O fazer político e o discurso político,
hoje, devem partir do pressuposto que o senso comum já está “trabalhado
pela grande mídia”
Por Tarso Genro (foto) - do PT, governador do estado do Rio Grande do Sul (reproduzido do portal Carta Maior, de 19/07/2012)
Ao longo dos últimos dez anos a disputa de
princípios, na esfera da política, tornou-se mais complexa. Os
argumentos tradicionais estão bloqueados por um senso comum formatado
por uma repetição de “verdades”, cuja aceitação não se fundamenta em
fatos ou provas, mas é criada pelo martelamento permanente, repetitivo,
de “informações” que são passadas como se não precisassem de
argumentação minimamente lógica. O fazer político e o discurso político,
hoje, devem partir do pressuposto que o senso comum já está “trabalhado
pela grande mídia” para formar “pré-conceitos” sobre todos os temas
relevantes do país e do mundo.
Repito o que disse em outras oportunidades: quando falo em “grande mídia”, não estou me reportando a qualquer órgão de imprensa, em particular, nem a um ou outro jornalista, sejam eles manipuladores ou não das informações que transitam nas suas colunas ou matérias. Reporto-me ao produto “matéria informativa”, no mercado da notícia, que é fabricado para ser assimilado pelo senso comum, ou por parte dele, como conjunto que passa a circular de forma dominante, como verdade, na “grande mídia” nacional.
Assim, Chavez que ganhou sucessivas eleições na Venezuela e sofreu uma tentativa de golpe de Estado quase concretizada, passou a ser um “ditador”. Lula, que fez o governo mais democrático e avançado do país - em termos de progresso econômico, distribuição de renda e soberania nacional- nos últimos 50 anos, passou a ser retratado como um Presidente tosco, que teve a sorte de surfar nas boas ondas da economia mundial. A corrupção no Estado é apresentada sempre (e quando ela passou a ser mais combatida e por isso se tornou mais evidente) como uma “novidade”, ligada principalmente ao PT (mesmo quando os sacerdotes da moralidade pública são desnudados por inteiro e não são nem do PT, nem da esquerda).
Ao lado desses macro-eventos, alinham-se outros. Por exemplo, a deposição do ministro Orlando Silva, do PC do B, que é exposto cinicamente como participante de um esquema de corrupção, humilhado publicamente pela “grande mídia” perante o país e a sua família, sem qualquer cuidado com a verdade, e sobre o qual hoje não pende nenhum indício de culpa. O serviço - a chacina -, porém, foi feita de forma meticulosa, certamente respondendo a interesses econômicos e políticos obscuros.
Neste momento, a “grande mídia” atravessa um período de esforço para a legitimação da deposição golpista do Presidente Lugo. Abre, assim, um precedente perigoso no debate sobre o futuro das democracias na América Latina, que lembra os anos 70.
Os métodos são outros, mas os objetivos e os efeitos são os mesmos: travar reformas progressistas e roubar esperanças de mudanças dentro da ordem. Pode, uma maioria parlamentar, -mesmo legítima em termos eleitorais - promover a deposição sumária de um Presidente por “não cumprir adequadamente” as suas funções, sem direito a ampla defesa e sem mesmo um esboço de prova?
Ao aceitarmos como “normal” a deposição do presidente Lugo, qualquer maioria (seja qual for sua posição política) poderá interromper mandatos sem obediência a regras que presidem qualquer Estado Democrático de Direito, estimulando o desapreço do povo à democracia política. A naturalização da deposição de Lugo está sendo meticulosamente trabalhada para passar ao senso comum que ela foi um ato legítimo.
Há um outro aspecto interessante no movimento da mídia. Aquele que elege a “personalidade da vez”. Até há pouco tempo este era o Senador Demóstenes, que seria o contraponto à “herança Lula”. Pela sua probidade e intransigência em relação à corrupção, era considerado também um modelo ideológico, capaz inclusive de promover uma pauta bombástica (e falsa), como aquela que a Polícia Federal estaria gravando diálogos seus com o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, que, na oportunidade, mostrou-se justamente indignado.
