Honoré de Balzac |
- Vai chegar o dia, quero ver com esses olhos que a terra
há de comer, seo Florentino vai passar lá na seção e me cumprimentar, apertar
minha mão: “Sr. Juventino, parabéns, o senhor acaba de ser promovido a chefe de
seção”. Ai meu Deus, aí eu quero ver, eu sabia que as coisas iam mudar um dia,
pensava, com minha comissão dobrada e ganhando comissão sobre as vendas de
todos, será que Grande ia me apoiar? eu como chefe, agora sim, minha vida
sentimental ia mudar de qualidade, não precisava nem tirar um Simca Chambord no
programa de César de Alencar, a Dorinha, aquela gostosa lá do Palace Lila, ia
olhar pra mim quando eu entrasse no salão pra jantar: “Vocês já sabem? o
Juventino agora é chefe”. Ai meu Deus, aquela gostosa... quem sabe!? um dia...
e posso até ser citado por seo Florentino na festa do próximo aniversário da
Florensilva: “Quero distinguir neste momento a pessoa do Sr. Juventino Perpétuo
de Jesus como um empregado exemplar, acabamos de promovê-lo, merecidamente, à
chefia da importante seção de tecidos”. Minha mãe tinha de ver e ouvir isso, ia
tapar sua boca, “ah! Juventino, fica quieto no seu canto”, ah! uma porra, que
mãe desnaturada! queria ver sua cara quando me visse assim subindo na vida,
brilhando e conquistando belas mulheres, uma vida gloriosa, glamurosa, aí vocês
aqui dessa merda de boteco do Relógio de São Pedro não iam me ver mais por
aqui, o Ricardinho que vive me sacaneando, aquela Valquíria lá do elevador
metida à besta só porque já trabalhou em São Paulo, disse que na minha seção só
tinha babaca, eu ia beber lá no Hotel da Bahia, como aquele deputado lá da
minha terra que outro dia tava lá bebendo e dançando com Elza Soares, eu vi na
coluna social da Tarde, a coluna da July. Queria ver a cara dela... Vocês sabem
que a mãe do grande Honoré de Balzac também não acreditava nele, sempre
desdenhou dele, dizia que ele não tinha talento pra ser escritor, “ah! veja só,
escritor, quando muito um advogadozinho de porta de cadeia”, pois sim! o grande
Balzac assombrou o mundo com a “comédia humana”, pegou muitas mulheres, se bem
que ele só tinha sorte com coroas, mas pegou muitas mulheres da aristocracia,
sangue azul, acabou inclusive casando com uma nobre russa, se bem que já tava
fudido quando casou, mas era da nobreza, uma duquesa, parece, já tava fudido,
com 50 anos, o estômago arrombado de tomar café forte pra não dormir, ficava
escrevendo a noite toda pra pagar as dívidas, sonhando em ser nobre também, mas
casou e assombrou o mundo, isso é que é importante. Mas também nem adianta
falar essas coisas aqui nessa merda de boteco, aqui ninguém nunca leu um livro
na vida, tô dando pérolas a porcos, como diz o professor e jornalista
Altamirando Requião... e até outro dia, vou m’embora, tô aqui estragando meu
latim, vocês vão ver um dia, vou tapar a boca de todo mundo. Já paguei a conta
Ricardinho?
- Já, Juventino, vai com Deus, sábado que vem tem mais.
(Crônica
publicada no blog Pilha Pura em 31/03/12)
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