Chávez: "Não se trata de um homem no poder, mas de um povo no poder" (Fotos: Agência Venezuelana de Notícias - AVN) |
Cada discurso do presidente
venezuelano pode ser considerado a busca de um manual prático e teórico da
revolução socialista dos nossos dias
De Caracas (Venezuela) - "Hugo Chávez não está aqui
para acumular ele próprio o poder, eu sou mais um redistribuidor do poder, para
dar o poder ao povo e que ele tenha cada dia mais poder. Não se trata de um homem
no poder, mas de um povo no poder", afirmou o líder da chamada revolução bolivariana no
discurso de encerramento do XVIII Encontro do Foro de São Paulo, realizado nos
dias 4, 5 e 6/julho na capital venezuelana.
E disse e
repetiu, como o faz em todos os seus pronunciamentos (sempre transmitidos ao
vivo e amplificados em freqüentes inserções nas TVs estatais): estamos – o governo
bolivariano, a Revolução (assim com “R” maiúsculo) bolivariana e o povo – construindo
o Poder Popular (assim com “P” maiúsculo) e o socialismo; e quando diz “socialismo”,
acrescenta logo: “que é a verdadeira democracia”, o único sistema político
capaz de propiciar ao povo “a maior soma possível de felicidade”, menção a uma
frase atribuída a Simón Bolívar, o Libertador.
E tome-lhe pau nos
“valores capitalistas”, na “burguesia capitalista”, no “império dos Estados
Unidos”, nas “oligarquias venezuelanas, lacaios do imperialismo”, nos golpistas,
nos “apátridas”, nos “escuálidos”, nos “majunches” (ridículos, sem valor) e nos
“chayotas” (tipo de hortaliça frágil, que dura pouco). Uma mistura animadíssima
de retórica eleitoral (não esquecer que ele é candidato à reeleição em 7 de
outubro) e de ataques e contra-ataques na guerrilha midiática diária (ou guerra
de quarta geração), num emaranhado fantástico de ilações, que vão, vão, vão e
voltam ao ponto de partida. A militância chavista vai ao delírio, interrompe o
líder com gritos e cantos de apoio entusiástico.
Militantes de esquerda do Brasil estiveram presentes com uma delegação de 40 pessoas |
É sempre assim,
como o foi no Foro de São Paulo, na sexta-feira, dia 6, com o imenso auditório
(um dos) do Teatro Teresa Carreño lotado, em presença de centenas de militantes
e dirigentes de partidos e movimentos das esquerdas do mundo, a maior parte da
América Latina e Caribe, e de intelectuais e representantes de governos. Não
deixou, claro, de agradecer a presença e o apoio de tal militância, exortando-a
a continuar contribuindo para os avanços políticos na América Latina e no mundo
(o Foro tem como secretário-geral Valter Pomar, da direção nacional do PT
brasileiro).
Os longos discursos
do Comandante (assim com “C” maiúsculo) podem ser considerados, apesar de serem
sempre de improviso, como uma tentativa de elaboração de um manual
revolucionário dos nossos dias (ou do século 21).
Manual prático:
porque ele se ocupa sempre em mencionar passos concretos que seu governo vem
dando (inventando, às vezes errando, corrigindo, diz ele), no rumo da “transformação”:
construção das “comunas socialistas”, pequenos negócios geridos pelas
comunidades de bairros populares, destinação de recursos para o Poder Popular, para
o “fundo comunal”, para as chamadas Missões, para os meios de comunicação alternativos e comunitários,
incentivo a iniciativas populares como as “moedas comunais” que já circulam em
algumas comunidades (um assessor lhe passa uma e ele mostra, destaque nas telas
das TVs), expropriação de empresas e terras, bem como a criação de formas para
driblar a burocracia do Estado ainda burguês (ele próprio denuncia o
burocratismo estatal).
“Nossa revolução é democrática e
pacífica, porém não é desarmada”
E também um
manual com tinturas teóricas: diz sempre “sou um soldado” (deixou formalmente o
Exército na patente de tenente-coronel), mas observa que procura ler e
acompanhar as coisas. E, vai-e-vem, cita Marx (ele diz “Carlos” Marx): “Os
filósofos se ocuparam em interpretar o mundo, agora nossa tarefa é transformá-lo”;
cita István Mészáros e mostra um grosso exemplar do livro do filósofo húngaro, “Para
além do capital”; e cita Antonio Gramsci e a batalha das ideias, a busca pela
hegemonia “no político, no ideológico, no econômico, no moral, no cultural”.
Valter Pomar, Hugo Chávez e Diosdado Cabello (dirigente do Partido Socialista Unido da Venezuela, PSUV, e presidente da Assembleia Nacional) |
Mas enfatiza
que quer saber os passos concretos a serem dados, de acordo com a realidade
concreta. Dá uma mostra da sua formação militar: diz que, como soldado, pensa
sempre no plano de batalha, nos objetivos táticos e estratégicos a serem
perseguidos em cada batalha, como neutralizar o adversário, como derrotar o
inimigo. E ao falar neste assunto, faz uma inflexão significativa e adverte: “Nossa
revolução é democrática e pacífica, porém não é desarmada”. Lembra: “A Força
Armada Nacional Bolivariana (FANB) está cada dia mais comprometida com a pátria,
com o povo venezuelano e a Constituição venezuelana”.
Assim vai o discurso
do “Comandante Presidente”, a cada momento empurrado pelos aplausos da “marea
roja” (maré vermelha, a maioria da militância usa camisetas vermelhas): ao
falar de golpes como o recente no vizinho Paraguai, diz: “O Poder Popular e a
consciência são a melhor vacina contra os golpes de Estado”; “Vejam por onde
golpeia o imperialismo, pelos alvos mais débeis, aqui golpearam e fracassaram
(golpe e contra-golpe de abril/2002), se retiram, mas nunca nos perdem de
vista”.
E para fechar
com uma frase que parece combinar com o perfil ideológico deste que hoje é uma
referência mundial quando se fala em defesa da soberania e luta
anti-imperialista: afirmou que os povos do mundo "têm por dentro o que
alguém chamava pulsão heróica. Os povos vivem de sua pulsão heróica" (fala
com as mãos apontando para o peito).
(Este blog voltará ao tema Foro de São Paulo: mais discurso, importância da saudação de Lula, com o apoio a Chávez, a “Declaração de Caracas”, etc).
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