Capriles se anuncia como o candidato de “abaixo e à esquerda” (Foto: La Jornada) |
O rival de Chávez nas eleições de 7 de outubro é um empresário
dum partido de direita: ele se apresenta em público, sempre, como um homem
progressista, como um político que, segundo o dirigente de pesquisas de opinião
Germán Campos, procura “recuperar o discurso” do presidente, mas somente da
boca para fora.
Por Luis Hernández Navarro, do jornal mexicano La Jornada (reproduzido do jornal argentino Página/12, edição de 10/09/2012)
De Caracas - Na
Venezuela de hoje não está na moda ser de direita. As ruas de Caracas exibem
cartazes com o rosto do empresário e dirigente político Henrique Capriles, o
candidato opositor à presidência da República. Na imagem em que aparece metido
num boné de beisebol com imagens da bandeira do seu país, o candidato escancara
um sorriso, como se anunciasse uma pasta de dentes. Na propaganda se anuncia: “Abaixo e à esquerda”.
O cartaz não é produto de uma
excentricidade tropical e sim parte duma estratégia do bloco opositor. Apesar
de ser um empresário de direita, Capriles se apresenta em público, sempre, como
um homem progressista, como um político que, segundo o dirigente de pesquisas
de opinião Germán Campos, procura recuperar o discurso de Chávez, mas somente
da boca para fora.
Curiosa ironia: pela primeira vez em
muito tempo, a burguesia venezuelana tem um candidato de sua classe, de ranço
antigo. Sua estirpe se nota a quilômetros de distância. Capriles é advogado e
co-fundador do partido político conservador Primeiro Justiça. Para formar sua
organização recebeu, antes da chegada de Hugo Chávez à presidência,
financiamento da companhia petrolífera estatal. Sua postulação contou com o apoio
dos principais meios de comunicação privados.
O candidato da chamada Mesa de Unidade
Democrática (MUD) nasceu no seio de duas famílias proprietárias de meios de
comunicação. Seus adversários o acusam de pertencer ao grupo de ultra-direita
Tradição, Família e Propriedade. Foi um ativo participante no golpe de Estado
contra Hugo Chávez em 2002, e encabeçou as agressões contra a Embaixada de Cuba
em Caracas. Por isso, em 2004, o Ministério Público o acusou de violar princípios
internacionais. Mas agora se anuncia como o candidato de “abaixo e à esquerda”.
Este travestismo político, em que a
direita se apresenta como uma força progressista, não é gratuito. Como mostram
diversos estudos de opinião realizados por institutos como 30.11 Consultores e
Hinterlaces, na Venezuela se criou uma nova cultura política onde o ideal
socialista tem um alto índice de aceitação. Remar contra ele é difícil. A metade
da população concorda em construir um país socialista, contra 29% que se opõem.
Os cidadãos associam esse socialismo
com valores como inclusão, solidariedade, cooperação, igualdade de
oportunidades, organização, participação e, recentemente, eficiência. Duas de
cada três pessoas privilegiam os conteúdos sociais e políticos da democracia
por cima das questões formais. O socialismo se relaciona com democracia e
igualdade de oportunidades.
Esta adesão massiva à causa
socialista é um fato relativamente novo. Durante as décadas de 60 e 70 – diz Germán
Campos – se tratou de um conceito bloqueado, satanizado entre a maioria da população
venezuelana. Mas isso mudou radicalmente na campanha eleitoral de 2005, quando o
presidente Chávez passou do bolivarianismo, do nacionalismo e do anti-imperialismo
a assumir-se como socialista.
Segundo Campos, que se apresenta sem
ambiguidade como homem de esquerda de toda a vida, este fenômeno pode explicar-se
como produto da desestruturação da velha cultura política e o surgimento duma nova,
caracterizada pelo aparecimento duma sociedade repolitizada. A chave desta
situação – assinala – se encontra em cinco momentos marcantes que explicam
porque os venezuelanos mudaram.
O primeiro foi a desvalorização da
moeda, em 18 de fevereiro de 1983, quando se rompeu a imagem de que a Venezuela
era um país rico com uma situação econômica estável. O segundo foi o Caracazo
de 27 de fevereiro de 1989, a explosão social na qual os pobres da capital saíram
às ruas para protestar, sem organização nem direção política, contra as
políticas de ajuste, e que se esfumou a ilusão da igualdade social.
O terceiro consistiu na rebelião
militar de 1992 encabeçada por Chávez, que modificou na população a percepção
dos militares como uma força pretoriana, nascida principalmente do seu papel
como agentes da repressão durante o levante popular de 1989. Um fato que exemplifica
esta nova situação – aponta Campos – é que o disfarce mais visto entre as
crianças durante o Carnaval depois do levante foi o de Chávez com boina vermelha.
A quarta peça deste quebra-cabeça foi
o triunfo de (Rafael) Caldera nas eleições de dezembro de 1993, fora da
dobradinha tradicional de Ação Democrática (AD) e Comitê de Organização
Política Eleitoral Independente (Copei), e o surgimento duma força eleitoral de
esquerda (Causa R – La Causa Radical) que presumivelmente obteve a maioria dos
votos, o que não foi reconhecido e que finalmente foi negociado por seu
candidato Andrés Velázquez (hoje na oposição). A vitória de Caldera rompeu o
equilíbrio bi-partidário tradicional e tornou impossível a recomposição do velho
sistema político venezuelano.
Finalmente, o mapa desta transformação
na cultura política termina de configurar-se em 1999, já instalado Hugo Chávez
na Presidência, com a massiva participação popular em torno da Constituinte, na
qual os cidadãos formularam propostas e se envolveram ativamente na definição do
seu próprio destino.
De acordo com Oscar Schmell, da
Hinterlaces, se produziu um enorme envolvimento da sociedade venezuelana na
agenda pública. Na Venezuela – sublinha – vive-se um processo de inclusão
social e as pessoas respaldam o modelo que se instaurou.
O enorme peso desta nova cultura
política e a força das conquistas sociais do governo bolivariano fazem as coisas
muito difíceis para Capriles. Não pode opor-se publicamente a elas, sob o risco
de perder qualquer possibilidade de triunfo. Não pode falar com clareza da sua
proposta política e econômica porque seria rechaçado. Por isso se vê obrigado no
decorrer de toda sua campanha a declarar, como o fez no último dia 6 de setembro,
durante um giro em Lara (estado do centro-oeste do país), que as missões, os
programas sociais (...), o governo tem que realizá-los, “porque essa é sua obrigação”.
Ao contrário, o chavismo logrou que o
presidente represente uma visão de país com um alto consenso, e que seja visto por
cerca de dois terços da população como o futuro. Além disso, de acordo com
Schmell, seu discurso emotivo, como parte do seu discurso político, tem sido muito
importante para chegar aos sentimentos mais profundos dos mais desamparados. Sobretudo
nos setores populares, onde a vida diária tem muitas limitações, o discurso
amoroso do presidente, sua liderança carismático-religiosa, construiu algo muito
potente e influente. Por isso pode confessar, como o fez no último dia 8 de
setembro em frente à multidão e sem nenhuma hesitação, que “em algum momento cheguei
a pensar que sim, que teria de afastar-me da disputa política, mas graças a Deus
aqui estou, recuperado”.
Ser socialista na Venezuela é o
apropriado nos dias atuais, inclusive para os que são de direita. Eis aí parte
da tragédia de Henrique Capriles Radonski e seus aliados. Daí a força de
Chávez.
* De La Jornada do México. Especial para Página/12
(Tradução: Jadson Oliveira)
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