Ela estava sentada bem ali naquele canto, naquela mesa encostada na parede, junto lá do retrato de Bienvenido Granda, “o bigode que canta”, ai... gosto muito das suas canções, machuca o coração da gente, “perfume de gardênia... perfume de amor”, “angústia...”, você gosta? Na semana passada fui ver um show dele lá na Concha Acústica, uma beleza... Pois é, estava sozinha, meio bêbada, assim miudinha, já pensou? Vi daqui, sentado aqui, diante da minha cerveja... Bebendo sozinha num barzinho como esse, pensei, só pode ser puta, puxa, mas sábado à tarde, não pode ser, isso não é hora de puta trabalhar. O que mais chamava atenção eram os cabelos louros, uma beleza, quer dizer, os cabelos, a cara mesmo nem tanto, uns merdas aqui andaram dizendo que era feia, uma cara assim meio quadrada parecendo nortista, mas foi sacanagem do pessoal, só porque ela se interessou por mim, era bonita, bonitona, principalmente os cabelos louros. Doramunda, disse que chamava Doramunda mas eu podia chamar ela de Dora... pois então, deu a impressão que Dora gostou de mim, puxou conversa comigo, disse “que camisa bonita!”, ah... eu fiquei todo encabulado, quase engasguei quando Dora me chamou pra sentar na mesa dela. Também eu caprichei, fiz como nos filmes americanos, estendi a mão com o sorriso mais bonito que eu podia arranjar e recitei: “Juventino Perpétuo de Jesus”, eu tinha treinado em casa, lá no quarto da pensão, escondido da turma, um dia eu ia encontrar uma moça bonita e me apresentar como nos filmes, acho que me saí muito bem, queria que minha mãe me visse naquela hora, queria que ela visse, parece que ela não acreditava muito em mim, eu sempre carreguei essa mágoa no peito, pois é, queria que ela visse. E Dora parece que tinha gostado mesmo, sorriu, uns dentes estragados assim na frente, mas sorriu bonito: “Doramunda Paixão, muito prazer, cavalheiro”, você precisava ver, parecia nos filmes, só queria que minha mãe visse... Pode perguntar ao garçon, o Ricardinho, ele viu tudo. Eu estava vestindo aquela camisa Ban-lon, aquela bege, eu às vezes levo ela lá pro trabalho, lá na Florensilva, e depois do meio-dia eu visto ela, tiro a camisa branca e a gravata, a farda, né? passo uma água nos sovacos pra tirar o suor e visto a minha Ban-lon, sempre pensei: um dia vou pegar uma garota com essa Ban-lon, claro que se eu tirasse um Simca Chambord no programa de César de Alencar, lá da Florensilva, grande Florensilva de seo Florentino, ah... aí ia ser fácil, ia chover garotas, mas tudo bem... Essa Ban-lon eu comprei tem três meses, foi um acontecimento, comprei ali mais abaixo na Milisan, ali no Sulacap, você sabe, ficou famosa quando botaram a propaganda “o gerente da Milisan ficou maluco” pra dizer que estavam vendendo barato demais, coisa dos publicitários... Pois então, comprei minha Ban-lon tem três meses, foi na primeira Gratificação de Natal dos Trabalhadores, tem gente que tá chamando décimo terceiro salário, mas é a Gratificação de Natal que o presidente João Goulart criou pro trabalhador no ano passado, em 62. Não pense que tô grogue porque tô acabando a segunda cerveja, não senhor, tô lembrando de tudo... Dora botou o olho na camisa Ban-lon e aí, já viu, né? Mas é uma porra... A coisa parece que ia bem, alisei seu braço, cheguei a passar a mão nos seus cabelos, Dora me deu um beijo na mão, me disse a mim, com toda franqueza, achei lindo: “sou loura farmácia”, lá em São Paulo se diz assim quando é loura de pintura, já te disse que ela disse que era paulista?, paulista não, paulistana, você sabe, paulistana é da capital, de São Paulo, a maior cidade da América do Sul, ou da América toda? É maior do que Nova Iorque, do que a Cidade do México? Pois então, paguei pra ela um sanduíche de mortadela, me pediu 20 paus, disse que era emprestado... Mas aí, de repente, não sei bem o que aconteceu, eu estava entusiasmado demais, fazendo mil cálculos, me sentindo assim nas nuvens, meio bêbado também, quando dei por mim Dora estava saindo com um cara agarrado nela, com o braço passado na cintura, eu não acreditei, vá pra porra, não é possível, é muita sacanagem... eu tô bom é de morrer...
Porra, Juventino, será mesmo que você nunca pegou uma garota, nunca comeu uma mulher? não tem quem aguenta esse lenga-lenga seu todo sábado à tarde, o Ricardinho disse que agora só vai te vender uma cerveja, não vai ter mais a segunda, ninguém aguenta mais, oh Juventino!, sossega Juventino, sábado que vem tem mais Juventino.
(Crônica publicada no blog Pilha Pura em 03/03/2012)
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