Boric: Bachelet representa um muro de contenção contra a criação de uma alternativa popular de esquerda no Chile (Foto: Página/12) |
Gabriel Boric, presidente da Federação
dos Estudantes da Universidade do Chile: a nova cara do movimento estudantil
chileno que durante 2011 manteve paralisada a maioria das universidades com a
reivindicação de uma educação gratuita. Ele conversou com Página/12 sobre os desafios que tem pela frente
Por Mercedes
López San Miguel (do jornal argentino Página/12,
de 12/08/2012)
O novo líder estudantil, de 26 anos, é oriundo da Patagônia chilena. Quando estava no colégio secundário (...) Boric começou a procurar mudar as coisas participando do centro de estudantes do seu colégio. Em seguida foi para Santiago estudar Direito na Universidade do Chile. Hoje é a nova cara do movimento estudantil chileno, que durante 2011 manteve paralisada a maioria das 25 principais universidades com a reivindicação de uma educação gratuita. Boric conversou com Página/12 sobre os desafios que têm pela frente os estudantes e se mostrou cético de que possa haver uma mudança radical com um governo de direita como o atual.
– Após 15 meses de mobilizações, parece que não adianta somente protestar. Se vocês se aproximam dos políticos temem contaminar-se. Como se resolve esta encruzilhada?
–É um ponto chave. Nós, no ano passado, botamos centenas de milhares de pessoas nas ruas. A sociedade quase toda esteve conosco, tínhamos altíssimos índices de apoio. Nossas figuras públicas, a Camila e o Giorgio (Jackson) eram queridos por todo mundo. Sair com a Camila na rua no ano passado era impossível, todos queriam tirar uma foto com ela. Os políticos estavam em seu nível mais baixo de desprestígio e o governo de Sebastián Piñera chegou a ter 27% de aprovação, enquanto o Parlamento 17%... ninguém os queria. Entretanto, nada mudou.
– Por que?
– A institucionalidade chilena não foi capaz de processar o descontentamento social que existia e a classe política apostou no desgaste do movimento estudantil. Este ano nós tomamos dois caminhos: um, tratar de aprofundar a politização do movimento e dois, gerar propostas mais claras. Em 2011 foi o ano das grandes consignas; este ano é o da apresentação concreta dum documento com as medidas que propomos e o fortalecimento da unidade dos secundaristas e universitários. Também apostamos em procurar espaços de diálogo com a classe política. Fomos reiteradamente ao Parlamento durante o primeiro semestre, expomos nossa proposta, enviamos uma carta a cada um dos parlamentares e ao presidente Piñera. Não temos encontrado eco dentro da institucionalidade. Diante disso nos fazemos a mesma pergunta que você faz: o que nos resta?
–Então, o que lhes resta?
–Este segundo semestre vai ser de mobilizações e nossa aposta será projetar que deste movimento estudantil surjam alternativas políticas que sejam capazes de nos representar no futuro. O conflito educacional não vai se encerrar agora. Acreditamos que podemos avançar em certas conquistas concretas, como um aumento dos recursos para as universidades do Estado, uma revogação de leis que impedem a organização dos estudantes nos liceus; poderemos avançar para algum tipo de desmunicipalização. Mas lograr as mudanças profundas que queremos... não vamos conseguir com um governo de direita, tampouco com um da Concertação. Temos que votar nossa própria representação e essa tarefa é de longo prazo. Pode soar decepcionante dizer que não vamos conseguir tudo agora, porém reflete o amadurecimento do movimento entender que as mudanças não se conseguem da noite para o dia e que temos de gerar as condições políticas para que elas ocorram. Inclusive com a conivência de alguns setores da Concertação se podem dar estes pequenos avanços.
– Mas tanto a direita como a Concertação são os que terminam governando. Quanto tempo terão que esperar?
– Eu não digo que essa mudança radical vai acontecer em 2013. Seguramente Michelle Bachelet vai ganhar as eleições. Ela representa um muro de contenção contra a possibilidade de se constituir um novo movimento de esquerda, uma alternativa popular de esquerda no Chile.
– Você acha que é a mesma coisa um governo conservador e a Concertação?
– Para a grande maioria do movimento estudantil no Chile, há duas direitas: a de Piñera e a da Concertação. Bachelet representa todas as políticas que a Concertação impulsionou durante 20 anos: administrou e aprofundou um sistema político, econômico e social de corte neoliberal que foi herdado da ditadura. Não podemos nos medir em tempos de eleições.
– Querem criar partidos?
– Sim, eventualmente. Giorgio Jackson criou o Revolução Democrática.
– Camila Vallejo faz parte do Partido Comunista...
– Sou muito crítico do PC porque na prática pactua com a Concertação. Eu não milito num partido. Apresentei minha candidatura pela Esquerda Autônoma, que é à margem, parte da corrente autonomista. Vai se necessitar de muita liderança para superar a fragmentação da esquerda. Aqui no Chile temos milhares de movimentos e cada um diz ter a verdade. Na hora de enfrentarmos os verdadeiros inimigos terminamos divididos.
– O ex-candidato presidencial Marco Enríquez Ominami não está de acordo com a gratuidade total da educação e sim está a favor duma reforma tributária. Sua postura é mais afinada com o movimento?
– Não. A demanda de educação gratuita não implica que não se pague. A pergunta é quem paga e como se financia. A educação tem que ser gratuita para todos, até para o homem mais rico do Chile. Quem tem que pagar é o Estado mediante uma reforma tributária. O projeto de reforma tributária que agora se debate no Congresso é um ajuste. Todas as propostas que este governo apresentou vão contra o que propõe o movimento estudantil.
Tradução: Jadson Oliveira
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