Nicolás Maduro é empossado como sucessor de Chávez depois de ações violentas da direita visando a desestabilização, que resultaram em oito mortos, 70 feridos e 135 detidos (Foto: AVN) |
O polo
verdadeiramente democrático, o que respeita a democracia e a amplia e a
estimula, está constituído pelos governos populares e progressistas que as
direitas qualificam pejorativamente como populistas (e autoritários). Assim o
demonstrou pela enésima vez o cenário político venezuelano. As oposições a tais governos estão unidas pelo
rechaço a qualquer forma de progresso social e distribuição da riqueza.
Por Luis Bruschtein, do jornal argentino Página/12, edição de 20/04/2013, com o título “De Caracas a Buenos
Aires” (o título acima e os destaques são deste blog)
Para
alguns, na Venezuela – como na Argentina e outros países latino-americanos –
confronta um polo republicano democrático com outro populista autoritário. Mas o
suposto setor populista autoritário ganhou, no caso venezuelano, 17 eleições de
forma limpa e a única vez que perdeu, por uma diferença diminuta, reconheceu
imediatamente e sem problemas. Pelo contrário, o suposto setor republicano
democrático vem dum golpe de Estado em 2002 e nesses dias está à beira de
propiciar outro. Quer dizer, para essa visão que está tanto na direita como na esquerda
mais aguada que teima em acompanhá-la, teria que ser golpista para ser
republicano e democrático. É a ambiguidade de dizer uma coisa e fazer outra,
como o que acontece na Venezuela e também na Argentina, onde os “caceroleros”
(os que fazem panelaços) que marcharam na quinta-feira (dia 18) portando alguma
bandeira de Capriles, dizem que se mobilizam pela liberdade de imprensa e quando
encontram algum jornalista que não pensa como eles, o atacam a pancadas
(observação 1).
Quando viu
que perdia por escassa diferença, o candidato derrotado Henrique Capriles tentou
apressar um pacto com o candidato vencedor, Nicolás Maduro, que o rechaçou publicamente.
Fazer um pacto às escondidas dos eleitores é democrático e recusá-lo seria
populista.
Quando
falhou o pacto, Capriles não reconheceu o resultado eleitoral. Se a oposição,
que abarca a metade menos um dum país, desconhece a autoridade presidencial, esse
país fica à mercê duma grande comoção e à beira dum golpe de Estado. Capriles
disse que houve centenas de irregularidades, mas não apresentou nem uma única
denúncia. As eleições venezuelanas são das mais monitoradas do mundo e ninguém
detectou essas irregularidades.
A atitude
de Capriles, buscando o golpe, seria democrática para essa visão que se
considera dona exclusiva da democracia e da República.
Ao
denunciar o resultado da eleição e agitar seus simpatizantes, Capriles promoveu
que milhares deles saíssem às ruas para atacar centros comunitários e sedes
partidárias do chavismo, onde mataram a golpes e tiros oito militantes chavistas, e inclusive queimaram
vivo um deles (está ferido).
Aqui na
Argentina, o socialista Hermes Binner (do Partido Socialista) disse que as mortes
não eram de responsabilidade de Capriles, e sim do populismo. Já o candidato
presidencial pela FAP (Frente Ampla Progressista/o mesmo Binner), que se apresenta
como centro-esquerda, havia dito que se fosse venezuelano, teria votado no direitista
Capriles, um homem que participou como comando civil no golpe de 2002, na
tentativa de assalto à Embaixada cubana em Caracas.
A maior
parte da esquerda e dos movimentos populares latino-americanos reconheceram a importância dos processos
democráticos como a ferramenta mais eficaz para os processos de transformação
das sociedades. Essa maioria da esquerda deixou de lado a ideia da ditadura do
proletariado e assumiu que esses processos de transformação vão acompanhando o
desenvolvimento político dos povos e que a melhor garantia para esse desenvolvimento
é um marco democrático.
A maioria
dos governos da região está unida contra os golpes
Nas
últimas décadas foram esses setores da esquerda, junto com movimentos nacionais
e populares, os mais comprometidos com os impulsos de aprofundamento democrático
e defesa da democracia. O fenômeno, que caracteriza esta época, se expressa na
Bolívia com o MAS (Movimento ao Socialismo), ou no Brasil com o PT, para
mencionar aqueles processos que provêm claramente de correntes da esquerda
revolucionária (observação 2). Na Argentina, os protagonistas do atual processo
político têm uma origem mais de tipo nacional e popular, somados a forças
progressistas e de esquerda. A ideia de soberania e eleição popular através do
voto está praticamente na sua gênese. São forças políticas que estão
acostumadas a ganhar ou a perder numa eleição. Na Venezuela e no Equador, são forças
políticas mais novas, mas a composição é mais ou menos parecida.
