Ernesto Villegas, autor do livro, era repórter nos dias do golpe (Fotos: Jadson Oliveira) |
De
Caracas (Venezuela) – Perguntava alarmado o major do
Exército e respondia seu camarada capitão, apontando em direção dos milhares de
homens e mulheres enfurecidos diante da emissora estatal de TV Venezuelana de
Televisão (VTV), cujo retorno ao ar era questão de vida ou morte na hora de
botar em execução o contra-golpe de 13 de abril de 2002, que traria de volta ao
poder o presidente Hugo Chávez. Ele tinha sido derrubado por um golpe dois dias
antes e uma das primeiras providências dos golpistas foi tirar a TV do ar.
Espero que esta introdução seja
suficiente para se entender um pequeno trecho eletrizante do livro “Abril Golpe
Adentro”, página 396, do jornalista venezuelano Ernesto Villegas Poljak.
Traduzo:
“(...)
Em determinado momento, Zambrano
Mata (major no momento do golpe sem comando de tropa, pois estava fazendo um
curso, e tinha pedido ao capitão para arranjar soldados a fim de incrementar a
reação ao golpe) recebeu uma chamada do capitão Marco Torres, que lhe disse
achar-se em frente ao prédio da VTV, e apressou o companheiro:
- Meu major, venha pra cá pois já
tenho as tropas.
Quando chegou à emissora ficou
surpreso com a multidão que cercava a VTV, a qual explodiu em aplausos ao ver o
uniforme verde oliva.
- Mas não vejo soldados!
Ali estavam Marco Torres (o capitão
seu amigo), o tenente de Fragata Luís Mariño, o GN (Guarda Nacional) Jaspe
Ramírez e o cabo segundo Armando Beltrán, todos em traje civil.
- Marco, onde estão as tropas?
- Aí, meu major. Aí...
Com a mão apontava no rumo dos
homens e mulheres da manifestação. Não havia soldados. Somente povo.
Após um instante de contrariedade,
disse:
- Bem, estas serão nossas tropas!
Zambrano Mata se aproximou da
multidão e veio ao seu encontro Miriam Caripe, liderança espontânea de Petare
(bairro popular, era na verdade uma ambulante que se destacou na hora do
pega-pra-capar), que, sem saber nada de hierarquias militares, lhe disse:
- Olha, senhor. Nós queremos que
regresse ao ar o canal 8 (VTV) para que nos informe o que está acontecendo. Aqui
nós não comemos esse conto de que o presidente renunciou (os golpistas tinham
divulgado que Chávez tinha renunciado e o bilhete de Chávez negando só seria
divulgado logo depois). Daqui nós não vamos sair.
Um aperto de mãos selou a
convergência do povo e do Exército num mesmo objetivo.
(...)”
Relançamento na 3a. Feira do Livro de Caracas |
Que tal? Sinto aí o verdadeiro
espírito da revolução popular. Me lembrei logo da correria, dos atropelos,
improvisações e, sobretudo, o heroísmo e a entrega pessoal, a disposição de
luta retratados em “Dez dias que abalaram o mundo”. Me pergunto quantos jovens
de hoje já leram este livro. É do jornalista norte-americano John Reed, que
estava na Rússia – “no lugar certo e na hora certa” – justamente no momento em que
eclodiu a revolução russa de 1917. E conta assim no calor do momento.
Bem, dei uma lida rápida, saltando
páginas, do “Abril Golpe Adentro”, e me entusiasmei com o trecho acima. Tinha
acabado de chegar, domingo à tarde, da 3ª. Feira do Livro de Caracas, na Praça
dos Museus. O livro é de 2009 e foi relançado agora, com distribuição gratuita,
patrocínio da prefeitura caraquenha (dirigida por um chavista, claro). A feira
é imensa, com uma porrada de eventos, começou na sexta, dia 27, e vai até o outro
domingo, dia 5, uma das promoções em comemoração aos 445 anos da cidade.
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