Por Eric Nepomuceno – reproduzido do portal Carta Maior
Há pouco mais
de um ano, Cristina Fernández de Kirchner foi eleita com 54% dos votos dos
argentinos. O segundo colocado, o socialista Hermes Binner, teve uns 18%. O
resto da oposição virou mingau. Foi uma das votações mais consagradoras dos
últimos 40 anos. E, de lá para cá – vale repetir: pouco mais de um ano – o
clima na Argentina não fez mais do que ficar tenso. A polarização,
principalmente em Buenos Aires, vem alcançando graus de intensidade cada vez
mais preocupantes. Novembro foi um mês especialmente duro. E não há nada que
indique um verão potável.
No Congresso, a oposição continua frouxa, desnorteada, sem nenhuma proposta alternativa concreta ou viável ao projeto de governo levado adiante desde a primeira presidência do falecido Nestor Kirchner (2003-2008). Desarticulados, sem capacidade de renovação, os partidos de oposição – tanto o peronismo dissidente como os tradicionais conservadores e indo até uma esquerda voluntariosa e que mantém razoável distância da realidade – não fazem mais do que zanzar feito baratas tontas.
A verdadeira oposição se dá em duas frentes diferentes, que cada vez mais atuam em sintonia. De um lado, e a exemplo do que acontece no Brasil, os grandes conglomerados de comunicação, com o grupo Clarín na liderança. E espalhados, de outro lado, mas convergindo cada vez mais, sindicatos que foram aliados dos Kirchner em determinado momento, e que depois de afastaram. Nessa barafunda toda, posa com certo conforto o insípido e nada competente prefeito de Buenos Aires, a Capital Federal, Mauricio Macri, potencial candidato à sucessão de Cristina Kirchner em 2015.
Numa espécie de redemoinho de desencontros e desacertos, quem mais padece é a população de Buenos Aires. A intransigência do governo nacional, somada aos escassos escrúpulos do governo local e contando com o reforço extra do indisfarçável ódio de classe destilado pela classe média contra o peronismo e muito especialmente contra os Kirchner, tudo isso faz que o mal-estar crescente acabe se impondo na atmosfera reinante. A escalada começou aos poucos, em maio e junho, com pequenas manifestações de rua, subiu sensivelmente de intensidade em setembro, e agora, em novembro, ganhou dimensões preocupantes.
Qualquer análise feita com um mínimo de objetividade mostra que os protestos chamados de espontâneos pela grande mídia de espontâneo não têm nada: são cuidadosamente organizados e estruturados. E mais: a principal característica não é essa espontaneidade inexistente, mas a falta de uma consigna concreta, um reclamo palpável. Protesta-se contra a insegurança pública, contra a corrupção, contra a inflação, contra o controle do câmbio, contra a suposta pretensão de mudar a Constituição para permitir que Cristina Kirchner se candidate pela terceira vez. São protestos até certo ponto compreensíveis, mas nem por isso menos vagos. É como se a questão fosse protestar por protestar.
Agora mesmo, em novembro, Buenos Aires padeceu os efeitos de uma greve geral que, mais do que greve, foi um boicote. Antes houve o ‘panelaço’ que reuniu centenas de milhares de pessoas. Nunca se saberá ao certo quantas. Bem menos das 700 mil alardeadas pelo jornal Clarín, mas bem mais que as cento e poucas mil admitidas por alguns altos funcionários. Em todo caso: muita, muita gente. Um número impressionante de pessoas. Um fato que deverá ser levado em conta – ou deveria – pelo governo. Pouco mais de uma semana depois, houve a suspensão da distribuição de jornais, dos serviços de trens, da coleta de lixo. Os hospitais públicos só atendiam emergências, os voos das estatais Aerolíneas e Austral foram suspensos, bancos e postos de gasolina fecharam – enfim, um caos absoluto.
Mais alarmante – mas que para o governo foi apenas a parte mais irritante – foram os piquetes armados principalmente pelos caminhoneiros, que bloquearam os transportes, especialmente os trens suburbanos rumo a Buenos Aires. Muitos dos trabalhadores que, ao menos aparentemente, não iriam aderir à greve simplesmente não conseguiram chegar a lugar algum.
Nesse sentido, a figura de Hugo Moyano, líder dos caminhoneiros, antigo aliado de Cristina Kirchner agora em franca dissidência, mostrou que pode ser muito mais nefasta do que se previa. É pouco provável, mas bem possível, que numa próxima vez ele tente simplesmente isolar a capital do resto do país.
Ao mesmo tempo cresce a impressão de isolamento de Cristina Kirchner. Ela continua sendo, apesar do que diz a grande mídia argentina – com seus consequentes ecos pela grande mídia mundo afora –, extremamente popular.
