De
Caracas (Venezuela) – Um jornalismo comprometido com a
democracia, com os direitos humanos, com a ética e a verdade, e também
anti-capitalista e anti-imperialista, comprometido com o socialismo e apoiando
as lutas populares de todo o mundo. É muita coisa boa num só balaio. Por enquanto, é um
sonho, uma utopia, levando em conta a realidade da maioria dos países na América Latina e Caribe (e no mundo). Mas é o jornalismo buscado pela Federação Latino-americana de Jornalismo
(Felap – o “p” é de periodismo, em espanhol), que fez na capital venezuelana, no
último final de semana, dias 1 e 2, seu XI Congresso.
Trata-se da comunicação
anti-hegemônica, que já disputa posições em países da região, como Argentina, Bolívia, Equador e, com mais força, na Venezuela. A expressão organizativa
desse avanço aqui, no bojo da chamada revolução bolivariana liderada pelo
presidente Hugo Chávez, é a Plataforma dos Jornalistas, organização formalizada
recentemente que foi recebida pela Felap, durante o congresso, como legítima
representante dos “periodistas” venezuelanos.
O representante tradicional da
categoria aqui é o Colégio Nacional dos Jornalistas, mas a entidade foi expulsa
da Felap em 2003, acusada de apoiar o golpe de abril de 2002 contra Chávez. A entidade
foi criada em 1976 por jornalistas, em sua maioria, exilados, ou seja,
perseguidos pelas ditaduras militares que grassavam pela América Latina. Daí é mais
fácil entender o seu apego radical aos princípios democráticos.
Freddy Fernández no encontro que formalizou a criação da Plataforma dos Jornalistas da Venezuela (Foto: agenciasulan.org) |
Está na cara que a direção da
Plataforma – e certamente a grande maioria dos associados – é afinada com o
chavismo e defende – e em certa medida já pratica – um jornalismo
contra-hegemônico. Perguntei a Freddy Fernández, a principal liderança da
entidade (ele é presidente da estatal Agência Venezuelana de Notícias – AVN e foi
eleito no final do encontro para compor a direção da Felap), como é isso de
representar apenas um espectro ideológico e político da categoria, os de
esquerda; argumentei que no Brasil, por exemplo, onde a hegemonia da direita (dos
monopólios privados) na comunicação é arrasadora, a Federação dos Jornalistas é
a única representação da categoria.
Falamos um pouco das centrais
sindicais: aqui há a Central Socialista dos Trabalhadores, afinada com o
chavismo, e há outras. No Brasil também há várias centrais com as várias
nuances políticas e ideológicas. Bem, conclusão, a realidade geralmente é mais
complexa do que aparenta. E Freddy observou que os comunicadores venezuelanos –
aí ele inclui os milhares sem diploma universitário que militam na comunicação
alternativa, comunitária e popular e têm abertas as portas da Plataforma –
estão avançando na confrontação ante a hegemonia da mídia privada de direita,
golpista e imperialista.
Explicou então que a realidade na
Venezuela estava mudando, são situações novas e diferentes que surgem no
dia-a-dia. “Estamos num processo revolucionário”, e citou Che Guevara: "Quando o
extraordinário se torna cotidiano, é a revolução".
De fato, ao contrário da grande
maioria dos países da região, como o Brasil e muitos outros, o governo
bolivariano de Chávez já construiu um arsenal razoável de meios de comunicação
públicos/estatais e incentivou a criação de centenas de rádios e TVs
comunitárias (este blog está colhendo dados sobre isso).
Participaram dos trabalhos cerca de 60 jornalistas de 17 países da América Latina e Caribe (Foto: radiorebelde.cu) |
A discussão sobre hegemonia e
contra-hegemonia ou “a comunicação em disputa” foi, portanto, um dos dois temas
principais do encontro. O outro foram as denúncias sobre ameaças e assassinatos
de jornalistas, sendo os casos mais graves os do México, Honduras e Paraguai,
os dois últimos depois dos golpes de Estado que derrubaram os presidentes
Manuel Zelaya, em 2009, e Fernando Lugo, há pouco mais de dois meses.
