CORREA: NA AMÉRICA LATINA HÁ UMA OPOSIÇÃO CONSPIRADORA (Parte 1)



Correa denuncia "golpismo, conspiração permanente, em cumplicidade com alguns meios de comunicação" (Foto: Página/12)
Diálogo com o presidente do Equador, Rafael Correa, poucos dias depois de sua reeleição: ele falou da Argentina, do Mercosul, da dolarização, da lei dos meios de comunicação, da reforma judicial, do legado de Chávez, do modelo econômico, da tentativa de golpe e das características da oposição. Disse que “estamos preparando centenas, talvez milhares de quadros jovens”, ao responder se “vai preparar um delfim político como fez Lula com Dilma Rousseff”.

Por Mercedes López San Miguel, de Quito (entrevista publicada pelo jornal argentino Página/12, edição de 21/02/2013, com o título “Com a Argentina temos a mesma visão política”. Está dividida em duas partes. O título acima é deste blog).

No salão protocolar do Palácio Carondelet (sede do governo), Rafael Correa apareceu diante desta repórter com um sorriso, modos afáveis e uma aparência indestrutível. Quarenta e oito horas antes este homem de 49 anos havia conseguido um triunfo eleitoral contundente, não só porque continuará ocupando a cadeira presidencial, como porque seu partido Aliança País conquistou a maioria especial de dois terços na Assembleia (Congresso) Nacional. Segundo anunciou o presidente, Aliança País elegeu entre 97 e 98 deputados no Parlamento unicameral de 137 membros (no Equador não há Senado), o que habilita o presidente a fazer mudanças na Constituição aprovada em 2008 já durante a gestão do próprio Correa. “Estou bem sem gravata?”, disse, usando uma camisa celeste e paletó, antes de se sentar para conversar, rodeado de alguns assessores.

O mandatário do Equador, em entrevista exclusiva ao Página/12, contou o que propõe para os próximos quatro anos, incluindo seus planos em relação à Argentina e à incorporação do seu país ao Mercosul. Com voz tranquila e um pouco rouca, vestígio da campanha, Correa respondeu sobre todos os temas loquazmente, dando dados como economista que é, e se referiu à Lei da Comunicação sobre a qual tanto se tem escrito por estes dias nos veículos locais de imprensa. “Aqui temos que buscar um equilíbrio adequado: controlar os abusos da imprensa, mas sem que se caia em censura prévia”, assinalou, insistindo que se deve mudar uma lei herdada da ditadura. Também falou de Guillermo Lasso, ex-presidente do Banco de Guayaquil, que obteve o segundo lugar nas eleições, identificado por Correa como um adversário que se atém às regras da democracia.

– Como vê a relação com a Argentina nos próximos quatro anos? Que planos tem?

– Temos que seguir aprofundando a relação bilateral e tratar de equilibrar um pouco o comércio. É pouco o comércio, mas bastante desbalanceado, porque basicamente compramos da Argentina. E isso nos aproximará mais da potencial entrada no Mercosul. Não gosto de mercantilizar as relações bilaterais. O vínculo com a Argentina vai muito além do comercial, temos a mesma visão política. Cristina Fernández está dizendo coisas muito importantes, que também nós dizemos. Por exemplo, estes tratados de inversão recíproca, que foram uma entrega total de nossos países em mãos das transnacionais. Agora as transnacionais têm mais direitos do que os seres humanos? Se você quer ir à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos denunciar um atentado aos direitos humanos tem que esgotar todas as instâncias jurídicas do país respectivo. Aqui, qualquer transnacional pode acusar um Estado soberano diante do tribunal da ONU. Estes tribunais sempre condenam os Estados e defendem o capital. Isso está denunciando Cristina muito fortemente e nós também. Argentina e Equador sozinhos podemos fazer muito pouco. Mercosul e Unasul podemos fazer muito. Temos que criar nossas próprias instâncias de arbitragem e não estar submetidos às arbitragens internacionais que sempre estão a favor do capital das transnacionais. Esse é outro ponto de concordância com a Argentina: a coordenação política entre países pode fazer muito.

– Por isso em seu discurso falou de construir a pátria grande.

– É uma necessidade. Analise as políticas econômicas de antes dos Kirchner, analise aqui a política econômica da revolução cidadã. Os subsídios, sobre os quais tanto reclamam as oligarquias e os neoliberais. Anteriormente os subsídios eram para os ricos, não para os pobres, exemplo da sucretização de 1983 das dívidas da burguesia. Em 1999 tivemos “el salvataje bancario” (crise enfrentada com benefícios para os bancos em detrimento da população), com 6 bilhões de dólares nessa época. Construir essa pátria grande é uma questão de sobrevivência. Nós impomos as condições sobre esse capital transnacional. O que aconteceu com os trabalhadores, competir precarizando a força de trabalho, fazendo cair os salários reais. Se negociamos em conjunto com o capital internacional, nós colocamos as condições.

