Venezuela no Mercosul: decisão de Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e José Mujica |
Por Martín
Granovsky (traduzido do jornal argentino Página/12, de 30/06/2012)
Os membros
plenos do Mercosul arredondaram algo que os presidentes do Brasil, Argentina,
Uruguai e Paraguai já haviam resolvido: determinaram a data da incorporação da Venezuela
ao Mercosul como o quinto membro do grupo com todos os direitos e obrigações. A
diferença é que desta vez o Paraguai não participou da decisão porque,
justamente, tem suspensa parte de seus direitos e obrigações. Até agora era o Senado
paraguaio que freava a integração de Caracas como a única das oito câmaras
legislativas dos quatro membros plenos que impedia a ratificação do acordo
firmado pela presidência.
Entretanto, a decisão de somar a Venezuela excede em muito a crise paraguaia.
De há muito os dois países grandes, Brasil e Argentina, imaginaram a entrada venezuelana quando ainda governavam Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner.
Se trata da terceira economia da América do Sul, fecha um bloco no extremo sul e no extremo norte do continente, contribui para a solidez energética por seu caráter de membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e não apresenta obstáculos comerciais porque não tem assinado nenhum tratado de livre comércio com terceiros países como é o caso da Colômbia e Peru, com referência a, dentre outros, os Estados Unidos.
A data escolhida, 31 de julho, já em plena presidência pro tempore do Brasil sobre o Mercosul, terá incidência política. Venezuela adiantou em dois meses as eleições presidenciais programadas inicialmente para dezembro e as celebrará em outubro, quer dizer, a menos de três meses de sua entrada como membro pleno do Mercosul. Será difícil para a oposição venezuelana construir parte de sua campanha eleitoral enquadrando Hugo Chávez numa política de isolamento internacional. De passagem, a proximidade entre o 31 de julho e as eleições de outubro fortalece politicamente Chávez. Mais ainda: por seu câncer, Chávez necessita fazer demonstrações de poder o mais perto possível das eleições. E um encontro internacional no Rio de Janeiro com Dilma Rousseff como anfitriã poderia funcionar como uma mostra a mais de construção política regional para o atual presidente venezuelano. Não é que a movimentação defina as eleições. Como o demonstrou, se fizesse falta, a crise paraguaia, as intervenções políticas externas podem ser preventivas ou dissuasivas somente como reforço de uma realidade interna. A fundamental é esta. Acaba de corroborá-lo a solução da sublevação policial boliviana. Evo Morales, com poder político, decisão, apoio parlamentar e construção própria pode dar a volta por cima e negociar o fim do conflito. A Fernando Lugo, ao contrário, resultou impossível frear a última tentativa de julgamento político e chegou à destituição.
Uma teoria sobre a Venezuela é que o Brasil e a Argentina exercem a tutela sobre Chávez, uma espécie de irmãozinho desgarrado que necessita da moderação dos irmãos mais velhos. É certo que a nenhum dos dois países causa simpatia, por exemplo, o aconchego carinhoso dos contatos da Venezuela com o regime iraniano. Mas nem Buenos Aires nem Brasília pretendem intrometer-se nos assuntos internos da Venezuela. Também é certo, ao mesmo tempo, que a integração gera laços capazes de intermediar atitudes. Que uma Venezuela mais conectada física, econômica e politicamente ao resto da América do Sul poderia fazer com que seu governo pensasse algumas medidas mais de uma vez antes de concretizá-las. De fato, esse tipo de temas costuma ser parte de conversações íntimas e sinceras entre os presidentes. Antes, com Lula e Kirchner. Agora, com Dilma e Cristina.
Um papel chave cumprirá Alí Rodríguez, várias vezes ministro de Chávez, ex-secretário da OPEP e recém secretário da União das Nações Sul-americanas (Unasul), onde sucedeu a um movediço mandato da colombiana María Emma Mejía. Rodríguez disse a este diário que a América do Sul deve unir-se em defesa de seus recursos naturais e em busca de maior desenvolvimento e níveis mais amplos de justiça. Estes dias o assessora na Unasul o argentino Rafael Follonier, que cumpriu as mesmas funções quando Kirchner mediou entre a Colômbia e a Venezuela e evitou uma guerra, em 2010, e mantém seu status de secretário de Estado na Casa de Governo.
A América do Sul, pelo que se vê, ainda tem cartas para jogar em meio ao furacão da economia mundial. Tantas que nem sequer o afastamento ilegal de Lugo e sua substituição por Federico Franco foram capazes de arruinar o jogo.
Comentários