Fidel Castro em foto do início deste ano quando compareceu para votar nas últimas eleições cubanas |
Esta é a parte 1 (divisão feita por este blog) dum
artigo intitulado “Defender os médicos cubanos; denunciar as políticas de
saúde no Brasil! (uma contribuição ao
debate” (datado de
11/05/2013), enviado pelo jornalista Otto Filgueiras, baiano há muito radicado
em São Paulo. O título original desta parte é “Neste mar de
complexidades, o que pensar sobre a vinda dos mais de 6 mil médicos cubanos ao
Brasil?”. O título acima é deste blog.
Por
Otávio Dutra -
estudante da Escola Latino Americana de Medicina em Cuba, militante do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e membro da Coordenação Nacional da União da
Juventude Comunista (UJC).
Em primeiro lugar precisamos destacar
que a vinda dos mais de 6 mil cubanos está dentro dos planos do governo de Cuba
e não deve alterar de forma significativa a atenção em saúde de seu povo, pelo
contrário, já que grande parte dos recursos arrecadados pelo convênio com o
Brasil serão direcionados para melhorar a infra-estrutura da área, que mesmo
com os 12% do orçamento nacional de Cuba direcionados à saúde, tem dificuldades
materiais importantes. Também é importante saber que o perfil dos profissionais
que virão ao Brasil é de médicos e médicas com ampla experiência internacional
(com no mínimo 2 missões cumpridas anteriormente) e de alto perfil
técnico-científico, sendo que todos são especialistas em Medicina Geral
Integral (Medicina da Família no Brasil) e a maioria tem outra especialidade
médica, além de mestrado em áreas da educação.
Sobre sua atuação no Brasil, o fato é
que sua chegada, ainda que trabalhem em condições precárias e inadequadas,
modificará significativamente os índices de saúde das regiões onde irão atuar,
principalmente em se tratando dos índices de mortalidade ocasionados por
doenças infecto-contagiosas, que afetam principalmente populações vulneráveis
como as crianças menores de 5 anos, grávidas e idosos. No entanto, a falta de
recursos, de infra-estrutura e de uma rede de saúde que permitam a atenção
integral à população não vão se modificar um milímetro sequer. É, sem sombra de
dúvidas, mais uma das políticas paliativas do governo do PT em sua essência,
com forte intencionalidade de conquistar aliados e votos para as eleições
presidenciais de 2014.
Contudo, existe uma série de
contradições que a vinda dos cubanos irá explicitar. Uma delas é o próprio
debate sobre Cuba e seu modelo socialista, que naturalmente acontecerá em todos
os espaços onde um cubano ou uma cubana estiverem trabalhando, assim como um
intenso combate de idéias em toda a sociedade brasileira. Outro ponto é que,
ainda que não resolva problemas estruturais, permitirá levar algum acesso à
saúde para uma população esquecida pelos governos do Estado burguês, elemento
que não podemos descartar, mesmo quando pensamos que o conceito de saúde é
muito mais amplo do que a mera ausência de doenças. Ainda neste ponto, a
presença de médicos de Cuba pode desencadear um debate/mobilização sobre a
necessidade de ampliar os recursos à saúde, da formação de recursos humanos e
de uma infra-estrutura que permita uma atenção integral e de alta qualidade,
somente possível com um sistema 100% público e estatal.
Outra questão que deve surgir à tona é
o urgente debate sobre a revalidação dos diplomas expedidos no exterior, hoje
centrado num discurso corporativista e xenófobo do Conselho Federal de Medicina
e seus apêndices conservadores, que antes de considerar a saúde da população
preocupa-se com sua reserva de mercado, já que assim trata a saúde, como uma
mercadoria mais a comprar e vender. No intuito de dificultar a entrada de
“concorrentes”, fecha as portas realizando provas com alto grau de
complexidade, e coloca num mesmo barco os indivíduos que vão buscar formação
médica no exterior (principalmente em universidade privadas da Bolívia e da
Argentina) e o projeto internacionalista de Cuba para a formação de médicos
de ciência e consciência para a América Latina e o mundo, parafraseando
Fidel, em que os princípios da saúde com um direito universal, público,
gratuito, integral e de alta qualidade, convivem com valores como a
solidariedade, o humanismo, o altruísmo e o internacionalismo proletário.
Em Cuba, além da qualidade da formação
e o reconhecimento internacional de suas instituições de educação médica,
existe uma homogeneidade da formação nas suas diversas instituições de ensino
superior, sem as grandes disparidades da formação como existem no Brasil. E
para além da inegável qualidade técnica da formação médica, há nos médicos
formados em Cuba uma preocupação, como em nenhum outro lugar no mundo, com a
questão humanística e a emancipação do ser humano, experiência que é levada por
eles aos diversos locais do mundo onde estão presentes. Por esses motivos é
imprescindível defender um processo de revalidação imediato dos brasileiros
graduados nesse país, com complementação curricular à realidade brasileira e
inserção no Sistema Único de Saúde (SUS). O mesmo deve ser defendido para os
graduados no exterior em instituições de qualidade reconhecida
internacionalmente.
No que diz respeito à problemática da
revalidação dos demais diplomas expedidos no exterior, passa pelo mesmo debate
a respeito da validação dos diplomas nacionais e deve vir em sintonia com um
sistema de avaliação nos mesmos moldes dos cursos de medicina dentro do
território nacional. No Brasil é fundamental a construção de um método de
avaliação da formação médica com vistas a garantir a qualidade da formação e de
promover os ajustes e investimentos necessários nas escolas médicas para manter
e aprimorar a qualidade da formação. Deve ir, necessariamente, muito além de
uma prova direcionada aos graduados em medicina; passa pela avaliação integral
e continuada da instituição, do corpo docente e discente, da estrutura
universitária, produção científica e da extensão, qualidade dos campos de
estágio e da assistência estudantil. Está é a única forma possível de
identificar quais as faculdades de medicina que não são mais do que fábricas de
diplomas.
Vale lembrar que hoje o exame nacional
de revalidação dos diplomas expedidos no exterior, o REVALIDA, é tão
fragmentado e insuficiente quanto as propostas de Exame de Ordem para os graduados
de medicina no Brasil, que tem sido sucessivamente rechaçados pelos estudantes,
professores e trabalhadores de grande parte das faculdades de medicina do país,
entre elas muitas de grande renome nacional[1].
As instituições que defendem o exame
de ordem do direito e da medicina utilizam-se da dificuldade da prova para
regular a entrada de profissionais no mercado de trabalho e tentam respaldar
suas tentativas de controle da oferta da força de trabalho a partir do discurso
da defesa da qualidade dos serviços. O REVALIDA, assim como o projeto de exame
de ordem encabeçado pelo CREMESP, tem como principio norteador não o interesse
dos usuários dos serviços de saúde ou a qualidade do atendimento, mas a
regulação da entrada de força de trabalho no mercado. Interessante observar que
nas lutas reais por maiores financiamentos para a saúde, a luta contra a
privatização dos serviços públicos, contra as fundações da área da saúde, em
defesa de educação pública de qualidade, mais verbas para a educação pública, entre
muitas outras, essas entidades não participam.
[1] Para maiores informações sobre o
tema consultar: http://denemsul2.blogspot.com.br/p/exame-do-cremesp.html
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