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Por Marco Aurélio Weissheimer (do portal Carta Maior, de 02/11/2012)
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Porto Alegre
- O desconhecimento que a maioria da população brasileira tem em relação à
cultura latino-americana não chega a ser uma novidade. Mas ele fica mais
gritante e absurdo quando referido por artistas e intelectuais de língua
espanhola que têm grande conhecimento da cultura brasileira. Em 1986, o jovem
escritor cubano Reinaldo Montero, vencedor do prêmio Casa de las Américas
naquele ano com a novela Donjuanes, foi convidado para a Bienal do Livro
em São Paulo. Quando
chegou ao hotel, em São
Paulo, viu em um mapa que estava muito perto da esquina da
Ipiranga com a São João. “Eu saí do hotel e fui até à esquina da Ipiranga com
São João, o que, naquele tempo, era muito perigoso. Esse é o exemplo vivo do
conhecimento que há em Cuba sobre o Brasil. Não sei quantos brasileiros podem
ir a Havana e fazer algo assim...,” comenta.
Convidado para participar da Feira do Livro de Porto Alegre, Montero concedeu entrevista à Carta Maior e falou sobre a influência da cultura brasileira na literatura, cinema e música cubana. Escritor, dramaturgo e roteirista de cinema, Reinaldo Montero foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras (As afinidades, 1999). Na entrevista, realizada no Memorial do Rio Grande do Sul, ele também fala sobre a relação entre inspiração e transpiração no ato de escrever, sobre o impacto da internet e das redes sociais na literatura e na relação dos autores com críticos e público, e sobre o atual momento da vida cultural cubana. Ao final, aponta uma relação de escritores e dramaturgos, cujo trabalho ajuda a refletir sobre o atual estágio da civilização. Montero não é muito otimista: “Vivemos um momento adolescente como espécie. E tenho dúvida se vamos amadurecer algum dia”.
Além do Casa de las Américas, em 1986, Montero ganhou prêmios em Cuba, Espanha e França, já teve três roteiros filmados, várias peças encenadas e é autor de novelas, poesias e ensaios.
Há uma grande ignorância brasileira em relação à cultura da América hispânica, o que se aplica também ao caso da cultura cubana...
Reinaldo Montero: Sabe o que acontece? Os brasileiros, a maioria deles ao menos, não se sentem latino-americanos. Isso é muito curioso porque a influência do Brasil na América Latina e, em especial, em Cuba, é extraordinária. O conhecimento que há do Brasil em Cuba é enorme: o tropicalismo, o Cinema Novo, o primeiro título da coleção Casa de las Americas foi Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Essa influência é mais antiga ainda e chega até a música que vocês chamam de erudita. As Bachianas de Villa Lobos, em especial uma interpretação memorável que se fez da Bachiana nº 5, influenciaram o nacionalismo musical cubano, a música “culta”, como se diz em espanhol, nos anos 30 e 40. Depois, com o tropicalismo e o Cinema Novo, nos anos 50 e 60, poderia se dizer que a música brasileira era tão cubana quanto a cubana.
Eu vim para o Brasil pela primeira vez, em 1986, convidado pela Câmara do Livro de São Paulo, para a Bienal do Livro. Eu lembro que cheguei à noite e me levaram para o hotel. Quando cheguei na recepção do hotel vi num mapa da cidade que estava perto da Ipiranga com a São João. Ipiranga com São João? Alguma coisa acontece no meu coração... Eu saí do hotel e fui até à esquina da Ipiranga com São João, o que, naquele tempo, era muito perigoso. Esse é o exemplo vivo do conhecimento que há em Cuba sobre o Brasil. Não sei quantos brasileiros podem ir a Havana e fazer algo assim...
Pouquíssimos, certamente. E no seu trabalho como escritor, dramaturgo e ficcionista aparece essa influência também?
Nessa minha vinda ao Brasil em 1986 fiz minha primeira tentativa de ler português. Trazia comigo Grande Sertão Veredas e um parágrafo marcado para que meu amigo Humberto Werneck, jornalista da Isto É na época, me explicasse o significado. Neste parágrafo eu entendia todas as palavras isoladamente, mas não entendia nada. Perguntei a ele que respondeu: eu também não sei, quer que eu seja adivinho... Meu interesse pela literatura brasileira está baseado na Casa de las Americas que publicou no primeiro número de sua coleção latino-americana, nos anos 60, as Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Eu li o livro nos anos 70 e depois li outras histórias de Machado que foram publicadas um pouco mais tarde.
