Presidentes da América do Sul: a maioria sintonizada com a política de integração soberana (Foto: AFP/Página/12) |
País por país, cara por cara, voto por voto: em meio à crise mundial a sintonia política não basta para garantir uma relação maravilhosa com cada vizinho. Mas pode ser uma base para evitar atritos. Aqui, um panorama das eleições sul-americanas, das próximas no Paraguai e Venezuela até as mais distantes no Chile, Bolívia, Brasil e Uruguai.
Por Martín Granovsky (matéria reproduzida do jornal argentino Página/12, edição de 31/03/2013. Foram suprimidos dois pequenos trechos)Com a Argentina perto das eleições primárias de agosto e das legislativas de outubro, a volta de Michelle Bachelet ao Chile para competir nas eleições de novembro marca o tom da maioria dos vizinhos: salvo no caso do Paraguai, o cenário mais provável na América do Sul é um reforço da sintonia entre os processos de reforma que cada país empreende a seu modo e com seus ritmos.
Bachelet assumiu em março de 2006 e deixou a presidência em março de 2010 como a mandatária mais popular da história do Chile. Sua imagem, no entanto, não foi acompanhada por uma iniciativa da Concertación, então no governo desde 1990, de construir uma sucessão viável. Não houve internas abertas que poderiam ter incluído Marco Enríquez-Ominami (veja observação 1). O voto de centro e centro-esquerda (obs. 2) foi dividido e esse vazio, somado ao desgaste de 20 anos de governo (da Concertação), serviu como base para a vitória da direita e centro-direita de Sebastián Piñera. Bachelet competiria e assumiria depois de ter completado 62 anos de idade. Está na corrida.
No Brasil as eleições presidenciais serão em outubro de 2014. A força da coalizão de governo, liderada pelo Partido dos Trabalhadores, já deixou claro qual será sua estratégia. Vai pela reeleição de Dilma Rousseff para o mandato que começa em 1º de janeiro de 2015. Luiz Inácio Lula da Silva não será o candidato. Não são especulações porque o próprio Lula foi quem o disse. Nos atos para celebrar os 10 anos de governo do PT, Lula anunciou que encabeçará a campanha para a reeleição de Dilma. Também disse que, diferentemente de 2002, o PT estaria em condições de ganhar as eleições sozinho. Mas acrescentou que não o fará, “porque se trata de governar com uma base sólida e não somente de ganhar eleições”. No momento de escolher os aliados, esclareceu que “não se trata de com quem nós vamos casar, e sim com quem vamos fazer alianças, e temos que ter um critério amplo”. Foi um modo de marcar o território com os distintos setores que integram a coalizão de governo. Sobretudo foi uma maneira de indicar que seguirá em vigor a intenção de continuar com um laço sólido entre o PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, com rigor uma constelação de forças estaduais.
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O Uruguai elege presidente a cada cinco anos. As eleições serão em 26 de outubro de 2014. Como não há reeleição e a Frente Ampla não se propõe a mudar a Constituição, o ciclo de Pepe Mujica se esgotará. Em junho de 2014 haverá eleições internas para eleger os candidatos de cada força.
Ainda que não o tenha dito oficialmente, o ex-presidente 2005-2010 Tabaré Vázquez aparece como um dos postulantes. Nascido em 17 de janeiro de 1940, nesse momento terá 75 anos. Se ganha, assumiria a presidência em 2017 com 76. Médico especialista em oncologia, o próprio Tabaré diz que o futuro depende de seu partido, o Socialista, da Frente Ampla, do voto dos uruguaios e da biologia.
Mujica, de 77 anos, não pode ser pre-candidato, mas está em condições de jogar sua popularidade em favor de outro. Se inclinará por Raúl Sendic? Sendic é um bebê para os parâmetros da política uruguaia: tem 50 anos. Pode ser um competidor de Tabaré em junho e, se perde a interna, integrar a chapa como candidato a vice. Mesmo dirigindo um espaço próprio, Compromisso Frenteamplista, não estão fechadas as portas para um acordo com o Movimento de Participação Popular, que é conduzido pelos ex-tupamaros como Mujica e o atual ministro da Defesa, Eleuterio Fernández Huidobro. Sendic tem um laço natural com eles. É filho de Raúl Sendic, outro dos fundadores dos Tupamaros no começo da década de 1960. Depois de 12 anos de cárcere, foi liberado em 1985 e morreu em 1989, no mesmo ano em que a Frente Ampla obteve seu primeiro grande triunfo: a prefeitura de Montevideo. Geneticista recebido em Havana, Sendic filho disparou nos últimos anos como funcionário do Estado. Preside a estatal Ancap, Administração Nacional de Combustíveis, Álcool e Cimento (Portland). Quem haja passado por Uruguai pode ter tomado aguardente Ancap. Mais que um folclore nostálgico, a empresa quer conquistar um maior peso regional. Já firmou acordos com a Petróleos de Venezuela Sociedade Anônima (Pdvsa, a poderosa estatal venezuelana) e está em conversações com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF, a estatal argentina) para participar do processo de exploração de “shale gás” em Vaca Muerta (na província de Neuquén – Argentina).
