HAVANA NOS TEMPOS DO “CAMELLO”

Os "camellos" sumiram da paisagem da capital cubana: passaram a ser usados no interior no transporte intermunicipal (Foto: da Internet)
De Havana (Cuba) – Minha amiga, tive hoje um dia muito interessante por aqui, um sucesso, até viajei de “camello”, finalmente, e sem pagar!!! Vou te fazer uma descrição para deixar registrado nos anais da vida.

Acompanhei o embarque de minha companheira de viagem e fiquei lá pelo aeroporto até pouco depois das 9 horas, até sumir do placar o voo para Panamá. Agora vou começar nova vida, sozinho, agora é comigo, do meu jeito, vou dar cabeçada, não importa, ninguém me conhece mesmo, posso fazer a besteira que for, ninguém vai saber mesmo, é bom esse tipo de liberdade. Estar sozinho tem seu lado bom, a gente tem oportunidade de pensar mais, de filosofar, até construir castelos de areia que se derrubam rápido, rápido, mas deixa prá lá...

Saí pela parte de baixo, da chegada, nos jardins defronte perguntei logo a um guarda onde se pega ônibus (guagua) aqui no aeroporto. Prá onde, perguntou. Pra Havana Centro (ou Centro Havana?), respondi. Ah, não tem, tem de pegar pra tal lugar (não gravei o nome) e de lá pega outro pra Centro Havana. Estrangeiro pode pegar? Pode. Paga quanto? Um peso cubano (é uma quantia insignificante, mais ou menos a vigésima parte de um dólar. Não é o CUC, moeda usada pelos turistas). Certo, onde posso pegar? Depois de instruído, me sentei e esperei. O primeiro cara que encostou com jeito de que ia esperar também, sapequei: amigo, por favor, estou aqui esperando o ônibus, está certo o lugar? Confirmou.

Esperei uns 30 minutos e finalmente apareceu, conferi o nome na lateral, o guarda tinha dito que viria escrito Conexión. Entrei pela dianteira, as pessoas estavam pagando realmente um peso cubano, paguei ao motorista, achei lugar para me sentar, ficaram uns dois ou três em pé. Mas na primeira parada começou a encher. Uns 10 minutos após, um bocado de gente levantou-se para descer, perguntei a uma senhora se era o lugar que eu devia pegar outro para o centro. Exatamente, saltei e fui ao ponto com um bocado de cubanos.

Apareceu de cara o tal do “camello”, um daqueles gigantes multi-coloridos, parecendo um monstrengo, confirmei com um cara se ia para o centro da cidade e entrei na multidão. Pra variar, encheu, mas dava pra se mexer relativamente bem. Nessa altura dos acontecimentos eu já estava todo satisfeito, me sentindo um cubano total. Porra, amiga, você devia estar aqui pra ir nessa, uma boa...
O transporte urbano da cidade se modernizou com nova frota de ônibus, a maioria importada da China (Foto: Jadson Oliveira, pegando ao fundo a Universidade de Havana, em Vedado)
A frota foi reforçada pelos ônibus articulados (Foto: Jadson Oliveira, na Avenida Infanta, limite entre os municípios de Vedado e Centro Havana)
Nesta altura já estava dando umas 10h e a viagem foi longa e eu todo feliz. Aquele calor do verãozão cubano, mais quente/abafado do que o baiano, que foi, pelo menos pra mim, aliviado pelo providencial leque de uma senhora pertinho, ela se abanava e eu pegava a rebarba, cenas da vida “habanera”. Aquele zunido daquela conversinha cantada e ondulante, à qual nossos ouvidos vão se acostumando pouco a pouco. E os gritos pra o motorista abrir a porta lateral nas paradas, parece que é o pessoal que não paga, entra pela lateral e sai pela lateral, sem pagar, acho que o motorista abre com má vontade, fica se amarrando, suspeito que o certo seria entrar ou sair pela dianteira, pagando ao motô, será?

Vinha observando o longo caminho, comecei a identificar locais conhecidos na Praça da Revolução, aquela perto da Universidad de La Habana, já no Centro Havana (Vedado), pensei que ia chegar nas minhas muito conhecidas Rua Neptuno e Avenida Infanta, mas não, descambou pras bandas de Habana Vieja e parada final perto daquele miolo que já conheço bem, Hotel Inglaterra, aquele museu imponente cópia da sede do governo dos Estados Unidos, esqueci o nome. Fui na onda e saltei pela lateral também sem pagar.

Perguntei a um cara que saltou comigo sobre ônibus pra Centro Havana, ele me acompanhou um pedaço, ih! pensei, vai repetir a porra, mais um que fica assediando turista, expliquei, basta só me dizer o rumo, etc, mas foi sacanagem minha, gato escaldado... o cara me acompanhou só um pouco e me indicou pra onde me dirigir, gente boa como a maioria dos cubanos.

Bem, decidi, vou terminar a andança de hoje de ônibus, poderia ir pra casa caminhando, você sabe que pratico as caminhadas com frequência, mas queria conhecer mais a sofrida vida de passageiro de transporte coletivo no deficiente serviço da ilha. Pergunta ali, pergunta acolá, fiquei num ponto uma meia hora e nada. Comprei um jornal Juventude Comunista, li um bocado e terminei desistindo, tinha de almoçar e o compromisso com um amigo que me levaria à Imigração para prorrogar o visto. Perguntei o rumo da Neptuno e me piquei. Antes, topei com a San Rafael, rua minha conhecida. Meio-dia entrei em casa, quase 3 horas de aventura, gastei só um peso cubano, valeu.

Bem, vou ver se mando este relatório amanhã, um porre pra escrever, a todo momento o cursor pula pra trás, uma merda, e ainda vou tentar manejar a porra do pen drive. Puta que pariu, como é que tem calma com uma merda dessa!!!

A merda da Imigração não deu certo, quinta-feira fecha às 12 horas, nos outros dias da semana, inclusive sexta-feira, amanhã, fecha às 17 horas. Dá pra imaginar uma coisa assim? Vou lá amanhã cedo.

Hoje comprei ovo e pão. O pão, daquele jeito, sem embrulhar no papel, fiz vistas grossas.

Minha querida amiga, beijos e abraços pra todo mundo. A título de conclusão: estou adorando Cuba.

(Adaptação de uma carta de 02/08/2007, quando eu estava há um mês em Cuba)

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