BLOGUEIRA CUBANA MINIMIZA AS TENTATIVAS DE INGERÊNCIA DOS EUA


Yoani Sánchez
Entrevista com Yoani Sánchez, por Salim Lamrani, jornalista francês: “Luis Posadas Carriles, a lei de Ajuste Cubano e a emigração” – Parte 9 (final)

(A entrevista é bem longa: esta é a última das nove partes em que está dividida. Peguei no blog Fazendo Media: a média que a mídia faz. O título acima é deste blog)

Salim Lamrani – O que acha de Luis Posada Carriles, ex-agente da CIA responsável por numerosos crimes em Cuba e a quem os Estados Unidos recusam-se a julgar?

Yoani Sánchez – É um tema político que não interessa às pessoas. É uma cortina de fumaça.

SL – Interessa, pelo menos, aos parentes das vítimas. Qual é seu ponto de vista a respeito?

YS – Não gosto de ações violentas.

SL – Condena seus atos terroristas?

YS – Condeno todo ato de terrorismo, inclusive os cometidos atualmente no Iraque por uma suposta resistência iraquiana que mata os iraquianos.

SL – Quem mata os iraquianos? Os ataques da resistência ou os bombardeios dos Estados Unidos?

YS – Não sei.

SL – Uma palavra sobre a lei de Ajuste Cubano, que determina que todo cubano que emigra legal ou ilegalmente para os Estados Unidos obtém automaticamente o status de residente permanente.

YS – É uma vantagem que os demais países não têm. Mas o fato de os cubanos emigrarem para os Estados Unidos deve-se à situação difícil aqui.

SL – Além disso, os Estados Unidos são o país mais rico do mundo. Muitos europeus também emigram para lá. A senhora reconhece que a lei de Ajuste Cubano é uma formidável ferramenta de incitação à emigração legal e ilegal?

YS – É, efetivamente, um fator de incitação.

SL – A senhora não vê isso como uma ferramenta para desestabilizar a sociedade e o governo?

YS – Neste caso, também podemos dizer que a concessão da cidadania espanhola aos descendentes de espanhóis nascidos em Cuba é um fator de desestabilização.

SL – Não tem nada a ver, pois existem razões históricas e, além disso, a Espanha aplica esta lei a todos os países da América Latina e não só a Cuba, enquanto a lei de Ajuste Cubano é única no mundo.

YS – Mas existem fortes relações. Joga-se beisebol em Cuba como nos Estados Unidos.

Salim Lamrani
SL – Na República Dominicana também, mas não existe uma lei de ajuste dominicano.

YS – Existe, no entanto, uma tradição de aproximação.

SL – Então por que esta lei não foi aprovada antes da Revolução?

YS – Por que os cubanos não queriam deixar seu país. Na época, Cuba era um país de imigração, não de emigração.

SL – É absolutamente falso, já que, nos anos 50, Cuba ocupava o segundo lugar entre os países americanos em termos de emigração rumo aos Estados Unidos, imediatamente atrás do México. Cuba mandava mais emigrantes para os Estados Unidos que toda a América Central e toda a América do Sul juntas, enquanto que atualmente Cuba só ocupa o décimo lugar apesar da lei de Ajuste Cubano e das sanções econômicas.

YS – Talvez, mas não havia essa obsessão de abandonar o país.

SL – As cifras demonstram o contrário. Atualmente, repito, Cuba só ocupa o décimo lugar no continente americano em termos de fluxo migratório para os Estados Unidos. Então a obsessão da qual você me fala é mais forte en nove países do continente pelo menos.

YS – Sim, mas naquela época os cubanos iam e regressavam.

SL- É a mesma coisa hoje, já que a cada ano os cubanos do exterior voltam nas férias. Além disso, antes de 2004 e das restrições impostas pelo presidente Bush limitando as viagens dos cubanos dos EUA a 14 dias a cada três anos, os cubanos constituíam a minoria dos EUA que viajava com mais frequência a seu país de origem, muito mais que os mexicanos, por exemplo, o que demonstra que os cubanos dos EUA são, na imensa maioria, emigrados econômicos e não exilados políticos, já que voltam a seu país em visita, algo que um exilado político não faria.

YS- Sim, mas pergunte-lhes se querem voltar a viver aqui.

SL- Mas é o que a senhora fez, não? Além disso, em seu blog, a senhora escreveu em julho de 2007 que seu caso não era isolado. Cito: “Há três anos [...] em Zurique, decidi voltar e permanecer em meu país. Meus amigos acharam que era uma piada, minha mãe negou-se a aceitar que sua filha já não vivia na Suíça do leite e do chocolate”. Em 12 de agosto de 2004, a senhora se apresentou no escritório de imigração provincial de Havana para explicar seu caso. A senhora escreveu: “Tremenda surpresa quando me disseram para procurar o último da fila dos ‘que regressam’. [...] E logo encontrei outros ‘loucos’ como eu, cada um com sua cruel história de retorno”. Então existe esse fenômeno de regresso ao país.

