apressadamente para tapear a falta de
provas contra o José Dirceu – aquela coisa de dizer “só podia ser ele, pela
posição que ocupava no governo só podia saber de tudo, saber não só, ele
certamente comandava tudo” -, foi desmascarada. O autor é um alemão, ainda vivo,
81 anos, de nome Claus Roxin, que rechaçou a coisa. É como se ele tivesse falado
mais ou menos assim: “Peraí, minha gente, assim também já tá demais também, tem
que haver prova, somente indício não basta”.
Os
empréstimos bancários feitos pelo PT, considerados fictícios pela maioria
apertada do STF, foram devidamente pagos pelo PT, judicialmente, conforme explica
o Paulo Henrique na mesma matéria a que me referi no início.
Então, o que
restaria? Ele, o de sempre, o famigerado Caixa 2. “Ah! – diriam - então o PT
cometeu crime, tem que pagar na Justiça”. Bem, isto parece ser verdade, pau no
PT, ele foi na onda de todos os outros partidos, então que pague, como os
outros também. Mas daí se dizer que se trata do “maior escândalo político da
história do Brasil” é demais!
Mas a verdade
é que o Raimundo Pereira conta tudo isso muito melhor do que eu,
detalhadamente, tudo bem fundamentado, e eu fico perdendo tempo repetindo o que
acho que é o essencial das várias matérias publicadas na Retrato do Brasil. Pra que? Quantos lerão meu blog?
Como o Supremo Tribunal Federal, sob o comando do ministro Joaquim Barbosa, deu vida à invenção de Roberto Jefferson (foto e legenda da revista Retrato do Brasil) |
E é aí que me
vem a pergunta crucial, que me angustia: quantos brasileiros leram ou vão ler
as reportagens do Raimundo? Não vi qualquer repercussão de suas revelações no
rádio, na TV e nos jornalões. E não esperava também. Como é que uma parcela
razoável dos brasileiros vai saber da outra versão do mensalão se os meios de comunicação
– inclusive usando concessões públicas para prestar serviço público – atropelam
suas mentes e corações com uma versão única dos fatos. A versão da direita,
claro. (A outra versão, da esquerda ou mais à esquerda, dos verdadeiros
democratas, fica por conta de raros veículos da imprensa e dos blogs chamados
progressistas ou “sujos”).
Se
fizessem com um cachorro o que fazem com os pobres na TV já teria havido pelo
menos uma passeata
E além dos
noticiários a partir das mesmas fontes, das mesmas agências de notícias, sempre
com um único viés, pelo menos nas coisas fundamentais (missa encomendada pelos
“donos, senhor de tudo”), sempre criminalizando os movimentos democráticos e populares,
e também os “ppp” (pobre, preto, da periferia).
Falando em
“ppp”, há “entrevistas” com bandidos e/ou supostos bandidos em programas de TV,
gente pobre, cara de fudido, desdentado, algemado, sob os auspícios de
policiais e até de delegados, uma agressão incrível, uma desumanidade total, e
isso é tolerado passivamente pelas pessoas, um verdadeiro atentado ao mais
elementar direito humano de uma pessoa, como é que pode, “senhor Deus dos
desgraçados!”? (não é assim que exclama nosso Castro Alves?)
A emissora de
TV está ali usando uma concessão pública, o espectro eletromagnético (é assim
mesmo que chama?) não é propriedade privada do dono da empresa, é de
propriedade pública que ele está usando por concessão governamental. E pode
agredir assim um ser humano? (Se fosse um pingüim, um cachorro, um gato, os
senhores e senhoras defensores dos animais já teriam feito pelo menos uma
passeata).
E, além
disso, tome entretenimento: novelas emburrecedoras, programas de auditório com
muito peito, muita bunda e moças/rapazes “sarados”, fofocas de celebridades,
futebol (essa coisa que quase todo mundo gosta, quem não gosta de ver o
Flamengo ganhar?), e crimes, crimes, crimes, quanto mais crimes melhor, a
população apavorada... refugiada em suas casas, fascinada pelos Datenas da
vida...
E no meio e
nos lados de tudo, centrando tudo, domina a mídia essa cultura nefasta do
vale-tudo pra ganhar dinheiro (ou “fazer dinheiro”, como estão dizendo por aí traduzindo
literalmente os estadunidenses), uma luta de vida ou morte, as loterias, os
sorteios, ter coisas e/ou dinheiro para ser reconhecido socialmente, vencer na
vida, ser alguém nesta selva de capitalismo e individualismo.
Com a
utopia na cabeça, estamos sempre à beira do paraíso, sem ela estamos sempre à
beira do precipício
E aí não
sobra tempo e espaço para valores como amizade, amor, solidariedade,
coletividade. E a esperança, como viver sem esse alimento insubstituível da
alma? A justiça social, o bem de todos ou pelo menos da maioria? Numa palavra,
uma bela palavra que a maioria dos jovens hoje parece ignorar: a utopia social,
o socialismo, o comunismo. Com a utopia na cabeça, estamos sempre à beira do
paraíso, sem ela estamos sempre à beira do precipício.
Vi ontem uma declaração
muito bonita, da Aleida Guevara (foto), filha mais velha do segundo casamento do nosso
Che. Esses cubanos... não tem jeito, como me disse um que conheci na minha
última viagem à Ilha (seu nome é Júlio): “Eles (o governo dos EUA) não querem
deixar, mas nós somos teimosos, somos felizes”. Li no jornal argentino Página/12. A Aleida disse:
“O problema é
que se durante toda a vida ensinam (às mulheres) que se casam com um rico
melhoram sua vida, a que aspiram? A casar-se com o rico. Temos que aprender que
essa não é a solução, que a solução não é que eu melhore, é que melhoremos
todos”.
Mas parece
que perdi o fio da meada. Voltando para a política propriamente dita e para as
mentiras da nossa imprensona, me parece que o nosso Lula, com sua grande
sabedoria, descobriu uma solução mágica, pelo menos do ponto de vista individual.
Li no blog Vi o Mundo (de Luiz Carlos
Azenha e Conceição Lemes).
Conta Lula: “Um dia, eu cheguei em casa e disse: ‘Marisa, a
partir de hoje, se a gente quiser governar este país, a gente não vai ver
televisão, a gente não vai ver revista, a gente não vai ler jornal’. Eu passei
a ter meia hora de conversa por dia com a assessoria de imprensa, para ver qual
era o noticiário, mas eu não aceitava levantar de manhã, ligar a televisão e já
ficar contaminado. Então eu acho que isso foi um dado muito importante”.
Genial, né?
Mas o diabo é que isso pode funcionar para ele, individualmente, uma pessoa
extraordinária como ele. Sem esquecer que enquanto ele fazia tal diagnóstico e
adotava tal medicamento, seu governo estava ajudando a financiar essa mesma
imprensa que “contamina” (para usar seu verbo) dia e noite a cabeça e o coração
dos brasileiros. Sem regulação (como existe nos países festejados aqui como
democráticos e civilizados e que faculte a verdadeira liberdade de expressão) e
explorando concessões de serviço público. Pode ser, “seo” Lula?
Bom, andei
muito, vou parar, mas voltarei. Este é o capítulo 2 das reflexões quiçá pretensiosas dum blogueiro. Até mais.
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