Os integrantes das missões fizeram uma "marcha" no último dia 22 na campanha pró Chávez: "Misión Ribas" (lido por trás, de cabeça para baixo) (Foto: AVN) |
Apesar
dos esforços das corporações da mídia hegemônica no Brasil e no mundo, Chávez
deve ser reeleito neste domingo, dia 7. Por que? Creio que o fator mais visível
de sua provável vitória sejam as “misiones”, ou seja, os programas de
assistência e inclusão sociais. Segundo a ONU, Venezuela eliminou o
analfabetismo e tem hoje os menores índices de desigualdade social da América
Latina e Caribe.
De
Caracas (Venezuela) – É através das chamadas missões (“misión” –
“misiones”) que as camadas mais pobres da população venezuelana percebem que a
revolução bolivariana trabalha por elas e para elas. É por isso que os
moradores das “barriadas”, dos “barrios” (morros, encostas, favelas) adoram o
presidente Hugo Chávez e devem garantir sua segunda reeleição neste domingo, dia
7. É por isso que o principal candidato opositor, Henrique Capriles, jura – e
quase ninguém acredita – que não vai acabar as missões, ao contrário, vai
ampliá-las e criar outras.
São umas 20, distribuídas por cinco blocos:
educação, saúde, alimentação, moradia e as chamadas sociais. Forçando uma
comparação: é como se o governo de Lula, na hora de criar o Bolsa Família,
criasse a “Missão Bolsa Família”; ou na hora de criar as cotas para negros na
universidade, criasse a “Missão Negros na Universidade”; ou na hora de criar o
Fome Zero, criasse a “Missão Fome Zero”. (Como acontece no Brasil, aqui também
os mais ricos costumam comentar que os mais pobres gostam de Chávez - como aí
gostam de Lula - porque não gostam de trabalhar, querem tudo dado de mão
beijada pelo governo).
Os milhares de "misioneros" desfilaram da Praça Venezuela até o centro de Caracas (seis quilômetros) (Foto: AVN) |
A idéia-força fundamental das “misiones” bolivarianas é “driblar”
os entraves da burocracia do Estado burguês; o dinheiro destinado a elas, que
vem dos imensos recursos das exportações de petróleo (Venezuela é o quinto
maior exportador mundial e tem a maior reserva comprovada), não precisa passar
pelos labirintos do burocratismo e vai mais diretamente às comunidades pobres
através dos milhares de Conselhos Comunitários (“Consejos Comunales”, “Comunas
Socialistas”). O processo se insere na construção do chamado Poder Popular ou
Poder Comunal, que já tem bases institucionais graças à maioria chavista na
Assembleia (Congresso) Nacional.
“Misión
Vivienda”: não são “barracos”, são “casas dignas”
A missão que nesses últimos meses teve mais visibilidade
pública foi a da moradia – “La Gran Misión Vivienda Venezuela” (vivienda quer
dizer moradia). Caracas (e pelo país afora, segundo alardeia o governo) está
cheia de edifícios em construção, o que foi acelerado ultimamente devido às
milhares de famílias desalojadas por
chuvas (claro que há os que dizem que foi devido à proximidade das eleições,
mas vamos em frente). Conforme Chávez tem repetido em pronunciamentos e entrevistas,
ela tinha como meta construir 350 mil casas/apartamentos em dois anos (2011-2012).
Até agora entregou 250 mil e ele garante que entrega o restante até dezembro
próximo.
E não são “barracos”, frisa sempre: são “casas dignas”,
espaçosas, feitas com material de boa qualidade, entregues com equipamentos
domésticos, pagamento facilitado, preço na base de 20% dos custos e localizadas
em boas áreas urbanas (tanto assim que têm surgido queixas de moradores de
classe média contra os novos vizinhos).
Moradia para o povo: muitas construções na capital venezuelana, esta é em Montalbán, bairro em parte de classe média (Foto: Jadson Oliveira) |
Para o seu próximo período presidencial (2013-2019), se
for reeleito, a meta é bem mais ambiciosa: 3 milhões. Promete zerar o déficit
habitacional: “No final do meu próximo mandato não restará uma só família sem
moradia digna na Venezuela”, tem repetido. Para quem é meticuloso, faz as
contas e duvida, o presidente-candidato antecipa-se logo argumentando que agora
a participação das próprias comunidades beneficiadas será maior, na medida em
que avance a construção do Poder Popular.
