James Holmes, 24 anos, estudante de Medicina (Foto: reprodução da Internet) |
Por Atilio A.
Boron (traduzido do jornal argentino Página/12,
de 24/07/2012)
O massacre que
ocorreu em um subúrbio de Denver desencadeou, como tantas vezes após a
ocorrência de atrocidades semelhantes, o coro previsível de lamentos que por
sua vez se perguntava por que periodicamente apareciam regularmente nos Estados
Unidos monstros capazes de cometer crimes tétricos como os do rival do Coringa.
De fato, uma análise
que põe de lado a habitual complacência com as coisas do império não poderia
deixar de notar uma causa: como a expressão mais acabada da sociedade burguesa,
os Estados Unidos é também o lugar onde a alienação de indivíduos atinge níveis
inigualáveis universalmente. Não deveria surpreender a ninguém que comportamentos
como o do jovem James E. Holmes - quantos assassinatos indiscriminados ocorreram
nos últimos anos? - aflorem periodicamente para semear a dor entre a população estadunidense.
Sociedade alienada e alienante, que gera milhões de tóxico-dependentes (sem que haja qualquer programa do governo federal para prevenir e lutar contra o vício), milhões de "vigilantes" dispostos a impor a lei e a ordem por sua própria conta, perseguindo pessoas pela cor da pele ou por seus traços faciais; e milhões de outros que, assim como Holmes, podem comprar em qualquer loja de armas fuzil de assalto, pistolas, revólveres, granadas, bombas de gás e todos os apetrechos da parafernália militarista e, para culminar, obter licenças para utilizar esse arsenal letal legalmente.
A recorrência desse tipo de massacre conta a história de um problema estrutural, que é cuidadosamente omitido nas explicações convencionais, que invariavelmente falam de um ser perdido, de um louco, mas nunca se pergunta sobre as causas estruturais que fazem com que uma sociedade produza loucos em série. Uma sociedade que se apresenta com características de paraíso, como a terra de uma grande promessa, como o país onde qualquer pessoa pode ter sucesso e ganhar dinheiro em abundância, poder e prestígio, com tudo o que esses atributos levam como benefícios colaterais e que, na verdade, são alvos acessíveis apenas, na melhor das hipóteses, para 5% da população. O resto, submetido a um bombardeio de publicidade incessante e constante, mastiga sua impotência e frustração. Ocasionalmente, alguns pensam que a solução é sair e matar pessoas a sangue frio e de forma indiscriminada, outros mais inofensivos decidem se matar lentamente com drogas.
Mas, se a alienação generalizada da sociedade americana é a causa raiz, outros fatores se combinam para produzir comportamentos aberrantes como o de Holmes. Primeiro, o grande negócio da venda de armas, protegido sob o pretexto de ser um direito garantido pela Constituição e, na verdade, é o complemento necessário para legitimar, em termos de sociedade civil, o "complexo industrial militar" que domina a vida econômica e política dos Estados Unidos por pouco mais de meio século.
Aqueles que fabricam armas devem vendê-las, seja ao governo dos EUA (e, portanto, devem fabricar guerras ou montar cenários tendentes a elas), seja aos indivíduos ameaçados pelo espectro da insegurança. Vários analistas dizem que apenas nas regiões fronteiriças entre o México e os Estados Unidos, existem 17.000 lojas de armas onde você pode comprar um rifle de assalto AK 47 com a mesma facilidade com que você compra um hambúrguer. Em segundo lugar, a indústria do entretenimento (Hollywood) permanentemente excita a imaginação de dezenas de milhões de americanos com um fluxo imparável de séries, vídeos e filmes onde a violência mais cruel, atroz e horrenda é exposta com rigor perverso.
Antes havia alguma coisa disso, mas agora sua proporção tem crescido exponencialmente e, em determinados dias e horários, é praticamente impossível ver na televisão alguma coisa que não seja a glorificação subliminar do sadismo. A censura que existe - às vezes sutil, às vezes completamente descarada - para impedir que se conheça o trabalho de cineastas ou documentaristas críticos ao sistema ou que falem bem de países como Cuba, Venezuela, não existe na hora de controlar o vômito de atrocidades e crueldades produzido sem pausas por Hollywood. Por algo será. E esse "algo" é que tanto a venda descontrolada de armas de todos os tipos como a violência induzida por Hollywood estão totalmente funcionais para o projeto de dominação da burguesia norte-americana.
Há décadas Noam Chomsky mostrou como se têm aperfeiçoado os mecanismos que permitem a dominação pelo terror, sabendo que do medo brota a obediência ao poder. Uma burguesia que infunde o medo entre a população, fazendo saber a todos que ninguém está a salvo e que para proteger suas pobres e indefesas vidas há que renunciar a mais e mais direitos, outorgando ao governo a capacidade para vigiar todos os seus movimentos, interferir nas suas chamadas telefônicas, interceptar seus correios eletrônicos, controlar suas finanças, saber os autores que lê, com quem convive e sobre o que conversam. Um inimigo externo – hoje “o terrorismo internacional”, antes “o comunismo”– apresentado como onipotente e de uma crueldade sem limites, se complementa à perfeição com a ameaça corporificada nos milhares de potenciais assassinos, como Holmes, para cuja neutralização se requer outorgar à polícia, ao FBI, à CIA e ao Departamento da Segurança da Pátria todos os poderes que sejam necessários.
O que em 1651 Hobbes antevia hipoteticamente em seu Leviatã: a cessão de todos os direitos individuais ao soberano em troca de conservar a vida terminou por converter-se numa lamentável realidade nos Estados Unidos de hoje.
* Cientista político e sociólogo argentino. Diretor do PLED - Programa Latino-americano de Educação à Distância em Ciências Sociais.
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