VENEZUELA COM CHÁVEZ: “O DESAFIO É ORGANIZAR O PODER POPULAR PARA DERROTAR OS PLANOS DA BURGUESIA APÁTRIDA”

Aureliano Sánchez (camiseta negra), com delegados de prevenção do trabalho na passeata do início deste ano quando eles se incorporaram ao Polo Patriótico, agrupamento de organizações bolivarianas (Foto: Arquivo do entrevistado)



Entrevista do professor venezuelano Aureliano Sánchez: “Reflexões sobre uma conversação com Jadson Oliveira, jornalista brasileiro”

De Caracas (Venezuela) - Aureliano Sánchez, 56 anos, professor de Ciências Sociais, é um lutador social pela revolução socialista. Militante político desde seus tempos do movimento estudantil nos anos 70. Como trabalhador do Setor Elétrico Venezuelano (eletricitário), tem uma rica experiência de militância na luta contra o neoliberalismo através das Comissões de Prevenção Trabalhista (semelhante às nossas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPA). Foi diretor no âmbito do estado de Miranda do Instituto Nacional de Prevenção, Saúde e Seguridade Trabalhistas, órgão vinculado ao Ministério do Poder Popular para o Trabalho e Seguridade Social. É filiado ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o principal partido de sustentação do governo do presidente Hugo Chávez.

Nesta entrevista ao blog Evidentemente, Sánchez fala um pouco das mudanças ocorridas no seu país nos últimos 50 anos – desde a chamada 4ª. República (1958-1998) até os primeiros anos da chamada Revolução Bolivariana -, e assinala a importância da reeleição de Chávez no pleito de 7 de outubro, que significa, segundo sua avaliação, um avanço no rumo da consolidação da soberania nacional e da construção do poder popular e do socialismo.

Ele destaca como fundamental a luta contra a burocracia do Estado burguês e a luta pela organização dos Delegados de Prevenção e pelos Conselhos de Trabalhadores e as Comunas. Em resumo: “Pela organização do poder popular, que eu visualizo na formação dos Conselhos de Trabalhadores em cada fábrica, em cada centro de trabalho, em cada Conselho Comunal, enfim na unidade cívico-militar para dar uma resposta correta e contundente aos planos da burguesia apátrida”.

Blog Evidentemente – Considerando que a revolução bolivariana começou a partir de 1999 com o início do governo de Hugo Chávez, como estava politicamente a Venezuela depois de 40 anos da chamada 4ª. República?

Aureliano Sánchez - Os processos políticos são complexos e é muito difícil dizer quando arrancam ou se iniciam historicamente. Se acumulam e desenvolvem conflitos que geram uma conjuntura favorável a que se produzam mudanças políticas. Neste sentido, sim, podemos assinalar brevemente algumas características importantes para entender como estava a Venezuela antes da chegada da Revolução Bolivariana.
Sánchez em atividade recente da Marea (Maré) Socialista, corrente política filiada à Central Bolivariana Socialista dos Trabalhadores (Foto: Jadson Oliveira)
Se havia agudizado um conjunto de contradições nos aspectos político, econômico e social, pela instauração do chamado Modelo de Democracia Representativa e a alternância de dois partidos no Poder: Ação Democrática (AD – social-democrata) e COPEI (social-cristão – Comitê de Organização Política Eleitoral Independente), que desenvolveram uma hegemonia da burguesia nativa – que em resumo empobreciam o povo e entregavam nossa independência (período conhecido como “puntofijista”, do Pacto de Punto Fijo, assinado pelas forças “democráticas” de então na cidade com este nome do estado de Falcón - por coincidência, é a mesma cidade onde ocorreu há uma semana a explosão na refinaria de Amuay. Pontificaram na época lideranças como os ex-presidentes Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez). Era um Estado hipertrofiado que transferia as riquezas da nossa Pátria ao grande capital transnacional, vendendo nossa soberania, nos submetendo às diretrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI) na aplicação de pacotes neoliberais que empobreceram mais a população e geraram o “CARACAZO” (do nome Caracas, revolta popular estourada em 27 de fevereiro de 1989), como resposta a uma sociedade intoxicada por fatores exógenos, quando se massacrou um povo indefeso que se opunha a um capitalismo selvagem.

