Raúl Castro vem implementando um plano gradual e cauteloso de supressão de proibições na vida do povo cubano (Foto: da Internet) |
A partir de janeiro, os cubanos poderão viajar sem
necessidade duma permissão: a reforma migratória divulgada na última terça-feira,
dia 16, pelo governo de Raúl Castro flexibiliza as viagens de residentes no
país e de emigrantes, mas mantém algumas limitações. Elimina a necessidade duma
carta-convite para viajar e prolonga a estadia.
Matéria do jornal argentino Página/12, edição de 17/10/2012
A partir de 14 de janeiro de 2013 os
cubanos poderão viajar ao exterior sem necessidade da permissão de saída
vigente durante décadas, graças à reforma migratória divulgada na última terça-feira,
dia 16, que flexibiliza as viagens de residentes no país e de emigrantes, mas
mantém algumas limitações. Cuba amanheceu no dia 16 com a notícia duma esperada
atualização migratória que o presidente Raúl Castro já tinha anunciado em
agosto de 2011 e com a qual aprofunda o plano de reformas e de eliminação de
proibições que se levou a cabo durante seu mandato.
A notícia de que as autoridades deixarão
de exigir a carta-convite e a permissão de saída necessária conhecida como
“carta branca” chegou lentamente no transcurso da manhã às ruas de Havana. O anúncio
foi feito na madrugada através dos meios de comunicação estatais (em Cuba não
há órgãos de imprensa privados) e muitos cubanos foram se inteirando pouco a pouco.
“Que! Que bom!”, disse Suset, uma havaneira de 26 anos que trabalha limpando
casas, quando soube na rua. Inclusive os diários impressos como o órgão oficial
Granma circulam com lentidão na nação antilhana.
Com as demonstrações de alegria e
estupor se misturavam também os primeiros sinais de cautela. “Me parece um passo
positivo, se é verdade”, disse Alfredo, um licenciado em Estudos Sociais, que vê
na reforma um avanço rumo a um modelo de “sociedade contemporânea”. “Isso devia
ter acontecido há anos”, indicou Caridad, de 55 anos. “Vamos ver se não há uma
contramedida”, acrescentou Alfredo. Como graduado universitário, ele pertence ao
grupo que poderá ser submetido a restrições para evitar o “roubo de talentos” temido
pelo governo (ver abaixo).
Os decretos publicados na Gazeta
Oficial (Diário Oficial), firmados pelo presidente Raúl Castro e outras autoridades,
suprimem a permissão de saída que as autoridades podiam conceder ou negar aos requerentes,
que deviam pagar 150 dólares. A medida também elimina a necessidade da carta-convite
para viajar ao exterior, assinada por parentes ou amigos em outros países, a um
custo de 200 dólares, e prolonga de 11 a 24 meses a autorização de estadia no
exterior dos cidadãos cubanos. Os mesmos decretos estabelecem que não terão direito
a passaporte os presos, processados pela Justiça, devedores do Estado e os que,
por razões de defesa e segurança nacional, as autoridades decidam que não têm
direito a esse documento.
Os cubanos residentes na ilha poderão viajar somente com seu passaporte atualizado a partir de 14 de janeiro (Foto: EFE) |
Até agora, as viagens dos cubanos ao
exterior estavam reguladas por um conjunto de sucessivas normas draconianas e caras
e restritivos trâmites tanto para sair do país como para permanecer no exterior
e regressar à ilha. Deste modo, os cubanos residentes na ilha poderão viajar somente
com seu passaporte atualizado (cujo preço é de 55 a 100 CUC, moeda forte cubana
quase equivalente ao dólar) e o visto exigido pelo país de destino.
Outra das novidades é a ampliação do
tempo que um cubano pode permanecer no exterior, que passa de 11 a 24 meses sem
necessidade de prorrogação. Se se consegue uma permissão para residir no exterior,
o prazo máximo de permanência será de três a cinco anos, de acordo com cada
caso. Os que abandonaram definitivamente o país, quer dizer, os emigrados, poderão
viajar à ilha e permanecer durante 90 dias sem prorrogações, um prazo que se
amplia para 180 dias se se trata de cidadãos cubanos que têm permissão de residência,
conhecida como PRE. Os emigrados também poderão solicitar nas embaixadas e
consulados de Cuba estabelecer de novo sua residência na ilha.