Ministro da Justiça naquele período, considerando o pedido do ministro Gilmar que presidia o STF, determinei uma investigação rápida e profunda, que não localizou nenhuma escuta ilegal. Não seria Cachoeira o autor do grampo? Não seria falsa a degravação apresentada? Eis uma investigação suplementar que a PF deveria reabrir neste momento.
Atualmente, a figura mais promovida pela mídia é o senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá. Assim como já foi, em outras oportunidades, a senadora Heloisa Helena, quando as suas diatribes udenistas serviam para a tentativa de desestabilização e promoção do fracasso do primeiro governo Lula. Ela era apontada pela mídia, naquela oportunidade, como exemplo de coerência política e consciência ideológica da esquerda e atraiu, pelo seu discurso radical contra Lula, o apoio e o voto de colunistas de jornais conservadores, ex-esquerdistas, que se autoproclamavam autênticos justiceiros do PT.
Buscava o governo, naquele momento difícil - não sem erros - dar estabilidade a uma maioria parlamentar para implementar um programa de crescimento econômico e melhoria na distribuição de renda, que hoje orgulha toda a nação. O senador Randolfe, portanto, que se prepare, pois quando ele se ocupar em esboçar alguma defesa coerente do programa socialista do seu partido, será também sumariamente despedido dos grandes noticiários e das colunas que hoje lhe cortejam, à medida que já terá sido devidamente utilizado pela “grande mídia” para que esta purgue o seu amor a Demóstenes.
Diante deste cenário, sustento que os partidos de esquerda devem elaborar suas agendas estratégicas não exclusivamente pelo que está sendo retratado ou exigido pela “grande mídia”. A informação, na sociedade democrática, é também parte de uma guerra pelo mercado e a produção da notícia nem sempre corteja a verdade, mas quase sempre está orientada pela busca do aumento do número de consumidores da notícia.
Os dirigentes políticos da esquerda precisam compreender que o interesse dos veículos de comunicação pela polêmica - por razões comerciais - é muito maior que o interesse por debater os grandes temas, capazes de moldar um futuro melhor para o país. Só assim, com a defesa de agendas autônomas e de interesse público, como a reforma política, o verdadeiro e indiscriminado combate à corrupção, a crise européia e o fracasso neoliberal, poderemos nos libertar da sedução momentânea dos holofotes e não estaremos sujeitos às armadilhas midiáticas, que são colocadas frequentemente só para disputar o “mercado” da notícia. Não para informar e preservar a verdade.
Repito o que disse em outras oportunidades: quando falo em “grande mídia”, não estou me reportando a qualquer órgão de imprensa, em particular, nem a um ou outro jornalista, sejam eles manipuladores ou não das informações que transitam nas suas colunas ou matérias. Reporto-me ao produto “matéria informativa”, no mercado da notícia, que é fabricado para ser assimilado pelo senso comum, ou por parte dele, como conjunto que passa a circular de forma dominante, como verdade, na “grande mídia” nacional.
Assim, Chavez que ganhou sucessivas eleições na Venezuela e sofreu uma tentativa de golpe de Estado quase concretizada, passou a ser um “ditador”. Lula, que fez o governo mais democrático e avançado do país - em termos de progresso econômico, distribuição de renda e soberania nacional- nos últimos 50 anos, passou a ser retratado como um Presidente tosco, que teve a sorte de surfar nas boas ondas da economia mundial. A corrupção no Estado é apresentada sempre (e quando ela passou a ser mais combatida e por isso se tornou mais evidente) como uma “novidade”, ligada principalmente ao PT (mesmo quando os sacerdotes da moralidade pública são desnudados por inteiro e não são nem do PT, nem da esquerda).
Ao lado desses macro-eventos, alinham-se outros. Por exemplo, a deposição do ministro Orlando Silva, do PC do B, que é exposto cinicamente como participante de um esquema de corrupção, humilhado publicamente pela “grande mídia” perante o país e a sua família, sem qualquer cuidado com a verdade, e sobre o qual hoje não pende nenhum indício de culpa. O serviço - a chacina -, porém, foi feita de forma meticulosa, certamente respondendo a interesses econômicos e políticos obscuros.