Convidado para participar da Feira do Livro de Porto Alegre, Montero concedeu entrevista à Carta Maior e falou sobre a influência da cultura brasileira na literatura, cinema e música cubana. Escritor, dramaturgo e roteirista de cinema, Reinaldo Montero foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras (As afinidades, 1999). Na entrevista, realizada no Memorial do Rio Grande do Sul, ele também fala sobre a relação entre inspiração e transpiração no ato de escrever, sobre o impacto da internet e das redes sociais na literatura e na relação dos autores com críticos e público, e sobre o atual momento da vida cultural cubana. Ao final, aponta uma relação de escritores e dramaturgos, cujo trabalho ajuda a refletir sobre o atual estágio da civilização. Montero não é muito otimista: “Vivemos um momento adolescente como espécie. E tenho dúvida se vamos amadurecer algum dia”.
Além do Casa de las Américas, em 1986, Montero ganhou prêmios em Cuba, Espanha e França, já teve três roteiros filmados, várias peças encenadas e é autor de novelas, poesias e ensaios.
Há uma grande ignorância brasileira em relação à cultura da América hispânica, o que se aplica também ao caso da cultura cubana...
Reinaldo Montero: Sabe o que acontece? Os brasileiros, a maioria deles ao menos, não se sentem latino-americanos. Isso é muito curioso porque a influência do Brasil na América Latina e, em especial, em Cuba, é extraordinária. O conhecimento que há do Brasil em Cuba é enorme: o tropicalismo, o Cinema Novo, o primeiro título da coleção Casa de las Americas foi Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Essa influência é mais antiga ainda e chega até a música que vocês chamam de erudita. As Bachianas de Villa Lobos, em especial uma interpretação memorável que se fez da Bachiana nº 5, influenciaram o nacionalismo musical cubano, a música “culta”, como se diz em espanhol, nos anos 30 e 40. Depois, com o tropicalismo e o Cinema Novo, nos anos 50 e 60, poderia se dizer que a música brasileira era tão cubana quanto a cubana.
Eu vim para o Brasil pela primeira vez, em 1986, convidado pela Câmara do Livro de São Paulo, para a Bienal do Livro. Eu lembro que cheguei à noite e me levaram para o hotel. Quando cheguei na recepção do hotel vi num mapa da cidade que estava perto da Ipiranga com a São João. Ipiranga com São João? Alguma coisa acontece no meu coração... Eu saí do hotel e fui até à esquina da Ipiranga com São João, o que, naquele tempo, era muito perigoso. Esse é o exemplo vivo do conhecimento que há em Cuba sobre o Brasil. Não sei quantos brasileiros podem ir a Havana e fazer algo assim...
Pouquíssimos, certamente. E no seu trabalho como escritor, dramaturgo e ficcionista aparece essa influência também?
Nessa minha vinda ao Brasil em 1986 fiz minha primeira tentativa de ler português. Trazia comigo Grande Sertão Veredas e um parágrafo marcado para que meu amigo Humberto Werneck, jornalista da Isto É na época, me explicasse o significado. Neste parágrafo eu entendia todas as palavras isoladamente, mas não entendia nada. Perguntei a ele que respondeu: eu também não sei, quer que eu seja adivinho... Meu interesse pela literatura brasileira está baseado na Casa de las Americas que publicou no primeiro número de sua coleção latino-americana, nos anos 60, as Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Eu li o livro nos anos 70 e depois li outras histórias de Machado que foram publicadas um pouco mais tarde.
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Depois
li São Bernardo, que gostei muito mais do que Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
Ou seja, desde o meu período de formação eu lia naturalmente autores
brasileiros e, é claro, muitas outras coisas. Eu lia com uma fúria adolescente
que evoco com nostalgia, com saudade, como diriam vocês. Também li a poesia de
Drummond de Andrade e de Vinicius de Moraes. Um pouco mais tarde, chegou
Clarice Lispector, sobretudo A paixão segundo GH, e, mais recentemente, Raduan
Nassar. E todas essas leituras foram facilitadas pelas edições cubanas. Cabe
lembrar também que na Casa de las Americas há um prêmio de literatura
brasileira.
(...)
(...)
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A
falta de inspiração é a desculpa dos poetas e dos escritores preguiçosos. Eu
creio que alguém possa ter momentos inspirados, que eu prefiro chamar de
momentos de lucidez, mas esses momentos chegam quando você está trabalhando. Eu
sempre ando com uma caneta e papel. Olha, o papel está em branco. Hoje ainda
não me ocorreu nada. Mas a qualquer momento pode ocorrer algo. Esse momento
poderia ser chamado de inspiração, mas eu não gosto da palavra.
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·
(...)
O desconhecimento que grassa no Brasil sobre a cultura cubana anda de mãos dadas com alguns estereótipos sobre a vida intelectual em Cuba. Um deles consiste em dizer que em Cuba há basicamente dois tipos de intelectuais: os dissidentes e os oficialistas. É isso mesmo? Como é que você define a vida intelectual em Cuba hoje?
