NECESSITAMOS DOS INDIGNADOS; ESTAMOS FARTOS DOS INDIGNOS



Galeano durante entrevista ao La Jornada: "Estão obrigando os países a apertar o cinto e baixar as calças ao mesmo tempo" (Foto: Yazmín Ortega Cortés)
O projeto neoliberal é irrealizável, manifesta Eduardo Galeano a La Jornada: “Os movimentos deflagrados pelos jovens são lições de dignidade contra o medo”

Por Ericka Montaño Garfias, do jornal mexicano La Jornada, de 26/10/2012




A memória é uma espécie com risco de extinção, em lugar de recordar mais recordamos menos, diz Eduardo Galeano a La Jornada dias depois de receber o Prêmio Amalia Solórzano de Cárdenas 2012 (mulher de muito prestígio no México, foi esposa do ex-presidente general Lázaro Cárdenas – 1934-1940), e com um novo livro: Los hijos de los días (Siglo XXI) – Os filhos dos dias – editora Século XXI -, que em 5 de novembro apresentará na Sala Nezahualcóyotl (no Centro Cultural Universitário, Cidade do México).

Galeano, que chama a si mesmo um “cuentacuentos” (conta-contos), que fala de memória num país onde o PRI (Partido Revolucionário Institucional) regressa ao poder (eleição há quase dois meses de Peña Nieto como presidente), e responde com um sorriso ao ser perguntado sobre as perspectivas para o México: Não vendo gelo aos esquimós.

Eduardo Galeano que tem dedicado boa parte de sua obra a recuperar essas pequenas histórias, esquecidas, as que lhe chegam enquanto caminha pelas ruas de Montevideo e lhe pedem que as conte, ou ao menos que as escreva em suas míticas cadernetas (uma delas perdida nesta viagem) ou em qualquer pedacinho de papel para ver se depois se convertem em história de umas quantas linhas.

Porque assim são suas histórias, breves, porém não simples. Profundas e com ganas de se livrarem de carimbos dos gêneros literários, como ele mesmo diz, porque não lhe agrada que o olhem como dentro de um microscópio e digam: isto é ensaio, isto é poesia, aquilo é prosa. O escritor de olhos azuis, sua memória, seus livros, que não acredita nas musas inspiradoras. Galeano e seus leitores, que o detêm na entrada do hotel onde se hospeda para dizer-lhe: Desculpe, não vou perder esta oportunidade, deixa-me cumprimentá-lo.

Imposição que vem da Alemanha

Falamos então dos jovens, dos escritos, e de como a memória poderia extinguir-se. Por isso “me encantou comprovar que Amalia Solórzano não foi uma mulher esquecida. Não foi uma mulher obediente, porque discutia muito com o general Cárdenas; mas o México deve a este casal a independência real, porque converteu o petróleo – essa mercadoria valiosa no mercado – em uma bandeira da dignidade nacional: por isso mesmo a querem privatizar.

“O objetivo dos donos do mundo é lograr um mundo obediente: há que se ver o que é a humilhação da Europa, porque antes parecia que a humilhação era um triste privilégio nosso. Impõem desde a Alemanha e o que Hitler não pôde fazer com a violência o estão fazendo democraticamente esta senhora Angela Merkel e os seus. Dão as ordens: vocês têm que fazer isto e isto e isto numa contradição que não tem saída porque estão obrigando os países, a todos, a apertar o cinto e baixar as calças ao mesmo tempo”.
Manifestação de jovens indignados mexicanos (Foto: da Internet)
“Não se pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo: ou se baixam as calças ou se aperta o cinto. Isso é o que condena ao fracasso estas políticas, não somente porque felizmente no mundo ainda há mais indignados do que indignos, ou pode haver em todo caso. Necessitamos dos indignados, estamos fartos dos indignos, porque o projeto neoliberal é irrealizável, é impossível”.

“Está condenado ao fracasso, mas como beneficia a essa minoria dominante; e esta baseia seu poder no poder militar que é o que devora a metade dos recursos do mundo. La Jornada publicou faz pouco tempo que Obama e Romney estão de acordo numa coisa: em continuar sendo a polícia do mundo. Temos que ver como esse país se militarizou e militarizou o planeta; por sorte são cada vez mais os jovens que não engolem a mentira, não acreditam nela e começam a abrir outros caminhos como Occupy Wall Street”.

“Todos esses movimentos são lições de dignidade humana contra o medo, e o medo é a base do gasto militar. A metade do orçamento dos Estados Unidos está destinada a gastos militares, que é o nome artístico dos gastos criminosos, e enquanto isso continua assim as guerras continuarão sendo necessárias porque são obrigados a justificar semelhante barbaridade”.

E sobre os jovens, seus mais fiéis leitores, assinalou: “A verdade é que me produz uma alegria enorme comprovar que o que a gente escreve, o que a gente faz, chega sobretudo aos jovens”.

“O melhor que pode acontecer na vida da gente é esse contato com os que vêm, não com os que estão ou os que estavam antes, e sim com os novos, e a verdade é que me faz muito bem isso. Não posso me queixar porque tenho ótima comunicação com os jovens de diferentes países, culturas e idiomas, de todas as idades, mas sobretudo os jovens e isso é o mais estimulante para mim. Minha mulher Elena diz que daqui a pouco vão começar a chegar em carrinhos de bebês. Veremos o que se pode fazer”.  

– Vemos todos esses movimentos no mundo protagonizados pelos jovens...

– E esses jovens pedem, exigem com toda razão, que se fale a eles numa linguagem nova, onde as perguntas se confundam com as respostas, e onde eles sentem o cheiro de dogma, dessas coisas anacrônicas que a esquerda às vezes padece, fogem com toda razão.

“A verdade é que talvez a melhor notícia que o mundo nos deu nos anos recentes, disparada a melhor notícia, é o surgimento do movimento dos indignados que é basicamente da juventude – ainda que haja indignados de todas as idades, felizmente –, mas é sobretudo de jovens e ocorre isso justamente quando parecia quase unânime a certeza de que não lhes importava de maneira alguma a política, que cada um olhava seu próprio umbigo em êxtase e não lhes interessava de maneira alguma o que ocorresse com os outros. Demonstraram que isso era falso, no México e em todas as partes”.

Tradução: Jadson Oliveira

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