Nunca
antes na história latino-americana houve governos que se alinharam para reagir
contra intentonas militares, golpes parlamentares ou ações desestabilizadoras
na região, como acontece agora. Esses governos que fizeram o que nunca fizeram
outros, são os acusados de populistas e autoritários por países como os Estados
Unidos, que promoveram numerosos golpes. A defesa da democracia está assegurada
por esses governos. Em troca, as oposições estão mais unidas pelo rechaço a qualquer
forma de progresso social e distribuição da riqueza. Esse rechaço à mudança é a
identidade real dessas oposições e não a defesa da democracia, sobre a qual têm
posições heterogêneas. Muitas das forças que as compõem foram golpistas, como
as velhas direitas conservadoras, às quais se somam setores que preferem atuar
como a esquerda da direita antes de ser verdadeiramente de esquerda ou centro-esquerda
e terminam por ser tão conservadores como seus aliados (observação 3).
Essa vocação
foi demonstrada quando Chávez perdeu o referendo em 2007 (reforma
constitucional) e o reconheceu e o mesmo fez Néstor Kirchner quando perdeu as
eleições de 2009. Também quando os presidentes dos países do Mercosul, mais
Venezuela e Equador, frearam o golpe contra Evo Morales na Bolívia ou quando se
negaram a reconhecer os golpistas de Honduras e Paraguai. Supostamente, nestes
dois países os golpes se deram em nome da democracia.
O desconhecimento
das eleições por parte de Capriles foi uma intentona desestabilizadora, tentando
aproveitar a pequena diferença dos resultados e a ausência de Chávez. Por isso
foi tão importante que a América Latina reconhecesse de imediato o triunfo de
Maduro. Capriles havia atacado a
Argentina durante sua campanha e se incomodou quando Cristina Kirchner foi
uma das primeiras em reconhecer o resultado e exortou a que os Estados Unidos fizessem
o mesmo. A presidenta argentina o fez numa declaração pública, mas nesse
momento faziam o mesmo Dilma Rousseff, Rafael Correa e outros mandatários
latino-americanos. Qualquer demora poderia ser fatal para a estabilidade
democrática na Venezuela. Os Estados Unidos foi o único país que se prestou ao
jogo anti-democrático de Capriles e demorou em reconhecer.
Houve outros
dois gestos para consolidar o candidato vencedor. A Unasul convocou seus
integrantes ao Peru, onde emitiram uma declaração de respaldo a Maduro. E no dia
seguinte os mandatários latino-americanos viajaram a Caracas para participar da
posse do novo presidente. Era evidente que os Estados Unidos estavam interessados
em desestabilizar o vencedor das eleições porque na sua frente interna a direita
republicana com base em Miami está diretamente relacionada com a oposição venezuelana.
O secretário geral da OEA, Miguel Insulza (a quem Chávez chamava “el insulzo” –
insulso: insosso, insípido), titubeou no princípio porque o reflexo desse
organismo regional foi sempre seguir os Estados Unidos, daí que foi tolerante
com as ditaduras militares.
Este grande
debate que se abre na América Latina não está relacionado somente com as vias
alternativas ao neoliberalismo ou com os caminhos da integração regional para colocar
uma frente comum ante os mercados internacionais, os organismos financeiros e
comerciais e ante os grandes blocos de poder. Também é um debate pela defesa e pelo
aprofundamento da democracia, com ampliação de direitos e maior equidade
social. Nesse grande debate que tem projeções mundiais, o polo verdadeiramente
democrático, o que respeita a democracia e a amplia e a estimula, está constituído
pelos governos populares e progressistas que as direitas qualificam pejorativamente
como populistas. Assim o demonstrou pela enésima vez o cenário político venezuelano.
Tradução: Jadson Oliveira
Observações do Evidentemente:
Obs. 1 – É preciso frisar que o “dizer
uma coisa e fazer outra” só funciona porque a direita tem o respaldo dos monopólios
da mídia hegemônica, afinados com os ditames do império estadunidense;
Obs. 2 – Penso que é incorreto
afirmar que o PT provém de correntes da esquerda revolucionária. Claro que
grupos organizados dessas correntes, que rezavam pelas cartilhas de Marx, Lênin
e/ou Trotski, se incorporaram ao PT, especialmente nos anos iniciais da
história petista. Mas não a corrente majoritária, cujo líder indiscutível
sempre foi Lula. Nosso ex-presidente, aliás, sempre deixou isso bem claro. Por
diversas vezes manifestou sua aversão a grupos e partidos considerados da
esquerda mais ortodoxa e sempre fez questão de se apresentar como originário do
sindicalismo do ABC paulista, onde, de fato, nasceu politicamente como
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP);
Obs. 3 - O autor da matéria critica
aí os partidos chamados na Argentina “de esquerda”, como é o caso do PO
argentino (Partido “Obrero”, Obreiro, Operário) – e outros como o PTS, dos Trabalhadores
Socialistas, a Convergência Socialista, etc -, que são fortes, têm poder de
mobilização bem maior do que seus aparentados brasileiros, e fazem oposição a
governos progressistas como os dos Kirchner. Aqui eles seriam chamados,
geralmente de forma pejorativa, como “da esquerda radical” ou “extremistas de
esquerda”. Mas eles se consideram geralmente como “revolucionários, marxistas,
socialistas”. São os casos, por exemplo, do PSTU, atual PCB (antigo Partidão),
PCO, etc.
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