– A dolarização da economia equatoriana é uma trava para a incorporação do Equador ao Mercosul?

– A dolarização da nossa economia é uma trava para qualquer processo integracionista e de liberação comercial, porque a dolarização significa estabelecer outra política monetária. Um país que vai rumo a um mercado comum, se tem problemas deprecia sua moeda. Nós não temos moeda nacional, assim que tudo isso tem de ser pensado (a moeda corrente do Equador é o dólar). A entrada no Mercosul nos exige eliminar muitas taxas alfandegárias e subir outras; estamos fazendo a análise do benefício que teríamos para apresentar aos membros do Mercosul para ver se há prejuízos e nos possam dar compensações, sobretudo considerando que o Equador não tem moeda nacional. Nos interessa muito integrar o Mercosul e, modéstia à parte, interessa muito ao Mercosul a integração do Equador, porque seria um país com costa no Pacífico. E, além disso, porque temos proximidade ideológica com o bloco.

– Quando o comparam a Hugo Chávez, e veem você como um sucessor na liderança da região, o que responde?

- Que parem de opinar um pouquinho. Eu creio que falo em nome de Cristina, de Evo, não buscamos nada para nós, como isso de ser um sucessor. Estamos aqui para servir a nossos povos, não somente à pátria pequena, Equador, e sim à pátria grande. Estaremos onde nos necessitem nossos povos, seja como presidentes ou em outras funções.

– O Atpda (acordo de preferências alfandegárias com os EUA) vence dentro de pouco tempo. Peru e Colômbia já têm tratados de livre comércio com os EUA. O que vai fazer o Equador?

– Também está aí a Bolívia. As preferências alfandegárias nascem como uma compensação pela luta contra as drogas. Sobre a qual os países andinos têm responsabilidade porque são os maiores produtores de droga! Os Estados Unidos nada dizem sobre a responsabilidade que têm por consumi-la. Eduardo Galeano diz que as lutas contra a droga são compartilhadas: nós entramos com os mortos e eles com os narizes. O Atpda nasceu na administração Clinton como compensação nessa luta contra as drogas que é extremamente cara, que é uma causa da humanidade. Mas nós temos outras causas como a miséria, como crianças sem escolas, famílias sem hospitais. É uma nova forma de pressão contra os países que não se portam bem de acordo com a visão dos Estados Unidos. Cada ano temos que ficar nesse suspense se nos concedem ou não as preferências alfandegárias. Se concedem, bem, se não, saberemos ir em frente.

– Agora que terá maioria no Parlamento você disse que uma das prioridades será a aprovação da lei da comunicação. Suas críticos assinalam que ela cria um organismo governamental que regula conteúdos e pune os meios de comunicação que difundem conteúdos discriminatórios. Como se garante a plena liberdade de expressão?

– Você não vai acreditar no que vou dizer: eu não conheço o projeto de lei. Isso vem duma ordem constitucional aprovada pelo povo equatoriano nas urnas. Como a imprensa diz que esta lei vai se meter com os conteúdos, não apoia o cumprimento da Constituição de 2008, que foi aprovada com 63% dos votos e que impulsiona uma nova lei da comunicação. A imprensa a bloqueou sistematicamente com seus cúmplices na Assembleia (Nacional), você sabe que há deputados cúmplices dos poderes de fato. Em todo caso, é uma iniciativa legislativa que não conheço e já avisei ao presidente da Assembleia que se vai tramitar o projeto peço uma reunião para que não haja maiores vetos. Aqui temos que buscar um equilíbrio adequado: controlar os abusos da imprensa, mas sem que se caia em censura prévia. Aqui no Equador há sim uma lei dos meios de comunicação, uma lei da época da ditadura, claro, só para meios audiovisuais e impressos. E tem um conselho controlado completamente pelo Executivo, que pode até suspender canais de televisão. Então inventaram a mentira de que se quer agora controlar quando temos que mudar uma lei da ditadura.

– No caso dos meios opositores, acredita que aprenderam alguma lição depois da tentativa de golpe de 30 de setembro e sua questionada cobertura?