Há um dado curioso. Ao mesmo tempo que os institutos de pesquisa de opinião mostram que da aprovação de 54% do eleitorado em outubro do ano passado ela agora passou a pouco mais de 30% de popularidade, mostram também que se houvesse eleição hoje, ela seria de novo reeleita.
Contradições dos institutos, ou contradições do país que inventou o tango, não importa: o que vale é que ela continuaria sendo a opção da maioria dos argentinos.
No Congresso, a oposição continua frouxa, desnorteada, sem nenhuma proposta alternativa concreta ou viável ao projeto de governo levado adiante desde a primeira presidência do falecido Nestor Kirchner (2003-2008). Desarticulados, sem capacidade de renovação, os partidos de oposição – tanto o peronismo dissidente como os tradicionais conservadores e indo até uma esquerda voluntariosa e que mantém razoável distância da realidade – não fazem mais do que zanzar feito baratas tontas.
A verdadeira oposição se dá em duas frentes diferentes, que cada vez mais atuam em sintonia. De um lado, e a exemplo do que acontece no Brasil, os grandes conglomerados de comunicação, com o grupo Clarín na liderança. E espalhados, de outro lado, mas convergindo cada vez mais, sindicatos que foram aliados dos Kirchner em determinado momento, e que depois de afastaram. Nessa barafunda toda, posa com certo conforto o insípido e nada competente prefeito de Buenos Aires, a Capital Federal, Mauricio Macri, potencial candidato à sucessão de Cristina Kirchner em 2015.
Numa espécie de redemoinho de desencontros e desacertos, quem mais padece é a população de Buenos Aires. A intransigência do governo nacional, somada aos escassos escrúpulos do governo local e contando com o reforço extra do indisfarçável ódio de classe destilado pela classe média contra o peronismo e muito especialmente contra os Kirchner, tudo isso faz que o mal-estar crescente acabe se impondo na atmosfera reinante. A escalada começou aos poucos, em maio e junho, com pequenas manifestações de rua, subiu sensivelmente de intensidade em setembro, e agora, em novembro, ganhou dimensões preocupantes.
Qualquer análise feita com um mínimo de objetividade mostra que os protestos chamados de espontâneos pela grande mídia de espontâneo não têm nada: são cuidadosamente organizados e estruturados. E mais: a principal característica não é essa espontaneidade inexistente, mas a falta de uma consigna concreta, um reclamo palpável. Protesta-se contra a insegurança pública, contra a corrupção, contra a inflação, contra o controle do câmbio, contra a suposta pretensão de mudar a Constituição para permitir que Cristina Kirchner se candidate pela terceira vez. São protestos até certo ponto compreensíveis, mas nem por isso menos vagos. É como se a questão fosse protestar por protestar.
Agora mesmo, em novembro, Buenos Aires padeceu os efeitos de uma greve geral que, mais do que greve, foi um boicote. Antes houve o ‘panelaço’ que reuniu centenas de milhares de pessoas. Nunca se saberá ao certo quantas. Bem menos das 700 mil alardeadas pelo jornal Clarín, mas bem mais que as cento e poucas mil admitidas por alguns altos funcionários. Em todo caso: muita, muita gente. Um número impressionante de pessoas. Um fato que deverá ser levado em conta – ou deveria – pelo governo. Pouco mais de uma semana depois, houve a suspensão da distribuição de jornais, dos serviços de trens, da coleta de lixo. Os hospitais públicos só atendiam emergências, os voos das estatais Aerolíneas e Austral foram suspensos, bancos e postos de gasolina fecharam – enfim, um caos absoluto.
Mais alarmante – mas que para o governo foi apenas a parte mais irritante – foram os piquetes armados principalmente pelos caminhoneiros, que bloquearam os transportes, especialmente os trens suburbanos rumo a Buenos Aires. Muitos dos trabalhadores que, ao menos aparentemente, não iriam aderir à greve simplesmente não conseguiram chegar a lugar algum.
Nesse sentido, a figura de Hugo Moyano, líder dos caminhoneiros, antigo aliado de Cristina Kirchner agora em franca dissidência, mostrou que pode ser muito mais nefasta do que se previa. É pouco provável, mas bem possível, que numa próxima vez ele tente simplesmente isolar a capital do resto do país.
Ao mesmo tempo cresce a impressão de isolamento de Cristina Kirchner. Ela continua sendo, apesar do que diz a grande mídia argentina – com seus consequentes ecos pela grande mídia mundo afora –, extremamente popular.
Há um dado curioso. Ao mesmo tempo que os institutos de pesquisa de opinião mostram que da aprovação de 54% do eleitorado em outubro do ano passado ela agora passou a pouco mais de 30% de popularidade, mostram também que se houvesse eleição hoje, ela seria de novo reeleita.
Contradições dos institutos, ou contradições do país que inventou o tango, não importa: o que vale é que ela continuaria sendo a opção da maioria dos argentinos.
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