Semmelweis: pioneiro da assepcia foi metido numa camisa de força (Foto: Internet) |
No mundo da Física, Fritz Zwicky, nascido em 1898 na Bulgária mas de pais suíços, é considerado um dos gênios com menor reconhecimento do século 20. Zwicky foi o primeiro a descrever a existência da matéria escura (matéria negra, mundo estranho, parte do Universo que não pode ser vista com telescópio, não emite nem reflete luz), em 1930, o primeiro a falar de (e cunhar a palavra) “supernovas”, de estrelas de nêutrons, para citar alguns exemplos. Suas teorias foram ignoradas por quase meio século e sempre rodeadas de ceticismo. Muitíssimas de suas ideias foram corroboradas com o tempo, várias logo após sua morte. Seu caráter irascível, sua arrogância, o desdém com que tratava seus colegas, terminou criando uma distância insanável entre ele e o resto da comunidade científica. Jesse Greenstein, diretor do departamento de Astronomia do CalTech, escreveu: “Como ser humano, Zwicky foi uma pessoa detestável, petulante e egoísta. Intratável. Porém tinha uma enorme facilidade para produzir ideias radicais, transformadoras, desafiantes e, a maioria, corretas”. Neste caso particular, parece que foi o próprio autor dessas ideias quem se confinou no ostracismo.
A história seguinte é realmente incrível vista do século 21. Ignaz Philipp Semmelweis foi um médico húngaro nascido em 1818. Dedicou boa parte de sua vida a trabalhar como neonatologista (ou neonatalista, médico de recém-nascido) e obstetra, numa época em que as condições de assepsia não eram frequentes, a tal ponto que tanto as mães que pariam como os bebês recém-nascidos morriam em percentagens que hoje seriam inaceitáveis (10%!) devido à falta de cuidado com a higiene dos médicos. A enfermidade mais comum em meados do século 19 era a febre puerperal (relativa ao período do parto). Nesse momento, na Inglaterra, a febre puerperal produzia mais mortes do que a própria tuberculose. A situação era tão grave que muitas mulheres preferiam parir em suas casas para não se exporem aos riscos de infecção num hospital.
Semmelweis atuava no serviço de obstetrícia do Hospital Geral de Viena. No princípio, constatou que numa das salas o índice de mortalidade era dramaticamente superior ao da outra: 10% versus 4%. Começou a seguir os casos cuidadosamente, até descobrir algo entre elementar e inédito: eram os próprios médicos e enfermeiras que infectavam os pacientes. Depois de testar diferentes hipóteses concluiu que o número de casos reduzia fortemente desde que os médicos lavassem as mãos! quando tratavam uma mulher grávida, especialmente depois de haver estado em contato com cadáveres.
A teoria de que os micróbios eram os causadores das diferentes doenças não era conhecida ainda. Portanto, Semmelweis deduziu que “algo” que os cadáveres tinham incrementava o risco de infecções, tanto nas mães como nos bebês, e propôs que os médicos e enfermeiras lavassem as mãos com uma solução que contivesse cloro.
Quando fez seu anúncio, num congresso, no ano de 1850, recebeu demonstrações de desdém, rechaço e hostilidade. Os médicos que refutaram sua teoria expuseram um argumento que hoje seria considerado criminoso (e isto está escrito): “Ainda que as descobertas do doutor Semmelweis fossem corretas, lavar as mãos antes de entrar em contato com uma nova paciente seria muitíssimo trabalho!” (sic). O congresso médico levado a cabo na Alemanha terminou rechaçando a teoria de Semmelweis, em especial depois de conhecida a opinião do médico mais famoso da época: Rudolf Virchow. Esse foi o golpe fatal.
Os médicos participantes não estavam preparados para admitir que eram eles os causadores de tantas mortes. Semmelweis passou 14 anos de sua vida desenvolvendo suas ideias e tratando de convencer o establishment. Publicou seu livro sobre o tema em 1861, mas quatro anos mais tarde foi forçado a internar-se num hospital psiquiátrico, lhe puseram uma camisa de força e ele morreu duas semanas após ter sido internado.
Hoje, Semmelweis é reconhecido como o pioneiro nas políticas antissépticas e de prevenção de doenças contraídas nos hospitais.
A lista poderia continuar. Porém creio que até aqui está bem. De fato, mais importante do que o reconhecimento do qual já nunca saberão, fica para nós a alternativa de “repensarmos” como sociedade, e não sermos tão apressados em desmentir e agredir aqueles que pensam de maneira diferente, a alternativa da sociedade tolerar as diferenças e valorizar um pouco mais os que, hoje, parecem “loucos”. (A parte 3 foi postada dia 06/maio).
Tradução: Jadson Oliveira
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