Entrevista
com Yoani Sánchez, por Salim Lamrani, jornalista francês: “A Suíça e o retorno
a Cuba” – Parte 4
(A
entrevista é bem longa: esta é a quarta das oito partes em que está dividida.
Peguei no blog Fazendo Media: a média
que a mídia faz. O título acima é deste blog)
Salim
Lamrani – Em 2002, a senhora
decidiu emigrar para a Suíça. Dois anos depois, voltou a Cuba. É difícil
entender por que a senhora deixou o “paraíso europeu” para regressar ao país
que descreve como um inferno. A pergunta é simples: por quê?
Yoani
Sánchez – É uma ótima pergunta.
Primeiro, gosto de nadar contra a corrente. Gosto de organizar minha vida à
minha maneira. O absurdo não é ir embora e voltar a Cuba, e sim as leis
migratórias cubanas, que estipulam que toda pessoa que passa onze meses no
exterior perde seu status de residente permanente (a entrevista foi feita antes
da recente reforma migratória).
Em outras condições eu poderia permanecer dois
anos no exterior e, com o dinheiro ganho, voltar a Cuba para reformar a casa e
fazer outras coisas. Então o surpreendente não é o fato de eu decidir voltar a
Cuba, e sim as leis migratórias cubanas.
SL – O mais surpreendente é que, tendo a
possibilidade de viver em um dos países mais ricos do mundo, a senhora tenha
decidido voltar a seu país, que descreve de modo apocalíptico, apenas dois anos
depois de sua saída.
YS – As razões são várias. Primeiro, não pude ir
embora com minha família. Somos uma pequena família, mas minha irmã, meus pais
e eu somos muito unidos. Meu pai ficou doente em minha ausência e tive medo de
que ele morresse sem que eu pudesse vê-lo. Também me sentia culpada por viver
melhor do que eles. A cada vez que comprava um par de sapatos, que me conectava
à internet, pensava neles. Sentia-me culpada.
SL – Certo, mas, da Suíça, a senhora podia
ajudá-los enviando dinheiro.
YS – É verdade, mas há outro motivo. Pensei que,
com o que havia aprendido na Suíça, poderia mudar as coisas voltando a Cuba. Há
também a saudade das pessoas, dos amigos. Não foi uma decisão pensada, mas não
me arrependo.
Tinha vontade de voltar e voltei. É verdade que
isso pode parecer pouco comum, mas gosto de fazer coisas incomuns. Criei um
blog e as pessoas me perguntaram por que eu fiz isso, mas o blog me satisfaz
profissionalmente.
SL – Entendo. No entanto, apesar de todas essas
razões, é difícil entender o motivo de seu regresso a Cuba quando no Ocidente
se acredita que todos os cubanos querem abandonar o país. É ainda mais
surpreendente em seu caso, pois a senhora apresenta seu país, repito, de modo
apocalíptico.
YS – Como filóloga, eu discutiria a palavra,
pois “apocalíptico” é um termo grandiloquente. Há um aspecto que caracteriza
meu blog: a moderação verbal.
SL – Não é sempre assim. A senhora, por exemplo,
descreve Cuba como “uma imensa prisão, com muros ideológicos”. Os termos são
bastante fortes.
YS – Nunca escrevi isso.
SL – São as palavras de uma entrevista concedida
ao canal francês France 24, em 22 de outubro de 2009.
YS – O senhor leu isso em francês ou em
espanhol?
SL – Em francês.
YS – Desconfie das traduções, pois eu nunca
disse isso. Com frequência me atribuem coisas que eu não disse. Por exemplo, o
jornal espanhol ABC me atribuiu palavras que eu nunca havia pronunciado, e
protestei. O artigo foi finalmente retirado do site na internet.
SL – Quais eram essas palavras?
YS – “Nos hospitais cubanos, morre mais gente de
fome do que de enfermidades”. Era uma mentira total. Eu jamais havia dito isso.