Um estereótipo responde sempre a uma realidade. Quando se diz que o brasileiro é um povo alegre, pode ser que você seja um pouco triste, mas em geral os brasileiros são extrovertidos. É claro que nem todos o são, há os introvertidos, há suicidas, tudo o que quiser. Mas é difícil que eu consiga convencer alguém da profunda melancolia do povo brasileiro. Então, os estereótipos respondem a uma realidade. O que ocorre, e aí os estereótipos começam a não servir para nada, é que a realidade é mais rica, mais matizada. Quando chegamos à essência de um fenômeno, ele é sempre mais rico.
Portanto, a realidade é mais rica. Há um pouco de tudo. Quanto à intelectualidade cubana, é certo que há uma profunda divisão entre intelectuais oficialistas e intelectuais dissidentes. Como sempre ocorre, dos dois lados há gente boa e inteligente e gente que não serve para nada. Essa polarização é extrema, e neste sentido corresponde ao estereótipo, mas ela é muito mais rica que ele.
As mudanças econômicas que estão acontecendo em Cuba estão se refletindo também na vida cultural do país?
As mudanças tão anunciadas estão ocorrendo a conta-gotas, de forma muita lenta. São mudanças muito elementares. Não há mudanças profundas na economia ou na estrutura do Estado. Realmente não sei se o governo tem uma ideia clara de como fazer as coisas, ou se está tateando em busca de um caminho. Na arte, as mudanças já vieram muito antes. Desde antes da queda do muro de Berlim, a arte começou a ser cada vez mais crítica com a realidade. Eu mesmo não sou um escritor complacente com a realidade. Aliás, sou muito crítico com a realidade.
Já teve algum problema por causa disso?
Não. O que escrevo, é publicado. Eu não me meto na esfera política. É claro que, como dizia Aristóteles, todos somos animais políticos. Como todo homem, tenho preocupações políticas. Aqui entre nós, creio que a política hoje é a profunda desgraça da humanidade e explica o nosso momento adolescente como espécie. O homem, como espécie, é um adolescente. Votar em um político, em Pelotas ou nos Estados Unidos, por conta da simpatia ou da aparência do mesmo, é um reflexo da nossa profunda adolescência. Não amadurecemos, de fato, como espécie, e tenho dúvida se vamos amadurecer algum dia.
O desconhecimento que grassa no Brasil sobre a cultura cubana anda de mãos dadas com alguns estereótipos sobre a vida intelectual em Cuba. Um deles consiste em dizer que em Cuba há basicamente dois tipos de intelectuais: os dissidentes e os oficialistas. É isso mesmo? Como é que você define a vida intelectual em Cuba hoje?
Um estereótipo responde sempre a uma realidade. Quando se diz que o brasileiro é um povo alegre, pode ser que você seja um pouco triste, mas em geral os brasileiros são extrovertidos. É claro que nem todos o são, há os introvertidos, há suicidas, tudo o que quiser. Mas é difícil que eu consiga convencer alguém da profunda melancolia do povo brasileiro. Então, os estereótipos respondem a uma realidade. O que ocorre, e aí os estereótipos começam a não servir para nada, é que a realidade é mais rica, mais matizada. Quando chegamos à essência de um fenômeno, ele é sempre mais rico.
Portanto, a realidade é mais rica. Há um pouco de tudo. Quanto à intelectualidade cubana, é certo que há uma profunda divisão entre intelectuais oficialistas e intelectuais dissidentes. Como sempre ocorre, dos dois lados há gente boa e inteligente e gente que não serve para nada. Essa polarização é extrema, e neste sentido corresponde ao estereótipo, mas ela é muito mais rica que ele.
As mudanças econômicas que estão acontecendo em Cuba estão se refletindo também na vida cultural do país?
As mudanças tão anunciadas estão ocorrendo a conta-gotas, de forma muita lenta. São mudanças muito elementares. Não há mudanças profundas na economia ou na estrutura do Estado. Realmente não sei se o governo tem uma ideia clara de como fazer as coisas, ou se está tateando em busca de um caminho. Na arte, as mudanças já vieram muito antes. Desde antes da queda do muro de Berlim, a arte começou a ser cada vez mais crítica com a realidade. Eu mesmo não sou um escritor complacente com a realidade. Aliás, sou muito crítico com a realidade.
Já teve algum problema por causa disso?
Não. O que escrevo, é publicado. Eu não me meto na esfera política. É claro que, como dizia Aristóteles, todos somos animais políticos. Como todo homem, tenho preocupações políticas. Aqui entre nós, creio que a política hoje é a profunda desgraça da humanidade e explica o nosso momento adolescente como espécie. O homem, como espécie, é um adolescente. Votar em um político, em Pelotas ou nos Estados Unidos, por conta da simpatia ou da aparência do mesmo, é um reflexo da nossa profunda adolescência. Não amadurecemos, de fato, como espécie, e tenho dúvida se vamos amadurecer algum dia.
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(Para ler toda a entrevista)
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