YS- Sim, mas é gente que regressa por razões pessoais. Há alguns que têm dívidas no exterior, outros que não suportam a vida lá fora. Enfim, uma multidão de razões.

SL- Então, apesar das dificuldades e das vicissitudes cotidianas, a vida não é tão terrível aqui, já que alguns regressam. A senhora acha que os cubanos têm uma visão idílica demais da vida no exterior?

YS- Isto se deve à propaganda do regime, que apresenta de uma maneira negativa demais a vida lá fora, com um resultado oposto para as pessoas, que idealizam demais o modo de vida ocidental. O problema é que, em Cuba, a emigração de mais de onze meses é definitiva. As pessoas não podem viver dois anos fora, voltar por um tempo e ir embora de novo etc. (A entrevista foi feita antes da reforma migratória anunciada pelo governo cubano há uns três meses e cujas mudanças principais entram em vigor em janeiro próximo).

SL- Então, se compreendo bem, o problema em Cuba é mais de ordem econômica, já que as pessoas querem abandonar o país só para melhorar seu nível de vida.

YS- Muitos gostariam de viajar ao exterior e poder voltar logo, mas as leis migratórias não permitem. Tenho certeza de que, se fosse possível, muita gente emigraria por dois anos e voltaria logo para ir embora de novo e regressar, etc.

SL- Em seu blog, houve comentários interessantes a respeito. Vários emigrados falaram de suas desilusões com o modo de vida ocidental.

YS- É muito humano. Você se apaixona por uma mulher e, três meses depois, perde suas ilusões. Compra um par de sapatos e, depois de dois dias, não gosta deles. As desilusões são parte da condição humana. O pior é que as pessoas não podem voltar.

SL- Mas as pessoas voltam.

YS- Sim, mas só de férias.

SL- Mas têm o direito de ficar todo o tempo que quiserem, vários anos inclusive, salvo o fato de perderem algumas vantagens vinculadas à condição de residente permanente, como os cupons de racionamento, a prioridade para a moradia etc.

YS- Sim, mas as pessoas não podem ficar aqui por vários meses, pois têm sua vida lá fora, seu trabalho etc.

SL- Isso é outra coisa, e é igual para todos os emigrados do mundo inteiro. Em todo caso, as pessoas podem perfeitamente voltar a Cuba quando quiserem e permanecer no país o tempo que quiserem. O único problema é que, se ficam mais de onze meses fora do país, perdem algumas vantagens. Por outro lado, custa-me compreender por que, se a realidade é tão terrível aqui, alguém que tem a oportunidade de viver fora, em um país desenvolvido, desejaria voltar para viver novamente em Cuba.

YS- Por múltiplas razões, por seus laços familiares etc.

SL- Então a realidade não é tão dramática.

YS- Não diria isso, mas alguns têm melhores condições de vida que outros.

SL- Quais são, para a senhora, os objetivos do governo dos EUA em relação a Cuba?

YS- Os EUA querem uma mudança de governo em Cuba, mas isso é o que quero também.

SL- Então a senhora compartilha um objetivo com os EUA.

YS- Como muitos cubanos.

SL- Não estou convencido disso. Mas por quê? Porque é uma ditadura? O que Washington quer de Cuba?

YS- Creio que se trata de um questão geopolítica. Há também a vontade dos exilados cubanos, que são levados em conta, e querem uma nova Cuba, o bem-estar dos cubanos.

SL- Com a imposição de sanções econômicas?

YS- Tudo depende de quem é a referência. Quanto aos EUA, creio que querem impedir a explosão da bomba migratória.

SL- Ah, é? Com a lei de Ajuste Cubano, que incita os cubanos a abandonar o país? Não é sério. Por que não anulam essa lei, então?

YS- Creio que o verdadeiro objetivo dos EUA é acabar com o governo de Cuba para dispor de um espaço mais estável. Muito se fala de Davi contra Golias para descrever o conflito. Mas o único Golias, para mim, é o governo cubano, que impõe um controle, a ilegalidade, os baixos salários, a repressão, as limitações.

SL- A senhora não acha que a hostilidade dos EUA contribuiu para isso?

YS- Não apenas acho que contribuiu, mas também que se transformou no principal argumento para se afirmar que vivemos em uma fortaleza assediada e que toda dissidência é traição. Acredito que, na verdade, o governo cubano teme que este confronto desapareça. O governo cubano quer a manutenção das sanções econômicas.