Participaram cerca de 60 jornalistas
de duas dezenas de organizações da América Latina e Caribe. Havia delegados de
15 países: Cuba, Brasil, República Dominicana, Porto Rico, Argentina, México,
Bolívia, Equador, Panamá, Peru, Guatemala, Nicarágua, Chile, Uruguai e
Venezuela. Participaram também jornalistas de Honduras e Paraguai, dois países que
ainda não estão formalmente incorporados à Felap. Do Brasil participou Ayoub
Ayoub, professor de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (estado do
Paraná), representando a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
A seguir, a declaração oficial do
encontro:
“Contra
o terrorismo de Estado, o terrorismo de mercado e o terrorismo midiático”
(Esta é
a Declaração de Caracas, divulgada
sob a consigna: “Nossa comunicação jamais será censurada”. O título acima é
deste blog. Como não encontrei na blogosfera uma versão em português, tive que
traduzir)
“Reunidos nos dias 1 e 2 de setembro de
2012, em Caracas, República Bolivariana da Venezuela, as delegadas e delegados
ao XI Congresso da Federação Latino-americana dos Jornalistas (FELAP, o “P” é
de Periodistas, em espanhol), inspirados em seus princípios fundacionais, em suas
experiências de resistência de quatro décadas e no rumo que marca o processo de
integração dos povos da América Latina e do Caribe neste presente histórico, se
expressaram em defesa da vida e contra o terrorismo de Estado, o terrorismo de
mercado e o terrorismo midiático.
Nesse marco, de claro compromisso de luta
pela verdade, contra a mentira organizada, se produziu - entre outras decisões
de conteúdo estratégico - o ingresso da Plataforma dos Jornalistas da Venezuela
às fileiras da FELAP, sublinhando-se de tal forma o reconhecimento não só às e
aos jornalistas venezuelanos, como também ao processo de mudanças profundas de
caráter econômico, social, político e cultural que produz e impulsiona - também
na América Latina e no Caribe -, a Revolução Bolivariana.
Nelson del Castillo, de Porto Rico, quando dava os últimos retoques na redação da "declaração" (Foto: Jadson Oliveira) |
O XI Congresso fixou especial atenção nas
graves ocorrências de ameaças, assassinatos e desaparecimentos forçados de que
padecem os jornalistas, jornalistas comunitários, trabalhadores da imprensa e
comunicadores sociais, em países como México, Honduras e Paraguai, onde se recria,
num círculo perverso, o crime e a impunidade: em mãos das multifacéticas expressões
do crime organizado. Neste aspecto se concordou que existe o silêncio cúmplice
dos fatores de poder, somados às distorções que a grande imprensa faz acerca das
origens da violência institucionalizada.
Frente a essa realidade, o XI Congresso
destacou o importante trabalho desempenhado pela Comissão Investigadora de
Atentados a Jornalistas (CIAP-FELAP), a qual será reforçada com a designação dum
maior número de correspondentes por país.
A respeito do papel da grande imprensa - monopólios
nacionais e transnacionais -, o XI Congresso pôs ênfase em denunciar as
políticas que, por ordem dos interesses dominantes, manipulam de maneira massiva
a informação e a comunicação com o propósito de criar condições objetivas e
subjetivas que preservem os interesses de setores privilegiados da sociedade. E
muito especialmente nesta época com a finalidade de desestabilizar os processos
de libertação dos povos da América Latina e do Caribe.
O XI Congresso ratificou decisões tomadas
nos congressos de Pátzcuaro, México 2003, e Villa Gesell, Argentina 2007, em
favor dum maior desenvolvimento dos meios contra-hegemônicos, criando
plataformas tecnológicas de maior alcance e superiores níveis de capacitação e
formação, assumindo o desafio de crescer em termos de conteúdos e agendas
informativas próprias.
Ao ratificar neste XI Congresso seu
histórico compromisso de luta, a FELAP se propõe a somar forças mediante sua
participação em todas as instâncias de integração regional, como a ALBA (Aliança
Bolivariana para os Povos da Nossa América), UNASUL (União das Nações Sul-americanas),
Mercosul (Mercado Comum do Sul) e CELAC (Comunidade dos Estados Latino-americanos
e Caribenhos). Com tal determinação convocamos todos os jornalistas da América
Latina e do Caribe a fazer realidade o sonho dos nossos libertadores e nossos povos.
Caracas, República Bolivariana da
Venezuela
2 de setembro de 2012”
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