Em seguida viria a resposta do Quatro (4 de fevereiro de 1992, tentativa de golpe liderada pelo então tenente-coronel do Exército Hugo Chávez), levantamento militar que foi derrotado, mas impulsionou a liderança de Chávez, que se responsabilizou pelo movimento insurgente e lançou o conhecido “por ahora” (já preso, ele declarou pela televisão que “por agora” não era possível tomar o poder), até a conquista do governo pela via eleitoral e começar uma nova visão de país.

BE – E agora, após quase 14 anos de governo bolivariano, passando pela tentativa de golpe de abril/2002 e o boicote petroleiro de dezembro/2002?

AS - A chegada de Chávez ao governo no ano de 1999 não significava que se tinha o Poder e tanto se pode entender porque o golpe de abril de 2002 e o boicote petroleiro no final desse mesmo ano são evidências das debilidades organizativas das forças revolucionárias que estavam estreando em funções de direção. No entanto, a firme vontade do povo e de suas Forças Armadas resgatou rapidamente a nação desta aventura terrorista apoiada pelos EUA e seus lacaios internos (Fedecámaras - equivalente em poder à nossa Fiesp, federação das indústrias de São Paulo - e a “Coordenação Democrática”), o mesmo que representa hoje em dia a chamada MUD (Mesa da Unidade Democrática - que patrocina a candidatura oposicionista de Henrique Capriles -, a qual preferimos chamar Movimento da UltraDireita).
 
“Vivemos um processo de participação popular e amadurecimento político, com falhas e acertos, e acreditamos num projeto socialista com um líder carismático que guia nos difíceis tempos de crise estrutural do capitalismo”

Este processo inédito para a América Latina logra uma magnífica oportunidade para que o povo se conscientize de seus atores políticos, visualizando uma alternativa diferente e popular de enfrentamento ao poder existente, com uma visão estratégica para conseguir se fortalecer, numa espécie de realismo mágico: uma forte unidade com a liderança do presidente-comandante Hugo Chávez, que apesar do bombardeio ideológico da política da “Guerra Fria” contra o socialismo e o comunismo, consegue reconduzir e começar a aplicação dum conjunto de Leis Progressistas, cujo desmonte foi parte do objetivo do golpe da Patronal (golpe de abril de 2002) com Pedro Carmona à cabeça como presidente da Fedecámaras, fiéis servidores da geopolítica dos Estados Unidos, derrotados pelo povo e pelo candidato da Pátria, Hugo Chávez. (Pedro Carmona chegou a assumir a presidência nos quase dois dias em que os golpistas ocuparam o palácio do governo).

BE – Como analisa a conjuntura atual, marcada pelas eleições presidenciais, e as perspectivas para o futuro?  

AS - Estamos às portas de outra jornada eleitoral das muitas realizadas na chamada “Ditadura do Regime”. Que curioso, é inédito desta experiência que o eleitoral e o pacífico haja predominado por parte das forças populares, processo sobre o qual se abriam muitas dúvidas pelo antecedente do camarada (Salvador) Allende no Chile e a ditadura posterior de (Augusto) Pinochet, modelo que quiseram copiar aqui, mas que o acaso da história não o permitiu, ainda que saibamos pelos planos de (Álvaro) Uribe (ex-presidente da Colômbia) e da direita continental e com o apoio da CIA (serviço de inteligência dos EUA), que se está desenvolvendo um “plano B”, para desconhecer o triunfo novamente do nosso Comandante Chávez. 

Apesar disso, estamos numa conjuntura favorável, pela realização de anteriores processos eleitorais e sua validade histórica, pelo reconhecimento internacional do árbitro principal: o CNE (Conselho Nacional Eleitoral, equivalente ao nosso TSE), pela tendência mantida de participação popular e por um amadurecimento político que reconhece falhas e acertos nas instituições, mas que acredita num projeto socialista com um líder carismático que guia nos difíceis tempos de crise estrutural do capitalismo. Tempos nos quais, apesar das dificuldades, se pôde avançar na Seguridade Social e na nova Lei Orgânica do Trabalho, com significativo conteúdo de dignificação humanista que é referência mundial.