– Não. Ainda continuam negando que o 30 de setembro (de 2010) existiu. Incrível. Alguns, há pouco, publicaram uma caricatura dizendo que a tentativa de golpe foi uma invenção: que as ameaças de morte e os tiros contra o carro foram uma invenção. Creia-me que existem um sectarismo e fundamentalismo em alguns meios, que como diz Cristina Fernández, são meios de oposição. Porém nem sequer assumem sua responsabilidade política; quando se quer que respondam por suas posições políticas, aí são meios de comunicação que pedem que não os toquem. Esses senhores bloqueiam uma lei da comunicação que foi respaldada no referendo de 2011, para que não restem dúvidas de que o povo disse que quer essa lei. E continuam bloqueando.

– Outro dos projetos que você mencionou como fundamentais é o Código Penal. Seus detratores afirmam que se criminaliza o protesto. O que pode dizer sobre este ponto?

– (Mostra um sorriso irônico) Olha como é a má fé, o código atual tem um problema, tem uma seção que se chama Sabotagem e Terrorismo, onde são punidos os que bloqueiam vias, jogam pedras contra carros, etc. Nós temos que punir essas ações, mas não teriam que estar na seção Sabotagem e Terrorismo. Esta tipificação é equivocada e já está corrigida no novo código. Os que usaram esses slogans da criminalização do protesto obtiveram 3% dos votos, para que veja a quem representam. A principal preocupação do povo equatoriano é a segurança. O atual Código tem mais de 70 anos e estabelece delitos que já não existem, e não inclui outros que ocorrem agora como o sicariato. O novo Código Penal foi enviado há um ano à Assembleia, mas para causar dano a Correa, para que fracasse a luta contra a insegurança - que matem nossos filhos, que destruam nossa família -, não o aprovam. Mas graças ao povo equatoriano esse Código vai sair.

– Seu governo fará uma lei de casamento entre pessoas do mesmo sexo?

– Não. A Constituição diz que o casamento como instituição é entre pessoas de sexos diferentes. Nós promovemos muito os direitos e a não discriminação de quem quer que seja por qualquer motivo, menos ainda por suas preferências sexuais. A Constituição reconhece uniões de fato, por exemplo os direitos de herança, mas claramente a Carta Magna diz que o casamento é entre um homem e uma mulher.

– Proporá uma lei que descriminalize o aborto?

– Pessoalmente não irei propor nenhuma lei que vá mais além dos dois casos que já estão contemplados na legislação atual: no caso da violação duma mulher com incapacidade mental e no caso de estupro, quando se violenta uma menor.

– Quando disse no domingo que com alguns dirigentes opositores não ia dialogar, estava incluindo Guillermo Lasso?

– Não. Estamos muito contentes que se tenha consolidado uma direita ideológica, por fora duma “partidocracia” saqueadora e corrupta. Lasso tem um discurso coerente com sua ideologia, ainda que não estejamos de acordo com ela. A prática, o que se diz e o que se faz. Ele fez declarações muito corretas, muito definidoras, quando reconheceu a derrota e disse “somos a segunda força eleitoral e vamos inaugurar a oposição no Equador”, está reconhecendo que o que tivemos não era uma oposição. Bem-vinda a oposição democrática. Na América Latina não temos tido oposição democrática, temos tido oposição conspiradora. Lucio Gutiérrez apoiou o golpe de Estado do 30 de setembro! Naquele dia os opositores se reuniram num hotel cinco estrelas bebendo uísque importado e celebrando a queda do governo. Quando fracassaram na sua tentativa porque o povo equatoriano saiu às ruas para defender a democracia, ainda pediram uma anistia para todos os assassinos. O que disse Lasso é muito acertado, é que vai inaugurar uma oposição democrática. Tivemos golpismo, conspiração permanente, em cumplicidade com alguns meios de comunicação.

– Você disse na campanha que o processo equatoriano vai mais além de sua pessoa. Você vai preparar um delfim político como fez Lula com Dilma Rousseff?

– Estamos preparando centenas, talvez milhares de quadros jovens. Analise nossa lista de candidatos ao Parlamento e a média de idade que eles têm. Temos governadores de 25 anos, mulheres, confiamos muito na juventude e nas mulheres. No ministério tivemos ministros de 28 anos. Confiamos muito nos jovens, estamos preparando muitos quadros para que tomem o bastão. De acordo com a Constituição pode ser candidato a partir dos 35 anos, por aí passamos com a juventude. E depois de quatro anos os jovens terão somente 33 (sorri). Nosso projeto político não é Correa, é a revolução cidadã e ultrapassa qualquer pessoa.

Tradução: Jadson Oliveira

Comentários

Anônimo disse…
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Anônimo disse…
Tradução do comentário do anônimo anterior:

Aumenta a quantidade de pessoas hoje que adotam esta estratégia, a qual estão achando muito simples de praticar.