Neste momento, a “grande mídia” atravessa um período de esforço para a legitimação da deposição golpista do Presidente Lugo. Abre, assim, um precedente perigoso no debate sobre o futuro das democracias na América Latina, que lembra os anos 70.
Os métodos são outros, mas os objetivos e os efeitos são os mesmos: travar reformas progressistas e roubar esperanças de mudanças dentro da ordem. Pode, uma maioria parlamentar, -mesmo legítima em termos eleitorais - promover a deposição sumária de um Presidente por “não cumprir adequadamente” as suas funções, sem direito a ampla defesa e sem mesmo um esboço de prova?
Ao aceitarmos como “normal” a deposição do presidente Lugo, qualquer maioria (seja qual for sua posição política) poderá interromper mandatos sem obediência a regras que presidem qualquer Estado Democrático de Direito, estimulando o desapreço do povo à democracia política. A naturalização da deposição de Lugo está sendo meticulosamente trabalhada para passar ao senso comum que ela foi um ato legítimo.
Há um outro aspecto interessante no movimento da mídia. Aquele que elege a “personalidade da vez”. Até há pouco tempo este era o Senador Demóstenes, que seria o contraponto à “herança Lula”. Pela sua probidade e intransigência em relação à corrupção, era considerado também um modelo ideológico, capaz inclusive de promover uma pauta bombástica (e falsa), como aquela que a Polícia Federal estaria gravando diálogos seus com o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, que, na oportunidade, mostrou-se justamente indignado.
Ministro da Justiça naquele período, considerando o pedido do ministro Gilmar que presidia o STF, determinei uma investigação rápida e profunda, que não localizou nenhuma escuta ilegal. Não seria Cachoeira o autor do grampo? Não seria falsa a degravação apresentada? Eis uma investigação suplementar que a PF deveria reabrir neste momento.
Atualmente, a figura mais promovida pela mídia é o senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá. Assim como já foi, em outras oportunidades, a senadora Heloisa Helena, quando as suas diatribes udenistas serviam para a tentativa de desestabilização e promoção do fracasso do primeiro governo Lula. Ela era apontada pela mídia, naquela oportunidade, como exemplo de coerência política e consciência ideológica da esquerda e atraiu, pelo seu discurso radical contra Lula, o apoio e o voto de colunistas de jornais conservadores, ex-esquerdistas, que se autoproclamavam autênticos justiceiros do PT.
Buscava o governo, naquele momento difícil - não sem erros - dar estabilidade a uma maioria parlamentar para implementar um programa de crescimento econômico e melhoria na distribuição de renda, que hoje orgulha toda a nação. O senador Randolfe, portanto, que se prepare, pois quando ele se ocupar em esboçar alguma defesa coerente do programa socialista do seu partido, será também sumariamente despedido dos grandes noticiários e das colunas que hoje lhe cortejam, à medida que já terá sido devidamente utilizado pela “grande mídia” para que esta purgue o seu amor a Demóstenes.
Diante deste cenário, sustento que os partidos de esquerda devem elaborar suas agendas estratégicas não exclusivamente pelo que está sendo retratado ou exigido pela “grande mídia”. A informação, na sociedade democrática, é também parte de uma guerra pelo mercado e a produção da notícia nem sempre corteja a verdade, mas quase sempre está orientada pela busca do aumento do número de consumidores da notícia.
Os dirigentes políticos da esquerda precisam compreender que o interesse dos veículos de comunicação pela polêmica - por razões comerciais - é muito maior que o interesse por debater os grandes temas, capazes de moldar um futuro melhor para o país. Só assim, com a defesa de agendas autônomas e de interesse público, como a reforma política, o verdadeiro e indiscriminado combate à corrupção, a crise européia e o fracasso neoliberal, poderemos nos libertar da sedução momentânea dos holofotes e não estaremos sujeitos às armadilhas midiáticas, que são colocadas frequentemente só para disputar o “mercado” da notícia. Não para informar e preservar a verdade.
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