Na área educacional são várias missões que permitem a
inclusão e ascensão social dos segmentos mais pobres: Misión Robinson (para os
analfabetos), Ribas (educação básica), Sucre (estudos universitários), etc. Não
é por acaso que a Venezuela já erradicou o analfabetismo, segundo avaliação das
Nações Unidas (ONU), e é o quinto país no mundo com maior taxa de matrícula de
estudantes universitários (83%), de acordo com informe da Unesco.
Há outras para cuidar da alimentação dos mais pobres,
como La Gran Misión Agrovenezuela (para incrementar a produção) e a Mercal,
para distribuição e venda de alimentos a preços mais baratos por meio de
mercados e supermercados. Há outras meio dispersas, às vezes são mencionadas
como “sociais” (nome impreciso, mas que indica não estarem nos outros grupos),
exemplos: Gran Misión en Amor Mayor (para aposentadoria dos idosos),
Guaicaipuro (para os indígenas), Identidad (para agilizar a tramitação de
documentos de identidade), etc, etc.
Veja
como funciona o “SUS” venezuelano
E há um grupo importantíssimo, o da saúde, que deixei
para o final porque tenho meu testemunho pessoal. Aí temos uma que é mencionada
com frequência na mídia, a Misión Milagro (tratamento das vistas, operações de
catarata), pois é executada por médicos cubanos em muitos países. Mas a mais
importante é a Misión Barrio Adentro (na verdade, são quatro, numeradas: Barrio
Adentro 1, 2, 3 e 4). É, nada mais, nada menos, o “SUS” venezuelano (nosso
Sistema Único de Saúde), o sistema público de saúde gratuito. Mas bem mais eficiente
do que o brasileiro. Nele trabalham aqui em torno de 20 mil médicos cubanos,
além de cubanos também como enfermeiros e técnicos (muitas mulheres). (Cuba
recebe em troca petróleo).
Graças a um acidente, tive oportunidade de comparar o serviço público de saúde da Venezuela com o do Brasil (Foto: Jadson Oliveira) |
Fui paciente do Barrio Adentro quase quatro meses, até a
última quarta-feira, dia 3, quando me deu alta a doutora cubana María Julia
Rodríguez Nápoles (Medicina Física e Reabilitação, de acordo com um papelzinho
de receita). Vou resumir (um dia relato aqui com mais vagar): levei uma queda,
quebrei o dedinho da mão esquerda, fiquei um mês com a mão engessada e fiz dois
meses de fisioterapia (de 1º. de agosto a 1º. de outubro). Fui atendido aqui
sem demora, sem aquelas filas desumanas que os brasileiros pobres conhecem, sem
qualquer burocracia: me pediram somente o número da identidade ou do passaporte
(meti a mão no bolso pra pegar, me disseram: não, não precisa, diga só o
número).
Bem, tirei o gesso aí no Brasil, em Salvador. Fiz questão
de procurar o SUS, justamente pra comparar. Pra fazer a fisioterapia, o médico
me mandou a uma clínica particular no Largo dos Aflitos, área do centro da
capital baiana, onde disseram que o atendimento ao SUS estava suspenso.
Procurei uma outra: avisaram que eu voltasse no fim de agosto para fazer a
marcação (isto em meados de julho). Voltei a Caracas e comecei a fisioterapia
em 1º. de agosto.
Duas evidências em minha cabeça:
1 – Aqui não tem essa coisa de pobre ir para a fila “lá
embaixo” (como me mandaram, separado dos que pagam) na clínica privada, aqui
todas as etapas do tratamento foram feitas no serviço público, aqui a revolução
bolivariana está tentando acabar o capitalismo e construir o socialismo;
2 – No setor em que fui atendido para a
fisioterapia/reabilitação (dois meses), havia pacientes também de cardiologia,
odontologia e laboratório. A movimentação acontecia razoavelmente bem. Eu
ficava ali pensando: é por isso que essa gente mais pobre vai votar em Chávez.
E mais: não apenas vota, tem Chávez como um santo, uma espécie de Deus.
Comentários
Estou agora (início da noite de domingo, dia 7) na expectativa dos primeiros resultados da eleição, aqui não se divulga resultado de boca de urna.