Entretanto, temos uma oposição forte e apoiada com muitos dólares do norte e dos que anda reunindo Álvaro Uribe com os setores oligárquicos, com um planejamento muito estudado de publicidade e manipulação, sustentada por grandes equipes midiáticas (TV GLOBOVISIÓN, cujos dirigentes eram donos de uma parte do setor elétrico nacionalizado e da principal rede da imprensa escrita privada), com muitas falsas promessas e com uma metamensagem camuflada para não colocar em evidência seus verdadeiros planos de entregar a soberania às grandes corporações do petróleo, reduzir o Estado e aplicar seus pacotes neoliberais.

 “Como diz o companheiro Lula, nunca antes o povo venezuelano foi atendido em suas necessidades históricas por governo algum, como o faz o comandante Chávez em investimento social e redistribuindo as riquezas”

O povo é sábio e deverá entender a encruzilhada que se nos apresenta, os desafios que temos e, como diz o companheiro Lula (Luiz Inácio Lula da Silva), nunca antes o povo venezuelano foi atendido em suas necessidades históricas por governo algum, como o faz o comandante Chávez em investimento social e redistribuindo as riquezas. Mesmo levando em conta que o burocratismo tem feito um dano terrível a este processo, o que se fez ou se deixou de fazer, tem um peso imenso no esforço do povo para continuar construindo um espaço libertário de justiça social. E isso será avaliado com o voto a favor ou contra, apesar do vínculo que existe com nosso líder máximo, com esses erros deve-se carregar o “portavión”, para minimizá-los e corrigi-los.

BE – Em sua opinião, qual o significado da vitória de Chávez para os movimentos populares e progressistas da América Latina?

AS - Inegavelmente a chegada de Chávez ao governo da Venezuela significou um contundente triunfo para os povos oprimidos da América Latina e uma mudança na correlação de forças geopolíticas nacionais, regionais e mundiais e cada dia se nota mais esta influência. O avanço dos movimentos sociais não pode ainda ser avaliado em sua justa dimensão porque são: “Acontecimentos em Pleno Desenvolvimento” (como diria o comentarista internacional Walter Martínez - tem um programa de boa audiência na VTV Venezuelana de Televisão, emissora estatal) e existe um viés político que impede sua valoração exata. Podemos destacar a influência na mudança de correlação de forças em: Bolívia, Argentina, Equador, Nicarágua, Cuba, Uruguai e Brasil, entre outros; e as relações em função da estratégia multipolar, com: Rússia, China, Irã, rompendo todos os paradigmas internacionais tradicionais. Se se quer falar de mudanças, Chávez, sem temor de equivocar-nos, tem revolucionado o cenário mundial como nunca antes, uma “pequena republiqueta”, como diria (George) Bush, está dando o que falar e preocupando Mister (Barack) Obama, na redefinição jurídica em níveis que a política tradicional não se atrevia a se meter.

 “Os Delegados e as Delegadas de Prevenção têm um papel concreto a ser desempenhado neste momento na Venezuela. Temos que revolucionar a revolução e superar a principal contradição entre o Capital e o Trabalho”

Os espaços libertários dos Conselhos Comunais ou das Comunas, como expressão direta da participação protagônica dos setores populares, são expressão da extensão da democracia e da desconcentração do poder, processo que tem suas variáveis, às vezes incontroláveis, por serem experiências inéditas num povo acostumado à representação e intermediação política, assim como a sobrevivência de estruturas políticas herdadas do colonialismo, arcaicas e ineficazes, que ainda persistem, tratando de resolver problemas contemporâneos de uma mega-dimensão. Não conhecemos político atual, que tenha tido a coragem de Chávez de fazer mudanças tão radicais nos processos sociais e nos que faltam por ser necessários.

BE – Alí Rodríguez (ex-ministro de Chávez e atual secretário-geral da União das Nações Sul-americanas – Unasul) diz que “nenhuma revolução se faz a partir do governo”; diz que “um Estado burocrático, pesado, é um obstáculo para as mudanças revolucionárias”; e destaca a importância fundamental dos Conselhos Comunais e as Comunas. Você está de acordo com ele? Pode comentar?