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Em 2014 o boliviano Evo Morales completará oito anos no poder. Este ano também enfrentará eleições presidenciais. Está autorizado a apresentar-se na sua primeira reeleição após a vigência da Constituição do Estado Plurinacional. Na última quinta-feira (28/março) seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), fez uma moção para que Evo volte a ser candidato e, se ganhar, governará a Bolívia no período 2015-2020. Se o consegue cumpriria 14 anos na presidência, o mesmo tempo de Hugo Chávez entre sua assunção e sua morte. Morales nasceu em 26 de outubro de 1959. Tem 53 anos. Teria acabado de fazer 61 quando em 2020 entregasse a faixa presidencial a outro presidente. O MAS manifestou que o vice-presidente Alvaro García Linera volte a integrar a chapa com Evo.
O Paraguai do passado
O Paraguai poderá ser a grande exceção política do Cone Sul. Após o derrocamento de Fernando Lugo em 2012, as eleições se celebrarão no próximo 21 de abril. Os colorados, a força mais influente, apresentarão como candidato Horacio Cartes. A Frente Guasú de Lugo irá com Aníbal Carrillo na cabeça. Se afastou um setor importante, o do jornalista Mario Ferreiro. A divisão da centro-esquerda deixa como principal desafiante Efraín Alegre, do Partido Blanco.
De 56 anos, Cartes está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Grande empresário de bebidas e cigarro, o ex-ministro do Interior Carlos Filizzola disse sobre ele: “Seu triunfo significaria o regresso ao país do passado, o país das más notícias, à época quando se mencionava o Paraguai vinculava-o com o narcotráfico, a lavagem de dinheiro, a pirataria, esse país desacreditado e isolado internacionalmente”. Filizzola explicou as dificuldades para combater o narcotráfico no Paraguai inclusive quando, como aconteceu no governo de Lugo, o Estado tem a intenção de fazê-lo. Numa entrevista concedida em 2011 à agência Nova Paraguai, Filizzola disse que em seu país “os poderes públicos estiveram historicamente corroídos fortemente pelo narcotráfico”. Explicou a origem: “Isto vem da ditadura, quando importantes políticos do regime stronista (do ditador Alfredo Stroessner) protegiam o trânsito de cocaína. Me refiro pontualmente a pistas clandestinas e outras coisas. Isso continua, talvez duma maneira menos visível. Se a gente olha as estatísticas de apreensão de cocaína e maconha são irrisórias para um país onde se estima a circulação de 60 a 70 toneladas de cocaína por ano”. Filizzola se queixava então de que “em zona de fronteiras é muito difícil encontrar juízes que condenem narcotraficantes” e confessou que durante sua gestão “tivemos problemas imensos com relação a casos vinculados com narcotraficantes”.
Quando se realizem as eleições, é previsível que o Paraguai volte a ser aceito como membro efetivo com plenos direitos no Mercosul. A esta altura já há uma novidade: poucos dias depois da suspensão de seus direitos, Brasil, Argentina e Uruguai aceitaram a entrada da Venezuela. Então governava Hugo Chávez. Muito em breve se saberá se o sucessor de Chávez se chama Nicolás Maduro, atual presidente em exercício, ou o opositor Henrique Capriles. As eleições serão uma semana antes que as paraguaias: em 14 de abril. Uma pesquisa da empresa Hinterlaces informa sobre uma diferença de 18 pontos a favor de Maduro, enquanto que Datanálisis registra 14. Ainda se os números estivessem inflados, coisa da qual não há evidência alguma, praticando-se um deságio semelhante fica uma diferença muito difícil de ser descontada por Capriles em tão pouco tempo.
Tradução: Jadson Oliveira
Observações do Evidentemente:
1 - Marco Enríquez-Ominami foi preterido pelo Partido Socialista (de Bachelet) na última eleição presidencial. Foi então candidato independente e ficou em 3º. lugar, com 20% dos votos. Agora deve voltar à disputa através de seu Partido Progressista. Aparentemente, tem uma posição mais à esquerda de Bachelet, que exerceu a presidência com uma política bem atrasada em relação aos demais presidentes latino-americanos considerados progressistas. É bastante lembrar que ela assinou um Tratado de Livre Comércio com o governo dos Estados Unidos.
2 - Advertência para melhor compreensão da conceituação na Argentina, como o faz o autor da matéria, jornalista argentino que comenta sobre política internacional: esquerda lá são os partidos e movimentos que chamaríamos aqui de esquerda radical, extrema esquerda, que priorizam a atuação junto às bases populares/operárias e não a ação parlamentar. Esquerda lá seria o equivalente aqui do PSTU, PCO, atual PCB. Partidos como PT e PCdoB, alinhados com os governos de Lula/Dilma, por exemplo, seriam considerados lá como de centro-esquerda. Esquerda lá é, por exemplo, o “Partido Obrero” (o PO, Obreiro, Operário), que não apóia os Kirchner e tem forte poder de mobilização entre os trabalhadores (costuma botar nas ruas uns 6 mil manifestantes), mas não consegue fazer uma base parlamentar. Partidos de esquerda lá são classificados, sem qualquer sentido de queimação, como trotskistas.
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