SL- Verdade? Porque é exatamente o que diz Washington, de um modo um pouco contraditório, pois, se fosse o caso, deveria suspender as sanções e assim deixar o governo cubano diante de suas próprias responsabilidades. Já não existiria a desculpa das sanções para justificar os problemas de Cuba.

YS- Cada vez que os EUA tentaram melhorar a situação, o governo cubano teve uma atitude contraproducente.

SL- Em que momento os EUA tentaram melhorar a situação? Desde 1960 só se reforçaram as sanções, à exceção da era Carter. Por isso é difícil manter esse discurso. Em 1992, os EUA votaram a lei Torricelli, com caráter extraterritorial; em 1996, a lei Helms-Burton, extraterritorial e retroativa; em 2004, Bush adotou novas sanções, e as ampliou em 2006. Não podemos dizer que os Estados Unidos tentaram melhorar a situação. Os fatos provam o contrário. Além disso, se as sanções são favoráveis ao governo cubano e servem apenas de desculpa, por que não eliminá-las? Não são os dirigentes que sofrem com as sanções, e sim o povo.

YS- Obama deu um passo nesse sentido – insuficiente, talvez, mas interessante.

SL- Ele apenas eliminou as restrições que Bush impôs aos cubanos e lhes impedia de viajar a seu país por mais de 14 dias a cada três anos, na melhor das hipóteses, e contanto que tivessem um membro direto de sua família em Cuba. Bush inclusive redefiniu o conceito de família. Um cubano da Flórida com apenas um tio em Cuba não podia viajar a seu país, porque o tio não era considerado membro “direto” da família. Obama não eliminou todas as sanções impostas por Bush, e nem sequer voltamos à situação que havia com Clinton.

YS-Creio que as duas partes deveriam, sobretudo, baixar o tom, e Obama o fez. Mas Obama não pode eliminar as sanções, pois falta um acordo no Congresso.

SL- Mas pode aliviá-las consideravelmente assinando simples ordens executivas, o que por enquanto ele se recusa a fazer. Está ocupado com outros temas, como o desemprego e a reforma da saúde. No entanto, teve tempo de responder à sua entrevista.

YS- Sou uma pessoa de sorte.

SL- A posição do governo cubano é a seguinte: não temos de dar nenhum passo em direção aos EUA, pois não impomos sanções aos EUA.

YS- Sim, e o governo diz também que os EUA não devem pedir mudanças internas, pois isso é ingerência.

SL- É o caso, não?

YS- Então, se eu pedir uma mudança, também é ingerência?

SL- Não, porque a senhora é cubana e, por isso, tem direito de decidir o futuro de seu país.

YS- O problema não é quem pede as mudanças, e sim quais são as mudanças em questão.

SL- Não estou certo disso, porque, como francês, não gostaria que o governo belga ou o governo alemão se intrometessem nos assuntos internos da França. Como cubana, a senhora aceita que o governo dos EUA lhe diga como deve governar seu país?

YS- Se o objetivo é agredir o país, é evidentemente inaceitável.

SL- A senhora considera as sanções econômicas uma agressão?

YS- Sim, as considero uma agressão que não teve resultados e é uma múmia da guerra fria que não faz nenhum sentido, atinge o povo e tem fortalecido o governo. Mas repito que o governo cubano é responsável por 80% da crise econômica atual, enquanto 20% resultam das sanções.

SL - Volto a repetir: é exatamente a posição do governo dos EUA, e os números provam o contrário. Se fosse o caso, não creio que 187 países do mundo se preocupassem em votar uma resolução contra as sanções. É a 18ª vez consecutiva que uma imensa maioria dos países da ONU se pronuncia contra esse castigo econômico. Se fosse marginal, não creio que eles se incomodassem. (Já houve a 19a. votação na ONU: nesta última, 188 dos 193 países votaram contra as sanções).

YS - Mas não sou uma especialista em economia, é minha impressão pessoal.

SL - O que a senhora aconselha para Cuba?

YS - É preciso liberalizar a economia. É claro que isso não pode ser feito de um dia para o outro, pois provocaria uma ruptura e disparidades que afetariam os mais vulneráveis. Mas é preciso fazê-lo gradualmente e o governo cubano tem a possibilidade de fazê-lo.

SL - Um capitalismo “sui generis”, como a senhora diz.

YS - Cuba é uma ilha sui generis. Podemos criar um capitalismo sui generis.

SL - Yoani Sánchez, obrigado por seu tempo e disponibilidade.

YS - Eu que agradeço

Comentários