AS - Compartilho o assinalado por Alí Rodríguez quanto ao peso do Estado burocrático para desenvolver e fazer uma revolução. Este processo o fazem os povos rompendo essas estruturas. Neste sentido, há um impulso que se vê freado pelo novo Burocratismo (“rojo rojito”, vermelho vermelhinho) que tem medo do povo, que o considera seu inimigo se ele questiona sua prática “quarta republicana” (quer dizer, parecida com a dos “adecos” – da AD - ou “copeianos” – do COPEI - nos governos anteriores). Estes obstáculos concretos para as mudanças revolucionárias que o povo discute diariamente nas instituições do Estado e por isso se apresentam as contradições quanto à forma e ao conteúdo do processo, à metodologia enredada em papéis e decisões injustas ou “falsos positivos” para desmobilizar o povo trabalhador. Talvez esta seja a luta mais forte que teremos que enfrentar no seio do Estado Burguês, que ainda perdura depois de quase 14 anos de Governo Bolivariano. Entendendo que dentro deste processo dialético se agudizam as contradições para avançar com um governo do povo trabalhador sem capitalistas.

O companheiro Alí Rodríguez destaca com toda clareza um dos temas fundamentais, que é a irreversibilidade do processo venezuelano. Para que isso seja possível passa pela organização do poder popular, que eu visualizo na formação de Conselhos de Trabalhadores em cada fábrica, em cada centro de trabalho, em cada Conselho Comunal, enfim na unidade cívico-militar para dar uma resposta correta e contundente aos planos da burguesia apátrida.
Sánchez, em ato de junho/2011, quando o Instituto Nacional de Prevenção fez a entrega de certificados de formação a delegados (na mesa, de roupa escura, o então presidente da Assembleia Nacional, Fernando Soto Rojas) (Foto: Arquivo do entrevistado)
BE – Você tem seis anos de experiência atuando junto às Comissões de Prevenção Trabalhista, inclusive foi diretor no âmbito do estado de Miranda do Instituto Nacional de Prevenção, Saúde e Seguridade Trabalhistas, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho. Relata, resumidamente, sua experiência.

AS - Nós temos uma experiência com a Reforma da Lei Orgânica de Prevenção das Condições e Meio Ambiente do Trabalho, modificada pela Assembleia (Congresso) Nacional em 26 de julho de 2005, onde se promove o Regime de Seguridade e Saúde no Trabalho no marco do novo Sistema de Seguridade Social, através do Instituto Nacional de Prevenção, Saúde e Seguridade Trabalhistas, órgão vinculado ao Ministério do Poder Popular para o Trabalho e Seguridade Social. Aí tivemos a oportunidade de contribuir com a organização dos Delegados de Prevenção, figura inédita até esta data, graças ao nosso comandante Chávez, que estabeleceu que em cada centro de trabalho, tanto público como privado, se elegerão companheiros trabalhadores  dependendo do número total, para constituir os Comitês de Seguridade e Saúde Trabalhistas, figura que deve canalizar todas as denúncias e buscar soluções oportunas para superar as condições da exploração capitalista. 

Mesmo com um pesado encargo sob sua responsabilidade, estas instituições do trabalho devem ainda se atualizar para cumprir os fins e papéis assinalados atualmente pela nova Lei Orgânica do Trabalho. Estas organizações, e seus representantes nas diferentes Frentes Regionais (exemplo: Frente Regional Francisco de Miranda em Defesa da Vida, da Saúde e da Seguridade Trabalhistas), têm um papel concreto a ser desempenhado neste momento na Venezuela, no sentido de contribuir para o surgimento de uma nova liderança da Classe Trabalhadora, que deve defender as reformas da nova Lei do Trabalho e chegar a novas formas organizativas que arrebatem o poder aos desgastados e patronais sindicatos tradicionais. Temos que revolucionar a revolução e superar a principal contradição entre o Capital e o Trabalho.

Finalizamos estas reflexões repetindo: “Os povos passarão à história pela qualidade dos dirigentes que elegem”.

(Logo em seguida esta entrevista está postada numa versão em espanhol. Clicar logo aí abaixo em "Postagens mais antigas" - Sigue a continuación la entrevista en español. Pulsar abajo en "Postagens mais antigas").

Comentários