Esta reforma revoga definitivamente
a lei 9/89 do ano 1961 sobre confisco de bens, direitos ou valores das pessoas
que abandonam o país, uma medida que já estava contemplada nas normas aprovadas
no ano passado para autorizar a compra e venda de moradias ou veículos entre
particulares. A medida é uma das que havia anunciado o presidente Raúl Castro em
meados de 2011 e uma das mudanças mais esperadas na ilha. Praticamente todo
cubano tem um familiar no exílio, sobretudo nos Estados Unidos.
A nova regulação, que pretende
“normalizar as relações da emigração com sua pátria”, também flexibiliza algumas
condições para os cubanos que estão no exterior. As autoridades migratórias da
ilha ressaltaram que as novas regulações, que entrarão em vigor em 14 de janeiro
de 2013, não são mudanças cosméticas e sim “substanciais”, “profundas” e “muito
favoráveis” à população.
Por outra parte, o governo procura não
perder talentos. “Enquanto persistam as políticas dos Estados Unidos que
favorecem o ‘roubo de cérebros’, dirigidas a nos despojar dos recursos humanos
imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, social e científico do país, Cuba
estará obrigada a manter medidas para se defender nesta frente”, disse um
editorial do diário Granma do último dia 16. O jornal considerou que “qualquer
análise que se faça da problemática migratória cubana passa inexoravelmente pela
política de hostilidade que o governo dos Estados Unidos tem desenvolvido
contra o país por mais de 50 anos”.
Assinalou “o caráter desumano e de
dois pesos e duas medidas desta política, que estimula por um lado as saídas
ilegais do país e, por outro, obstaculiza a possibilidade de emigrar de maneira
legal, ordenada e segura, com a clara intenção de converter os cubanos que desejam
se estabelecer em outros países, em supostos opositores políticos e num fator
de desestabilização interna”.
A supressão da permissão de saída, da
carta-convite e outras restrições foram umas das reivindicações mais frequentes
nas assembleias populares prévias ao VI Congresso do Partido Comunista,
celebrado em abril de 2011, e de uma série de acadêmicos como Esteban Morales e
artistas como Silvio Rodríguez, ambos simpatizantes do governo.
Segundo Granma, “paulatinamente se
adotarão outras medidas relacionadas com o tema migratório, as quais sem dúvida
ajudarão também a consolidar os prolongados esforços da Revolução no sentido de
normalizar plenamente as relações de Cuba com sua emigração”.
Os que necessitam de autorização
A
reforma migratória anunciada em Cuba mantém um tratamento especial para as viagens
ao exterior de quadros dirigentes, profissionais da saúde ou da educação e
atletas que sejam “vitais” para o país, já que necessitarão duma autorização
específica. “Não é que não possam sair, é que para sair vão depender duma
autorização”, explicou em Havana a meios de comunicação estrangeiros o coronel
Lamberto Fraga Hernández, o segundo na chefia do órgão cubano encarregado da imigração
e de estrangeiros. A lei mantém restrições para quatro grupos de cidadãos
cubanos que continuarão necessitando de autorização para viajar provisória ou
definitivamente. São os “quadros” ou dirigentes superiores de organismos centrais
e empresariais, graduados em educação superior com trabalhos indispensáveis
para a economia nacional, e os integrados a projetos de investigação e serviços
de saúde. Estão incluídos técnicos especializados de nível médio que realizam
atividades vitais para o desenvolvimento econômico e, no quarto grupo, atletas
de alto rendimento, treinadores e técnicos “essenciais para o setor esportivo
cubano”. Os cidadãos sob restrições de viagens poderão ser autorizados após
análise caso a caso a visitar outros países provisoriamente. Se suas saídas são
definitivas terão que esperar cinco anos desde o momento em que solicitaram a
permissão para viajar. Os técnicos do terceiro grupo deverão esperar três anos.
De acordo com o diário Granma, esta abertura estará limitada devido à política
dos Estados Unidos destinada a Cuba que, disse, propugna o “roubo de cérebros” e
estimula a emigração ilegal.
Tradução: Jadson Oliveira
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