SL – Então a imprensa ocidental manipulou o que
a senhora disse?
YS – Eu não diria isso.
SL – Se lhe atribuem palavras que a senhora não
pronunciou, trata-se de manipulação.
YS – O Granma manipula a realidade mais do que a
imprensa ocidental ao afirmar que sou uma criação do grupo midiático Prisa.
SL – Justamente, a senhora não tem a impressão
de que a imprensa ocidental a usa porque a senhora preconiza um “capitalismo
sui generis” em Cuba?
YS – Não sou responsável pelo que a imprensa
faz. Meu blog é uma terapia pessoal, um exorcismo. Tenho a impressão de que sou
mais manipulada em meu próprio país do que em outra parte. O senhor sabe que
existe uma lei em Cuba, a lei 88, chamada lei da “mordaça”, que põe na cadeia
as pessoas que fazem o que estamos fazendo.
SL – O que isso quer dizer?
YS – Que nossa conversa pode ser considerada um
delito, que pode ser punido com uma pena de até 15 anos de prisão.
SL – Perdoe-me, o fato de eu entrevistá-la pode
levá-la para a cadeia?
YS – É claro!
SL – Não tenho a impressão de que isso a
preocupe muito, pois a senhora está me concedendo uma entrevista em plena
tarde, no saguão de um hotel no centro de Havana Velha.
YS – Não estou preocupada. Esta lei estipula que
toda pessoa que denuncie as violações dos direitos humanos em Cuba colabora com
as sanções econômicas, pois Washington justifica a imposição das sanções contra
Cuba pela violação dos direitos humanos.
SL – Se não me engano, a lei 88 foi aprovada em
1996 para responder à Lei-Helms Burton e sanciona sobretudo as pessoas que
colaboram com a aplicação desta legislação em Cuba, por exemplo fornecendo
informações a Washington sobre os investidores estrangeiros no país, para que
estes sejam perseguidos pelos tribunais norte-americanos. Que eu saiba, ninguém
até agora foi condenado por isso.
Falemos de liberdade de expressão. A senhora
goza de certa liberdade de tom em seu blog. Está sendo entrevistada em plena
tarde em um hotel. Não vê uma contradição entre o fato de afirmar que não há
nenhuma liberdade de expressão em Cuba e a realidade de seus escritos e suas
atividades, que provam o contrário?
YS – Sim, mas o blog não pode ser acessado desde
Cuba, porque está bloqueado.
SL – Posso lhe assegurar que o consultei esta
manhã antes da entrevista, no hotel.
YS – É possível, mas ele permanece bloqueado a
maior parte do tempo. De todo modo, hoje em dia, mesmo sendo uma pessoa
moderada, não posso ter nenhum espaço na imprensa cubana, nem no rádio, nem na
televisão.
SL – Mas pode publicar o que tem vontade em seu
blog.
YS – Mas não posso publicar uma única palavra na
imprensa cubana.
SL – Na França, que é uma democracia, amplos
setores da população não têm nenhum espaço nos meios, já que a maioria pertence
a grupos econômicos e financeiros privados.
YS – Sim, mas é diferente.
SL – A senhora recebeu ameaças por suas
atividades? Alguma vez a ameaçaram com uma pena de prisão pelo que escreve?
YS – Ameaças diretas de pena de prisão, não, mas
não me deixam viajar ao exterior. Fui convidada há pouco para um Congresso
sobre a língua espanhola no Chile, fiz todos os trâmites, mas não me deixam
sair.
SL – Deram-lhe alguma explicação?
YS – Nenhuma, mas quero dizer uma coisa. Para
mim, as sanções dos Estados Unidos contra Cuba são uma atrocidade. Trata-se de
uma política que fracassou. Afirmei isso muitas vezes, mas não se publica, pois
é incômodo o fato de eu ter esta opinião que rompe com o arquétipo do opositor.
(Este tema – sanções econômicas – foi discutido na parte 2).
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